09/11/2012 - 7:00
DINHEIRO ? Como é a convivência entre as famílias Amaro e Cueto?
MARIA CLÁUDIA AMARO ? É muito tranquila. Somos muito amigos. Gosto e confio muito neles, e eles em nós. Desenvolvemos ao longo do tempo uma relação de amizade. Nos encontramos pelo menos duas vezes por mês. Na terceira semana do mês, a reunião é no Brasil, e, na semana seguinte, no Chile. Durante esses encontros, sentamos os quatro irmãos (ela e o irmão Maurício e os irmãos Enrique e Ignácio Cueto). A empresa tem três pais e uma mãe.
DINHEIRO ? Há divergências entre vocês?
MARIA CLÁUDIA ? De vez em quando dá choque. É normal. Mas também ocorrem choques entre irmãos, entre casais. E essa fusão não deixa de ser um casamento.
DINHEIRO ? E o que se faz quando dá choque?
MARIA CLÁUDIA ? O choque ocorre sempre em assuntos relacionados à gestão. A Latam está acima de qualquer interesse próprio ou particular. Doa a quem doer, o interesse da empresa é o mais importante. Não existe hipótese de priorizar a família ou um amigo. Temos um pensamento muito próximo, além do que somos quase da mesma geração. O Ignácio e eu temos quase a mesma idade, já o Enrique é um pouco mais velho, pouca coisa, e o meu irmão Maurício é quatro anos mais novo do que eu. Isso facilita.
DINHEIRO ? Algum exemplo de choque?
MARIA CLÁUDIA ? Não tem choque grande. Às vezes, o Ignácio fica do meu lado, em outras, o Enrique fica do lado do Maurício. É muito engraçado, mas no fim sempre chegamos a um consenso. Quem é voto vencido aceita sem discussão.
DINHEIRO ? Não há mal-estar?
MARIA CLÁUDIA ? Quando isso acontece, sentamos e conversamos. Passamos as coisas a limpo e eliminamos o problema. Numa negociação entre sócios, não pode haver intermediários. Eles não mandam recado e nós também não.
DINHEIRO ? Com a saída da sua prima Manoela Amaro da diretoria da TAM, a família não ocupará cargos executivos?
MARIA CLÁUDIA ? Não há caça às bruxas aos membros da família. Nós temos duas pessoas da família na empresa. O Hugo, meu primo, irmão da Manoela, é comandante de 777. A outra é a Isa, que mora em Miami e cuida do marketing nos Estados Unidos.
DINHEIRO ? Como ficou dividido o poder?
MARIA CLÁUDIA ? A TAM ficou com uma participação menor na Latam apenas por uma questão de valores. Na época, a LAN valia mais do que a TAM. Mas apesar de a LAN ter uma participação maior, o poder é compartilhado, dividido meio a meio. Tudo isso está assinado e sacramentado no acordo de acionistas, que é maior do que a Bíblia. É a nossa Sagrada Escritura.
DINHEIRO ? A sra. teve medo de fazer o negócio com a LAN?
MARIA CLÁUDIA ? É normal ter medo. É normal você achar que vai se lascar. O que me assustava, o que me impedia de assinar o negócio era uma questão emocional. Não tinha dúvidas de que se tratava de um grande negócio. O que me incomodava muito também era o fato de não ter vínculos com a família Cueto. Depois, desenvolvemos muito os vínculos entre as duas famílias e hoje trabalho muito tranquila com eles.
Enrique Cueto, da LAN, e Maurício Rolim Amaro, da TAM, ao anunciarem a fusão, em 2010
DINHEIRO ? Chegou a pensar em desistir?
MARIA CLÁUDIA ? Logo no começo, pensei, sim, em pular fora. Achei que poderia atrapalhar se não tivesse muito embarcada, muito comprada, muito envolvida no negócio. Vivi o meu lutinho mesmo depois de ter assinado o negócio. Mas durou menos de seis meses. O que eu iria fazer? Montar uma lojinha? Não sou mulher de lojinha. Montar uma butique? Ia fazer o que da minha vida? Como já tinha assinado, decidi que ia catar o touro pelo chifre. Com o tempo, fui conhecendo as pessoas, me envolvendo, e acabei me apaixonando pelo negócio.
DINHEIRO ? A fusão foi difícil?
MARIA CLÁUDIA ? Muito difícil. Foi como perder o pedaço de um braço, um pedaço de mim que estava indo embora. Minha vida é muito entrelaçada à da TAM. Aprendi a andar de bicicleta no hangar 1 da companhia. Fiquei muito triste, muito triste. Todo mundo tem medos e eu tinha os meus.
DINHEIRO ? O que a convenceu a assinar?
