14/12/2011 - 21:00
O outono em Seul é marcado por temperaturas abaixo dos 5 ºC e uma incômoda garoa que, no final da tarde, obriga os já apressados moradores da capital da Coreia do Sul a apertar ainda mais o passo. Neste ano, no entanto, os dias têm sido cada vez mais brilhantes, animando muitas pessoas a arriscar um passeio fortuito pelas margens do revitalizado rio Han. O rio corta ao meio o bairro Kamnam, distrito financeiro e comercial da cidade e onde está situada a sede da Hyundai Motor Company, uma potência que faturou US$ 34,9 bilhões em 2010. A fachada do imponente prédio, coberta de aço escovado e vidro, chama a atenção pelo estilo futurista. No saguão, estão alguns modelos que ajudaram a transformar a montadora em uma das maiores empresas do setor. Junto com sua parceira Kia, da qual detém uma fatia de 33,7%, ela se tornou o conglomerado automotivo que mais vendeu carros no mundo. Foram 4,3 milhões de unidades no acumulado janeiro-outubro, segundo a consultoria britânica Jato Dynamics. Agora, a direção mundial da Hyundai está voltando os olhos para o Brasil. Para isso, começa a dar os retoques finais em uma estratégia que começou a ser desenhada em 2007 e foi batizada de Projeto HB.
Aposta alta: meta de Kim, presidente da Hyundai Brasil, é vender 150 mil carros no primeiro ano
As principais vertentes desse plano são o desenvolvimento de uma família de veículos especificamente para os consumidores brasileiros e a instalação de uma fábrica em Piracicaba, município localizado a 150 quilômetros da capital São Paulo. No total, serão investidos perto de US$ 1 bilhão, dos quais aproximadamente US$ 350 milhões apenas no desenvolvimento do carro. Trata-se de um movimento que segue na contramão do que vem sendo feito pelas demais montadoras que apostam cada vez mais em carros globais. Esse é o caso de dois ícones do automobilismo americano, como a GM e a Ford. Esta última, por exemplo, anunciou, na terça-feira 6, investimento de R$ 800 milhões para preparar a fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, para produzir um veículo global. A insistência coreana em adotar uma estratégia diferenciada confundiu os analistas do setor automotivo. Alguns chegam a garantir, inclusive, que o HB – o nome oficial do veículo só será anunciado em meados de 2012 – é uma releitura do compacto i20, comercializado apenas na versão hatch na Europa.
Mas, afinal, por que projetar um carro a partir da estaca zero, incluindo motor e câmbio, para vendê-lo somente em um mercado? “O Brasil tem um potencial enorme de crescimento e possui particularidades que justificam apostarmos em uma plataforma específica para o País”, disse à DINHEIRO Young-Hyun Song, diretor da Hyundai encarregado de comandar o projeto HB. Tal qual um mantra, o discurso foi repetido por todos os dirigentes com os quais a reportagem da DINHEIRO conversou durante o périplo de três dias pelas instalações da montadora. Apesar disso, é inegável que as semelhanças são muitas. O mesmo caminho foi percorrido pela montadora na Índia, onde nasceu o subcompacto Eon, comercializado apenas naquele país. O HB, que tinha grandes chances de ser batizado de Samba, caso esse nome já não tivesse sido registrado por outra empresa, tem muita coisa do i20. Especialmente o visual arrojado e o design esportivo, itens cobiçados por um grande número de consumidores da faixa etária entre 25 anos e 35 anos.
Apesar das negativas da Hyundai, o carro criado especialmente para o Brasil
se assemelha ao i20, compacto global da marca
E isso fica evidente em um dos protótipos em exposição no Centro de Design da Hyundai, em Namyang, e no exemplar pilotado por DINHEIRO na pista de provas do complexo. Apesar de o HB só chegar às ruas e estradas do Brasil em novembro de 2012, cerca de 95% do projeto já foi concluído. “Faltam apenas ajustes no tipo de acabamento interno, além da definição dos opcionais que serão incluídos em cada versão”, afirma Song. Desde que foi designado para essa missão, em 2007, Song se cercou de um alentado time de especialistas que reúne mais de mil profissionais (ele não revela o número exato) entre engenheiros, designers e marqueteiros. Boa parte deles vem cumprindo rotinas diárias acima da média da companhia, o que ajuda a dimensionar o tamanho da aposta que a direção mundial da Hyundai faz no Brasil, em geral, e no projeto, em particular. A meta é alcançar uma fatia de 10% do mercado. O que significa brigar diretamente pela quarta posição, posto ocupado há quase duas décadas pela Ford.
