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“O leilão das estradas foi muito importante, porque o consumidor sairá ganhando”


 

 

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“A ministra Dilma tem respaldo da classe empresarial e ajuda a atrair investimentos”

 

 

DINHEIRO ? Os espanhóis possuem cerca de US$ 40 bilhões em investimentos no Brasil. Por que o mercado brasileiro é tão vistoso para esses empresários?
RICARDO CONDE ? Mais do que vistoso, eu diria atraente. Há confiança no Brasil como país e, principalmente, como uma economia estabilizada. Há uma conscientização adquirida de que não pode mais haver mudança das normas gerais que regem a economia, o que provoca um andamento fundamental do investimento em longo prazo. A Espanha tem uma massa de estoque de investimentos muito grande no Brasil, apenas atrás dos Estados Unidos. Há setores de todos os matizes envolvidos e de olhos bem abertos no desenvolvimento brasileiro. É um mercado interno com uma massa de consumidores grande. Onde há poder de compra, há investimento, que se traduz em mais dinheiro para ambos os lados. Vamos investir muito mais.

DINHEIRO ? Recentemente, o empresário Fernando Arruda Botelho, da Camargo Corrêa, afirmou que os ?os espanhóis vão comprar tudo? e que ?eles vão estourar com os empresários brasileiros?. A preocupação brasileira tem procedência?
CONDE ? Acho que é uma reação empresarial normal. Não respondendo frontalmente, acho importante ressaltar que os investimentos são sérios, que chegaram para ajudar o Brasil. E, principalmente, que eles resultam de uma ação do consumidor brasileiro. Um exemplo foi o que aconteceu no leilão de linhas de transmissão de energia. O resultado final foi um importante deságio que se traduziu num custo mais barato para o consumidor. O Brasil é privilegiado pela matriz energética, mas o quilowatt continua sendo alto. Estou convencido de que nesse capítulo das rodovias vai acontecer a mesma coisa. O preço pago pelo consumidor será mais barato. E é o consumidor que sempre interessa no final das contas.

DINHEIRO ? Os empresários afirmam que os espanhóis se beneficiam de práticas vistas como desleais para competir no mercado brasileiro.
CONDE ? Não há qualquer procedência nisso. O próprio ministro Joan Clos, da Indústria e Comércio, tratou de responder a essas acusações infundadas. Ele negou, como integrante do governo, que isto esteja ocorrendo. A posição do governo é de que não existe.

DINHEIRO ? Mas a Comissão Européia abriu, no mês passado, uma investigação formal para apurar as supostas vantagens.
CONDE ? Sim, está apurando. Mas não chegou a nenhuma conclusão e ao final verá que não há qualquer veracidade nisso. A posição é que não há qual quer benefício. Temos empresas espanholas atuando no mercado americano. Das 11 empresas concessionárias mais importantes do mundo, cinco são espanholas. Duvido que se houvesse algum tipo de privilégio fiscal, nesse paradigma de livre concorrência, o governo dos Estados Unidos permitiria que nossas empresas concorressem abertamente com as suas.

DINHEIRO ? No caminho inverso ao da armada espanhola, por que ainda é difícil ver uma presença maior de empresas brasileiras na Espanha?
CONDE ? Não cabe a mim analisar a atitude empresarial do Brasil. Mas posso dizer que as empresas espanholas estabelecidas aqui têm seus quadros executivos formados por brasileiros. A presença exterior do Brasil está sendo cada vez maior. A Gerdau, por exemplo, comprou uma siderúrgica espanhola, a Sidenor. Isso dá acesso não só à Espanha como ao mercado da União Européia. O que queremos é não só a presença de empresas espanholas aqui, mas de brasileiras na Espanha. Há, ainda, uma aliança da Santista com uma empresa têxtil espanhola. Esperamos mais investimentos brasileiros na Espanha. Isso é irreversível. Seja como joint venture ou aquisição. Precisamos de sinergia nos mercados. Isso faz parte da globalização e a Espanha gostaria de ter um fluxo maior de presença brasileira.

DINHEIRO ? A OHL, que ganhou cinco dos sete trechos de rodovias leiloados pelo governo, foi acusada de ?inepta? pelo Ministério do Desenvolvimento da Espanha. Existe algum risco de o episódio se repetir no Brasil?
CONDE ? Acredito que não. Pelo que sei, o assunto foi pontual e complexo. A OHL era a empresa encarregada de arrematar o trem de alta velocidade entre Madri e Barcelona. É uma chegada complexa porque afeta não só o serviço de trem como toda o subúrbio de ambas as cidades. Isso está encaminhado e em via de solução. Não sou defensor da empresa, mas não tem nada acenado com isso. De qualquer forma, a OHL não é uma estreante. No leilão, por exemplo, houve cálculos baseados no volume de compra de automóveis pelos brasileiros. Foi um investimento de longo prazo, houve uma projeção. Isso não é amadorismo.