MARIA CLÁUDIA ? Pouco antes de assinarmos o negócio, tive uma conversa definitiva com o meu irmão. Fomos a um restaurante japonês. Foi nesse jantar que decidimos que iríamos fazer o negócio. Ele me disse que, se eu não quisesse, ele abriria mão, iria procurar outro caminho, embora acreditasse firmemente no negócio. Eu teria feito o mesmo por ele. Concluí que o único motivo que me impedia de fazer o negócio era puramente emocional, já que racionalmente eu concordava plenamente com ele. Não poderia deixar que esse sentimento de emoção prejudicasse a mim, ao meu irmão, à minha família e a todos os funcionários da TAM. Não tenho o direito de fazer isso. Nesse jantar, também definimos que ele seria o presidente do conselho de administração da Latam.
DINHEIRO ? O passo seguinte foi assinar o negócio?
MARIA CLÁUDIA ? Logo depois daquele jantar, fomos para Nova York para assinar o memorando de intenções da fusão. Fiz questão de assinar o documento com uma caneta de madrepérola pink e prata que tinha comprado numa loja de canetas na Alemanha. O rosa-choque é a minha cor favorita. Assim que assinamos, saí dali e fui direto à joalheria Van Cleef e me dei uma joia de presente. Comprei uma para mim e outra para minha advogada Flávia, que está comigo em todos os momentos. Comprei um colarzinho de ouro para mim e um brinco para a Flávia.
Manoela Amaro, ex-diretora de marketing da Latam,
que deixou a companhia há um mês
DINHEIRO ? Quem teve a ideia da fusão?
MARIA CLÁUDIA ? Meu pai tinha tido a ideia lá atrás. O Maurício a resgatou, enxergou o movimento de consolidação da indústria e começou a defender o negócio. No início, não chegamos a um consenso, até que cada uma das empresas contratou uma consultoria (a McKinsey, pela LAN, e a Bain, pela TAM) e levantamos as sinergias operacionais que o negócio iria gerar. No primeiro estudo, os ganhos com a sinergia operacional somavam R$ 400 milhões ao ano. Esse número nos animou. Não havia mais dúvidas sobre o negócio. Os ganhos com as sinergias não param de aumentar. Em junho deste ano, as duas consultorias estimaram R$ 700 milhões. Agora, está sendo concluído um novo levantamento. Esse valor será ainda maior.
DINHEIRO ? Há muitas diferenças entre a LAN e a TAM?
MARIA CLÁUDIA ? A LAN é uma empresa que tem uma estrutura de custo mais baixo. O Chile é um país de custos bem mais baixos. Quando os Cueto olham para os custos do Brasil, se assustam. Os nossos sócios são extremamente eficientes. Eles têm muito foco.
DINHEIRO ? As medidas para a empresa voltar a dar lucro já estão definidas?
MARIA CLÁUDIA ? O nosso objetivo é a redução de custos, é a única coisa que controlamos. Não há como controlar o preço do dólar nem o preço do petróleo. O mercado brasileiro cresceu muito mais pela oferta do que pela demanda, e isso fez com que crescêssemos, exageradamente, acima da demanda.
DINHEIRO ? Houve um erro de planejamento das empresas aéreas?
MARIA CLÁUDIA ? Não sei se foi um erro de planejamento. Havia uma leitura no mercado de aviação de que a liderança era fundamental. E para ser líder no mercado, era preciso aumentar a oferta. A liderança é de fato superimportante, mas não a qualquer preço. Somente a rentabilidade vai garantir a sustentabilidade. Não dá para ser líder e ter sucessivos prejuízos.
DINHEIRO ? A TAM vai reduzir de 7% a 10% os voos domésticos em 2013?
MARIA CLÁUDIA ? Por aí, algo por aí. Isso é o estimado. Pode ser que seja menos ou pode ser que seja mais.
DINHEIRO ? Haverá corte de funcionários?
MARIA CLÁUDIA ? Alguma coisa sim, mas ainda não temos esses números. Ninguém fala em cortar milhares de pessoas. Estamos fazendo os estudos com calma. Há uma crise mundial que afeta a aviação. No Brasil, o problema se agrava porque o peso do combustível e das tarifas aeroportuárias é muito grande.
DINHEIRO ? A TAM vai continuar com serviços tradicionais, como as balas e o tapete vermelho?
MARIA CLÁUDIA ? Tudo pode ser discutido. O momento é de ser despojado. A TAM e a LAN têm uma história brilhante, um legado maravilhoso, devemos gratidão a todos que nos ajudaram a chegar até aqui. Temos que usar ambos os casos como inspiração, mas não podemos ficar mais apegados ao passado. O que fizemos não é o que vai nos levar para o futuro. Vamos ter que nos desapegar das nossas crenças. Nós temos que entender isso e construir uma coisa nova. É uma oportunidade maravilhosa.
DINHEIRO ? Qual é a meta da Latam?
MARIA CLÁUDIA ? Há os desejos ocultos e os desejos explícitos. O Enrique fala em atingirmos US$ 25 bilhões em valor de mercado em pouco tempo [hoje a empresa está avaliada em US$ 12 bilhões, a maior do mundo no setor]. Eu acho que isso é um delírio ? e falei para ele.