Ambição semelhante já foi acalentada por outra novata, a francesa Renault, que mal ultrapassou o patamar de 6% até agora. Os coreanos dizem que, com eles, a história será diferente. Primeiro, porque a fábrica de Piracicaba nasce com capacidade para produzir e vender 150 mil carros já no primeiro ano. “Não temos um plano B”, disse à DINHEIRO Seong Bae Kim, presidente da Hyundai Motor Brasil. “Fui contratado para cumprir essa meta e é isso que será feito.” Graduado em engenharia mecânica, Kim, um experiente executivo de 56 anos, passou por diversos departamentos desde 1981, quando ingressou na companhia. Até então, seu posto mais destacado havia sido, em 2005, o comando da joint-venture na área de caminhões que a Hyundai possui na China. Saiu de lá em agosto de 2008 para chefiar a divisão de tecnologia de produção do projeto HB. Em novembro de 2010, ele desembarcou no Brasil para liderar um grupo composto por 45 expatriados e outros 330 brasileiros. Se tudo der certo, os competidores têm motivos para ficar atentos. No acumulado janeiro-novembro, a marca, por meio do grupo Caoa, distribuidor dos veículos no País, comercializou 104 mil automóveis e utilitários, atingindo a sexta posição, atrás de Fiat, Volkswagen, General Motors, Ford e Renault.
Caso a unidade de Piracicaba já estivesse operando dentro da meta dos coreanos, a marca poderia alcançar um volume global de 241,6 mil unidades, ou 7,5% do setor. Para conquistar o coração e o bolso dos brasileiros, a Hyundai não tem poupado esforços nem recursos. Uma parte importante foi gasta na realização de dezenas de pesquisas de campo e na análise pormenorizada de todos os possíveis concorrentes do HB. São modelos hatch e sedãs pequenos e médios, vendidos entre R$ 23 mil e R$ 55 mil. Para Fernando Trujillo, analista da americana IHS Consultoria, especializada no mercado automotivo, o momento não poderia ser mais propício. “Os coreanos usaram a parceria com a Caoa para mostrar aos brasileiros a qualidade de seus carros”, afirma. “Com a imagem consolidada, fica mais fácil pensar em expansão.” Assim como a Hyundai, a chinesa JAC Motors, comandada no Brasil pelo grupo SHC, do empresário Sérgio Habib, também acredita que o mercado brasileiro justifica a aposta em um modelo específico.
Após o sucesso dos veículos da marca por aqui, Habib anunciou a instalação de uma fábrica no Polo Industrial de Camaçari, na Bahia. “O carro global tem um pouco de todos os países e no final não atende bem nenhum deles”, afirma o empresário. Usando sua experiência de 25 anos no varejo de veículos, ele contratou um grupo de especialistas para criar o JAC nacional. “Três dos carros mais vendidos do mercado, o Gol, o Uno e o Celta, foram desenvolvidos aqui.” O JAC 3, modelo comercializado atualmente por Habib, já conta com 240 itens diferentes em relação à versão chinesa. O DNA brasileiro, lembra André Beer, diretor da André Beer Consult, também pode funcionar como um importante argumento de venda. “O brasileiro gosta de novidade, especialmente quando o produto atende aos seus anseios”, diz Beer, que já foi vice-presidente da subsidiária da GM.
Para compensar a menor familiaridade com o mercado local, em relação às concorrentes, a direção da Hyundai vem investindo fortemente em pesquisas. Mesmo antes de produzir o protótipo inicial do HB, em resina, a empresa tratou de conhecer as preferências do consumidor. A primeira surpresa foi descobrir que os brasileiros não dispensam acessórios como travas e vidros elétricos, mesmo em veículos de baixo preço. O ar-condicionado também foi classificado como importante por um número grande de entrevistados. Outra exigência é a disponibilidade de dispositivos antifurto. Os estudos mostraram, ainda, que o brasileiro não gosta de riscos ou de pequenas amassadas no veículo. Por esse motivo, entre os itens que deverão compor o pacote de equipamentos, que serão vendidos como opcionais, está o sensor que auxilia o motorista nas manobras de estacionamento. Com ele é possível evitar as batidas que danificam a traseira, principalmente de veículos hatches.
Nos últimos quatro anos, cerca de 70 engenheiros desembarcaram por aqui. Eles dirigiram carros da concorrência, como VW Gol, Fiat Palio e Novo Ford Fiesta, e compraram alguns exemplares que foram levados para o centro de Pesquisa e Desenvolvimento na Coreia do Sul, onde tiveram peças e componentes desmontados e esmiuçados. Todos os protótipos já feitos do HB rodaram pelo Brasil, percorrendo, apenas em 2010, um total de 100 mil quilômetros em condições extremas. Alguns deles, protegidos por camuflagem, foram vistos pelas ruas de São Paulo, recentemente. “Queremos fazer um carro confortável, econômico e durável mesmo em condições adversas como as das ruas e estradas brasileiras”, afirma Song. Mais: diversos especialistas brasileiros, entre designers, engenheiros e acadêmicos, foram convidados para dar consultoria no Centro de Design da montadora. Os estudos ajudaram a definir também a família de veículos que será composta das versões hatch, sedã e cross, este último semelhante ao VW Fox Cross e ao Fiat Palio Adventure. Os integrantes da família HB serão equipados com motor flex nas versões 1.0 e 1.6. O trabalho também tem sido intenso na área industrial.
