27/06/2014 - 20:00
Neste ano não deu, mas o próximo será melhor. De um modo geral, tem sido esse o discurso do governo nos últimos anos, ao justificar a revisão para baixo do crescimento da economia. O processo tem se repetido: o ano começa com uma previsão oficial otimista, que é vista com desconfiança pelo mercado, mas é mantida até que os fatos provem o contrário e os números comecem a ser revistos. Desta vez, o choque de realidade veio através do relatório de inflação do Banco Central, divulgado na quinta-feira 26.
Algumas horas antes de Gana e Portugal se enfrentarem no Estádio Mané Garrincha, a três quilômetros da sede da autoridade monetária, em clima de semiferiado na capital federal, o diretor de política econômica do BC, Carlos Hamilton Araújo, anunciou a nova previsão: a economia brasileira vai crescer 1,6% em 2014. “É o nosso melhor número”, afirmou. Ele quis dizer o número mais preciso obtido pelos técnicos responsáveis pelas análises dos componentes da atividade econômica. Mas a frase soou estranha, já que o número não é nada bom.
Trata-se de uma queda significativa em relação à previsão anterior, de uma expansão de 2%. E bem menor do que o crescimento do ano passado, de 2,5%, mesmo número do acumulado em 12 meses até março. Mas ele ainda pode ser revisto para baixo nos próximos meses. Economistas do mercado esperam apenas 1,16% para este ano, conforme levantamento semanal feito pelo próprio Banco Central. Na previsão do BC, o crescimento acelera nos meses seguintes. No período de 12 meses terminado em março de 2015, o PIB avançaria 1,8%. Mais uma vez, é no futuro que a economia vai crescer.
E, de novo, é a agricultura que vai salvar a economia brasileira. O consumo das famílias está arrefecendo, com o crédito mais caro e difícil. O investimento já está caindo, adiando a melhoria da infraestrutura logística para reduzir os custos de produção e trânsito de mercadorias. A indústria, que ameaçou uma recuperação quando o dólar subiu um pouco mais, no segundo semestre de 2013, vai encolher neste ano. A produção industrial vem caindo desde março e as empresas já começaram a demitir. O Caged, o registro de contratações e demissões com carteira assinada, mostrou a perda de 28,5 mil vagas na indústria em maio.
Considerando todos os setores da economia, foram criados 58,8 mil empregos em maio, o menor número num mês de maio desde 1992. O Banco Central conta com a acomodação do mercado de trabalho para ajudar a segurar os salários e a inflação. Mas as notícias nessa área não são muito animadoras. O custo de vida vai permanecer alto por um bom tempo. O índice de preços oficial, o IPCA, deve ultrapassar o teto da meta, bater em 6,6% no terceiro trimestre e fechar o ano em 6,4%.
Perigosamente próximo do teto e com uma boa dose de chance de ser ultrapassado e obrigar a autoridade monetária a enviar uma carta aberta ao ministro da Fazenda. Apesar disso, o BC diz estar confiante de que o aumento dos juros vai surtir o efeito desejado nos preços. A trajetória declinante só começa em 2015, quando permanece próximo de 6%. E apenas em junho de 2016 cairia para 5,1%. Ainda longe do centro da meta. E só daqui a dois anos. Ninguém pode acusar o BC de ambição demasiada. O otimismo do discurso é que não combina com o mau humor dos números.