A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu neste sábado, 23, que o surto de varíola dos macacos (monkeypox) configura uma emergência global de saúde. Especialistas explicam que o alerta chama atenção para a necessidade de bloquear a transmissão da doença, mas que cada país deve agir conforme o cenário local. No Brasil, o Ministério da Saúde articula compra de vacinas e o Estado de São Paulo pensa até em produzi-las.

Uma emergência de saúde pública de importância internacional (Pheic, em inglês), conforme a OMS, é um “evento extraordinário” que apresenta risco através da propagação internacional e requer resposta global coordenada. A declaração de emergência serve, principalmente, como um apelo para atrair mais recursos e atenção para o surto.

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O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, dividiu os países em quatro grupos e expediu recomendações temporárias específicas para cada um deles. São eles: países sem histórico da doença ou que não detectaram um caso por mais de 21 dias; estados-membro com casos recentemente importados; nações com transmissão zoonótica (entre animais e humanos) conhecida ou suspeita de varíola dos macacos; países com capacidade de fabricação de vacinas e diagnóstico.

Embora a organização não tenha listado qual país está em cada grupo, é possível deduzir que a maioria deles, incluindo o Brasil, está no segundo. Para esses, algumas das orientações são: implementar ações de resposta com o objetivo de interromper a transmissão entre humanos; relatar à OMS casos prováveis e confirmados; isolar os casos durante o período infeccioso; rastrear contatos de infectados; considerar o uso direcionado de vacinas para profilaxia pré-exposição em pessoas em risco de exposição (que podem ser desde profissionais de saúde até comunidades com alto risco de exposição).

Marcelo Otsuka, infectologista e vice-presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), avalia que o alerta da organização chama atenção para a necessidade de controlar a doença e impedir a disseminação dela. “Indica que temos que tomar os devidos cuidados para bloquear essa cadeia de transmissão”, explica.

Ele explica que as implicações para cada país vão depender da capacidade de resposta e situação de cada um em relação à introdução da varíola dos macacos. “Cabe aos serviços de saúde de cada país, entender onde aperta o calo.”

“Não podemos permitir não haver uma fiscalização, uma vigilância para detecção e acompanhamento adequado dos casos. Se tivéssemos feito isso com o coronavírus, talvez tivéssemos tido uma redução muito mais drástica do número de casos e não como foi de uma maneira geral”, alerta. Porém, frisa, não seria necessário o alerta da OMS para que essas atitudes fossem tomadas.

O infectologista Fábio Araújo, que atende no Instituto Emílio Ribas e no Centro de Referência e Treinamento para DST/Aids de Santa Cruz, na Vila Mariana, explica que, na prática, o alerta fará com que autoridades sanitárias nacionais e internacionais tomem algumas atitudes. “Agora, essas pessoas vão ter que tomar essa decisão se vai ter vacina e onde nós vamos buscar a vacina”, exemplifica. Além disso, trabalhar com mais afinco no fornecimento de informação à população, bem como o estabelecimento de uma rede nacional para testagem e diagnóstico.

Brasil

O alerta da autoridade internacional, conforme Araújo, ocorre em um momento de “crescimento exponencial” da doença no País. “Existe uma demanda absurda de pacientes. Eles estão comparecendo em peso e aparecendo de maneira super desorientada.”

O País registrou 696 casos e investiga outros 336 suspeitos, segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados na sexta-feira, 22. Conforme a secretaria estadual de saúde, São Paulo tem 538 infecções confirmadas de 33 cidades. A capital concentra 442 delas.

Otsuka lembra que o Brasil já tem casos autóctones. “Já existe a circulação do vírus.”

Nova pandemia?

Na visão de Otsuka e Araújo, por definição, o surto atual já poderia ser considerado uma pandemia. “Uma pandemia se caracteriza pela expansão mundial de uma doença”, fala Araújo. Isso não significa, porém, que a resposta seja na mesma intensidade do que a dada à de covid-19. “A gravidade é menor a princípio”, pondera Otsuka.