Ao mesmo tempo em que gerencia a construção da fábrica, Kim, o presidente da operação brasileira, se esforça para se enquadrar na cultura local. Ele adotou o nome Samuel e faz questão de dizer que gosta de pamonha, uma iguaria muito apreciada pelos paulistanos de Piracicaba. Sob sua batuta, as obras da fábrica avançam em um ritmo frenético, desde fevereiro, quando foi lançada a pedra fundamental. Os galpões e a subestação de energia já foram concluídos. Em sua sala, no escritório provisório no centro da cidade, um mapa dita o ritmo da implantação da unidade. A partir de novembro de 2012, os dois mil funcionários da unidade atuarão em dois turnos, fabricando 30 veículos por hora. Tudo que for produzido terá de ser vendido. Erros não constam em seu cronograma, muito menos no da matriz. “Os carros brasileiros são eficientes, mas muito simples”, diz o confiante Kim-Samuel. “A Hyundai cresceu no mundo porque sempre ofereceu veículos mais completos ao consumidor.”
Colaborou Rafael Freire
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Entrevista com o Young-Hyun Song, diretor mundial da Hyundai >
“O brasileiro gosta de carros confortáveis”
por Rosenildo Gomes FERREIRA
O coreano Young-Hyun Song, diretor mundial da Hyundai, escolhido, em 2007, pela matriz da montadora para comandar o projeto HB, revelou alguns detalhes dessa empreitada à DINHEIRO:
A Hyundai começou sua expansão global pela China e Índia. Por que demorou a chegar ao Brasil?
Tanto a China quanto a Índia possuem um contingente populacional expressivo e vêm experimentando taxas de crescimento elevadas. Por conta disso, esses países figuravam como destino prioritário em nosso plano de expansão global. Por outro lado, para atuar no Brasil, achamos que seria mais vantajoso desenvolver um novo carro, adequado às condições e ao gosto dos brasileiros.
Quantas pessoas estão envolvidas nessa empreitada?
Em geral, o desenvolvimento de um carro envolve perto de mil engenheiros. No caso do Brasil, foram escalados mais de mil técnicos, que vêm trabalhando um número de horas diárias também maior. Esse projeto começou em 2007 com a realização de três pesquisas com consumidores brasileiros, que serviram de base para desenharmos o primeiro protótipo, em resina. Desde então, temos feito novas pesquisas e clínicas com os potenciais consumidores.
Não seria mais fácil tentar adaptar um dos modelos existentes em vez de criar um carro novo?
Não. O Brasil é um mercado com um enorme potencial de crescimento e possui particularidades tão grandes que justificam um carro específico.
Quais são os modelos que o sr. considera como os principais concorrentes do HB?
O Gol, da Volkswagen, e o Palio, da Fiat, são competidores naturais. No entanto, temos empenhado um montante expressivo de recursos materiais, financeiros e humanos para desenhar um veículo que preencha as necessidades dos brasileiros. A começar pelo design, que é visto como mais dinâmico e estiloso, conforme ficou evidente em nossas pesquisas. Também estamos trabalhando fortemente para que o HB tenha um baixo consumo de combustível e seja resistente o bastante para as condições das estradas do País. Os brasileiros gostam de carros confortáveis, duráveis e com preço competitivo.
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Um carro integrado à casa
por Douglas MENDONÇA, de Tóquio
A conectividade é uma preocupação antiga dos fabricantes de automóveis. Tanto que há tempos eles já integram recursos de GPS e de celulares em seus veículos. Agora, é a vez de os carros passarem o limite das garagens e estacionarem, figurativamente, é claro, dentro da sua casa, perto do sofá, do equipamento de vídeo ou até mesmo da banheira. Não se trata de ficção científica. Na 42a edição da Tóquio Motor Show, feira de automóvel japonesa, que aconteceu no começo de novembro na capital japonesa, as principais montadoras locais – como Honda, Nissan e Mitsubishi – mostraram que esse conceito já é realidade.
Na tomada: veículos japoneses, como o Fit elétrico, da Honda, já dispõem de acessórios
que garantem sua conectividade à residência do dono
Na cidade de Motegi, localizada a duas horas de Tóquio, a Honda demonstrou sua visão do que é o carro do futuro. Em um Fit elétrico, que deverá ser lançado no Japão e brevemente nos Estados Unidos, o motorista usa um celular para preparar remotamente o seu banho de banheira e ligar o ar-condicionado. Poucos minutos depois, estaciona o carro e, do teto da garagem, pega um cabo elétrico para recarregar as baterias e conectar o veículo ao sistema da residência.
Dentro de casa, a temperatura da água da banheira já está com o nível de água morna pedida. Tudo com o mínimo desperdício de energia e de forma absolutamente autônoma com relação ao fornecimento de fontes externas. Se o carro for híbrido, no caso de alguma pane energética, o sistema pode ser abastecido com energia oriunda do motor de combustão do próprio veículo que poderia operar em condição emergencial.
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Do Brasil para o mundo
por Rafael FREIRE
O Brasil caminha para se tornar o terceiro mercado automotivo do mundo, ultrapassando a Alemanha e o Japão, atrás apenas de China e Estados Unidos. Por conta disso, algumas montadoras resolveram apostar também no País como um centro de desenvolvimento de veículos globais. