07/01/2003 - 8:00
“Disse ao presidente que gosto de cobrar e ser cobrado”
Somos um País estranho. Nossos produtos mais conhecidos são pessoas
DINHEIRO ? Por que o sr. aceitou o convite para integrar o governo?
LUIZ FERNANDO FURLAN ? Aceitei porque acredito que exista uma janela de oportunidade para uma mudança profunda no Brasil. A eleição expressou um desejo de transformação e quem assumiu tem o legítimo direito de propor mudanças. Aparte disso, acho que o maior problema do Brasil é o problema social. Há algumas dezenas de milhões de brasileiros que não são verdadeiramente cidadãos e acho que o meu setor de trabalho ajuda a mudar isso. De que forma? Criando empregos, aumentando a produção, criando uma cultura de exportação que melhore a qualidade dos produtos. Também gerenciando uma política industrial de governo que melhore a competitividade brasileira, para que se tenha crescimento sustentado. Enfim, aceitei o emprego porque há muitas coisas em que posso ajudar.
DINHEIRO ? O que um empresário pode agregar ao governo?
FURLAN ? O que eu agrego é a experiência de fazer coisas. Fui chamado por ser alguém que conhece comércio exterior, que conhece negociações internacionais, que tem opinião. Eu perguntei ao presidente, quando ele me convidou, o que esperava de mim. Perguntei, inclusive, se sabia que eu era um defensor da economia de mercado, que eu achava que tínhamos que melhorar a competitividade do Brasil sem fechar os mercados, como no passado. Os grandes beneficiários da abertura foram os consumidores, por variedade, qualidade, por estímulo à melhoria da produção brasileira. Eu acredito que estou sendo chamado para essa missão por força das coisas que eu penso. E eu realmente acredito em superávit.
DINHEIRO ? O sr. colocou alguma pré-condição para aceitar?
FURLAN ? Não, eu não coloquei pré-condições. O único ponto que levantei foi que eu acredito muito em estrutura de comandos clara, em responsabilidades claras. Eu gosto de cobrar e ser cobrado. Aparte disso, o único ponto que eu levantei é que eu não tenho experiência política. Portanto, imagino que um ministro que não tenha suporte político seja mais vulnerável do que outros que tenham suporte de um partido, de um cargo eletivo. Então, o compromisso que tive do presidente e de membros de sua equipe foi que eu teria todo suporte político para levar adiante os desafios. Essa foi a única ponderação.
DINHEIRO ? Em uma empresa, quando a direção decide que alguma coisa vai acontecer, acontece. No governo, dizem que não é bem assim…
FURLAN ? Eu tenho ouvido muito isso, mas também tenho ouvido que existem maneiras de fazer com que as coisas aconteçam. Conversei muito a respeito disso com o ex-ministro Alcides Tápia, que é meu amigo. Esse vai ser meu aprendizado: entender como funciona a máquina do governo e montar uma equipe de colaboradores que possa suprir minha deficiência.
DINHEIRO ? As pessoas estão imaginando que o sr. está no ministério para cuidar de exportações. É só isso?
FURLAN ? Não. Outro tema que me foi confiado é de tornar a produção brasileira mais competitiva. Não necessariamente só para exportação, mas inclusive para competir localmente com produtos importados. Eu acho que há bons diagnósticos de setores que têm condição de se desenvolver, há mecanismos de cooperação, inclusive com outros países, no sentido de agregar valor aos produtos brasileiros. Nós estamos pensando em um trabalho de agregação de valor de forma que o Brasil passe a ter produtos de exportação que sejam reconhecidos. Quase nada que o Brasil exporta vai direto ao consumidor. Café? Não. Suco de laranja? Não. Você segue por aí e vê que nós exportamos matérias-primas que alguém reprocessa ou embala ou mistura ou faz algum tipo de acabamento e vende com um valor agregado, com sua marca.
DINHEIRO ? O sr. assume com algum projeto prioritário?
FURLAN ? Idéias não me faltam, mas eu sou daqueles que acreditam que quem tem muitas prioridades não tem nenhuma. Tenho sido módico em minhas declarações porque eu estou levantando dados, informações, tenho conversado com as pessoas, tenho lido. Ontem li até às duas da manhã. Na verdade, eu vou colocar essas prioridades no devido tempo. Já está claro que terei de trabalhar intensamente com as equipes do Itamaraty no exterior e também vou fazer uma parceria muito firme com Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, inclusive apoiando as negociações de abertura de mercado. Quando eu tiver estabelecido as prioridades vou submetê-las ao presidente, porque elas passarão a ser prioridades de governo. A partir daí espero que todos colaborem. Tive ótimas conversas com o ministro Antônio Palocci, da Fazenda. Falei muito claramente que ele é uma origem potencial de frituras de pessoas como eu. Historicamente tem um conflito ali, entre ministérios. Mas o ministro Palocci tem dito que temos que jogar juntos, que o sucesso de um será o sucesso do time. Estou tranqüilo neste aspecto.
DINHEIRO ? O BNDES ficará sob seu comando?
FURLAN ? Não há nenhuma dúvida. Está tudo combinado com o presidente.