O sanitarista Gonzalo Vecina discorda. Ele acha que o surto só deve ser visto como pandemia se houver transmissão local “forte”. O médico destaca que, ao contrário da covid-19, a doença, por ora, tem taxa de infectividade e mortalidade baixas. O que preocupa, pondera, é o longo período de latência.

“Você pode conviver com ela até 40 dias e durante 40 dias é infectante.” Por isso, teme que o vírus encontre um hospedeiro animal – ou seja, que a doença se torne uma zoonose. “Se ele encontra outro animal que seja hospedeiro dele, fora da África, você estabelece um novo ciclo.

O que o Brasil precisa fazer?

Otsuka avalia que o primeiro passo é difundir os protocolos de investigação. “Esses cuidados de triagem, de rastreio, de análise epidemiológica são o primeiro ponto.”

Araújo indica que informação é crucial. Principalmente, para a população de homens que fazem sexo com homens (HSH), que, conforme a OMS, representam a maior parte dos casos. Isso não significa que outras pessoas não podem se infectar.

O que dizem as autoridades brasileiras

O Ministério da Saúde destacou, em comunicado, que o País está preparado para enfrentar a varíola dos macacos e que articula, com a OMS, a compra de vacinas para combater a doença. “De forma que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) possa definir a estratégia de imunização para o Brasil”, informou.

Em nota, o governo estadual destacou que avalia a possibilidade da compra e produção de vacinas. “Com o objetivo de controlar a disseminação da varíola causada pelo vírus monkeypox.” E também que o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) tem alinhado as diretrizes técnicas com toda a rede de saúde e informando a população quanto ao cenário epidemiológico e as medidas de prevenção e controle da doença.

A Secretaria Municipal da Saúde da capital informou, em nota, que “está com toda a operação de atendimento, diagnóstico e monitoramento em pleno funcionamento para o atendimento aos casos de monkeypox”. A pasta destacou que a Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa) foi responsável por orientar as unidades de saúde para a identificação e monitoramento precoce dos casos.

Surgimento dos casos

O primeiro caso europeu foi confirmado em 7 de maio em um indivíduo que retornou à Inglaterra da Nigéria, onde a varíola dos macacos é endêmica. Desde então, países da Europa, assim como Estados Unidos, Canadá e Austrália, confirmaram casos.

Transmissão

Identificada pela primeira vez em macacos, a doença viral geralmente se espalha por contato próximo e ocorre principalmente na África Ocidental e Central. Raramente se espalhou para outros lugares, então essa nova onda de casos fora do continente causa preocupação. Existem duas cepas principais: a cepa do Congo, que é mais grave, com até 10% de mortalidade, e a cepa da África Ocidental, que tem uma taxa de mortalidade de cerca de 1%.

O vírus pode ser transmitido por meio do contato com lesões na pele e gotículas de uma pessoa contaminada, bem como através de objetos compartilhados, como roupas de cama e toalhas. O período de incubação da varíola dos macacos é geralmente de seis a 13 dias, mas pode variar de cinco a 21 dias.

Sintomas

Os sintomas se assemelham, em menor grau, aos observados no passado em indivíduos com varíola: febre, dor de cabeça, dores musculares e nas costas durante os primeiros cinco dias. Erupções cutâneas (na face, palmas das mãos, solas dos pés), lesões, pústulas e, ao final, crostas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os sintomas da doença duram de 14 a 21 dias. Muitos casos não tem apresentações clínicas (assintomático).

Prevenção

De acordo com o Instituto Butantan, entre as medidas de proteção, autoridades orientam que viajantes e residentes de países endêmicos evitem o contato com animais doentes (vivos ou mortos) que possam abrigar o vírus da varíola dos macacos (roedores, marsupiais e primatas) e devem se abster de comer ou manusear caça selvagem.

Higienizar as mãos com água e sabão ou álcool gel são importantes ferramentas para evitar a exposição ao vírus, além do contato com pessoas infectadas.