DINHEIRO ? Pouco antes do leilão, o presidente Lula foi recebido por empresários espanhóis em Madri. O que eles acharam do encontro?
CONDE ? O governo foi apresentar o PAC e as vantagens comparativas na área de biocombustíveis. Os empresários adoraram e tiveram uma enorme acolhida. O presidente Lula tem um respaldo rotundo da classe empresarial. Assim como a ministra Dilma Rousseff, que, por sua experiência na área energética, teve influência direta nos investimentos que foram feitos nos últimos anos.

DINHEIRO ? Falando na ministra, Dilma já disse que, se dependesse dela, muitos outros investimentos espanhóis teriam se concretizado. Quais os setores que ainda oferecem atrativos?
CONDE ? Uma área onde o futuro é enorme é o setor turístico. Estou falando essencialmente do Nordeste, mas não só da região. Vem aí a segunda onda de investimentos espanhóis, e já começou, no setor turístico. Vocês têm um clima maravilhoso, sem catástrofes como no Caribe, praias fantásticas. Já há muito investimento espanhol, mas estamos no início. O Brasil recebe cinco milhões de turistas ao ano. Na Espanha, são 40 milhões. Cerca de 12% do PIB espanhol vem do turismo. O litoral norte da Bahia tem uma presença grande de resorts espanhóis. O cálculo mais conservador estima que a primeira fase de investimentos chegará a US$ 5 bilhões. É dinheiro de grupos como Meliá, Iberostar.

DINHEIRO ? Em relação ao PAC, o que a Espanha pode oferecer?
CONDE ? Na área de portos o governo pode contar com a nossa presença. Nas ferrovias também. No ano de 2010, a Espanha será o país com maior extensão de linhas de trem de alta velocidade, mais até que o Japão. Temos uma experiência nesse campo que pode ser utilizada no mercado brasileiro. No Rodoanel pode haver interesse também.

DINHEIRO ? Quais os problemas internos que ainda impedem um aumento no volume de investimentos?
CONDE ? Acho que você deve estar falando do custo Brasil. Essa não é uma reclamação só dos empresários espanhóis. Felizmente há uma conscientização da classe política e empresarial brasileira. O governo afirma que uma das prioridades é melhorar o setor produtivo. Mas a área tributária é o maior problema. Não podemos ter um país desenvolvido sem um sistema tributário justo. Não eficiente, mas justo. Onde não há evasão fiscal e não só os menos favorecidos pagam. Isso é um anseio coletivo do empresariado. E eu estou convencido de que, quando todos estão envolvidos nesse aprimoramento, sempre há formas de melhoria.

DINHEIRO ? Esse foi um problema que a Espanha também enfrentou, não?
CONDE ?
É verdade. Morei no Brasil entre 1978 e 1982. As diferenças entre os dois países eram bem menores do que hoje. Mas a Espanha começou uma política de ajuste rigoroso na área econômica. E com conseqüências sociais. Tínhamos uma referência para entrar na União Européia, que incluía acabar com os subsídios e empresas não rentáveis. Era um pacto entre governo, sindicatos e empresas para fazer os ajustes necessários. Foi uma mecânica complexa. Isso se fez com um custo grande porque foi traumático, mas saneou a economia. O Brasil tem de fazer uma reestruturação da infra-estrutura. Por isso o PAC é tão importante. Temos de liberar o Estado, sim, de pagar o custo de rodovias, como nas concessões, porque o papel dele é garantir saúde, educação…

DINHEIRO ? Isso explica a invasão de empresas espanholas interessadas no PAC?
CONDE ? O termo invasão é contestável. Temos uma presença. Na área de infraestrutura temos um interesse enorme. Se o instrumento é a concessão, então ela é positiva. Isso traz recursos financeiros necessários ao Estados e lhe permite investir melhor na área social. Como os recursos são limitados, a infra- estrutura tem de ser liberada sim.

DINHEIRO ? O bate-boca protagonizado pelo rei Juan Carlos e o presidente Hugo Chávez mostra que a Venezuela é um ponto de instabilidade na América do Sul?
CONDE ? A Venezuela não preocupa a Espanha. Temos boas relações com eles. O objetivo do governo espanhol é limitálo ao que foi. Circunstancial. Aquele era um local onde as pessoas se conheciam, onde se perde um pouco a pompa verificada em outras ocasiões. O objetivo da cúpula era bem maior e não pareceu. Precisamos de coesão social na região. E pela primeira vez temos governos e programas voltados para essa questão. Esse ponto foi mostrado como o maior ponto da reunião. Para nós não foi.

DINHEIRO ? Mas não preocupa ao governo espanhol a corrida armamentista que Chávez tem promovido?
CONDE ? Não. Acho que a Espanha não está preocupada com as intenções de um governo pontual, que tem o direito de ter a estrutura que quiser. Falar de uma corrida armamentista é uma premissa maior. Passei boa parte da minha vida nesse continente. Vivi em El Salvador durante a construção do processo de paz. Digo isso porque tem a ver com o assunto. Estou convencido de que falar numa corrida armamentista não é o caso. Todos os governos da região foram eleitos de forma direta, pelo povo. E a preocupação de todos eles é a coesão social e os 200 milhões de sul-americanos que estão abaixo da linha da pobreza.