DINHEIRO ? Quer dizer que o sr. ficará com os instrumentos de política industrial. Mas o sr. já tem uma visão do que será a política industrial do governo Lula?
FURLAN ? Eu estou fazendo uma reflexão, estou ouvindo pessoas, tenho estudado diagnósticos, relatórios e não vou tomar nenhuma medida sem discutir e sem analisar fatos e dados. Mas neste momento ainda não estou em condições de dizer que tenho na cabeça uma política industrial.
DINHEIRO ? Nos últimos anos houve desacordo entre aqueles que pensavam que o Estado tinha um missão a cumprir, elaborando uma política industrial, e aqueles que diziam que isso é um desperdício de dinheiro…
FURLAN ? Essa é uma discussão tola. Dizer que não existe uma política industrial no Brasil é negar a realidade. A Zona Franca de Manaus é um instrumento de política industrial. Os incentivos que são dados pelos governos estaduais são motores de investimentos setoriais. Há muitos exemplos de ações de políticas industriais. O que se poderia dizer é que talvez não haja uma harmonia entre essas ações todas. Não tenho dúvida que o Estado pode induzir políticas de desenvolvimento e de modernização de setores.
DINHEIRO ? O sr. vai coordenar o BNDES. Existe algum constrangimento por causa dos empréstimos que a Sadia
recebeu do banco?
FURLAN ? Nenhum. Uma empresa que exporta quase US$ 700 milhões por ano certamente faz operações financeiras de pré-embarque, de financiamento à exportação com os principais bancos do País, nacionais ou estrangeiros. É a mesma coisa que você me perguntar se eu tenho algum constrangimento com a Visa ou com a American Express porque todo mês eu recebo uma fatura delas. Mas eu sou cliente delas. Para uma empresa do porte da Sadia trabalhar com BNDES é a coisa mais natural do mundo. Seria estranho se não trabalhasse. Então não tenho nenhum constrangimento. Além do mais, eu já apresentei meu desligamento.
DINHEIRO ? Mas o sr. continua acionista da companhia…
FURLAN ? Eu tenho uma participação pequena, menos de 2%. E estou consultando meu advogado para que essa participação seja esterilizada enquanto eu estiver no governo. Isso garantiria uma isenção em termos da minha capacidade de influir. Além do que estou me desligando em definitivo e não voltarei para a Sadia, qualquer que seja o meu futuro.
DINHEIRO ? O vice-presidente José Alencar disse que é
possível alcançar um superávit comercial de US$ 25 bilhões.
O sr. acredita nisso?
FURLAN ? Se um ano atrás alguém jurasse de pé junto que haveria em 2002 um superávit comercial de US$ 12 bilhões, você colocaria essa pessoa no hospício. Sabe qual é o superávit da Argentina hoje? Cerca de US$ 16 bilhões, para uma economia muito menor que a brasileira. Se tivermos um pouco de engenho e arte, agregando valor, diversificando produção, atraindo investimentos que sejam base de exportação, podemos aumentar muito as exportações.
DINHEIRO ? O Brasil sempre prioriza as exportações quando o mercado interno está fraco, e sempre esquece a prioridade quando a demanda interna volta a aquecer…
FURLAN ? Eu não vou me esquecer disso. Pode ter certeza.
DINHEIRO ? Os americanos dizem que o Brasil reclama demais com questões como aço e suco de laranja porque não temos competitividade no resto da economia.
FURLAN ? Isso é conversa protecionista, para desviar do assunto. Não podemos admitir que o discurso seja liberalizante e a atitude seja protecionista. É claro que o Brasil não vai ser condenado a ser um exportador de commodities ou de produtos semi-elaborados pelo resto da vida. Temos que agregar valores. Temos que sofisticar produtos, designers, embalagens. Nós temos que vender produtos que tenham emoção. Eu acho que um desfile de moda praia empacotado em uma modelo brasileira é uma compra emocional.
DINHEIRO ? Ronaldinho e Gisele Bündchen ajudam a vender o Brasil?
FURLAN ? Alguém já disse que somos um País estranho, porque os nossos produtos mais conhecidos são pessoas. Quando se fala de Itália, o que vem à cabeça? Carro. Agora, quando se fala em Brasil, se pensa em Pelé, Ayrton Senna, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Jobim, que não são produtos. Mas por trás disso você precisa ter um trem inteiro de produtos. E nós não temos isso. Esse é o problema. A imagem do Brasil precisa estar associada a coisas positivas que resultem em negócios.
DINHEIRO ? O sr. tem alguma posição a priori sobre a Alca?
FURLAN ? A minha posição é semelhante à do presidente Lula: a Alca é ótima desde que a negociação seja vantajosa para o Brasil, porque se não for ela será péssima. Vamos negociar porque temos esse compromisso e porque ter acesso aos grandes mercados como o da América do Norte é um ponto positivo. Lá no final da negociação, nós vamos fazer uma avaliação e ver se o resultado é satisfatório. Eu espero que seja, mas isso não é garantido. Mas vejo com satisfação que não há vetos a priori aos acordos de comércio, sejam eles a Alca ou as negociações bilaterais com a União Européia. Negociar é parte da vida mesmo.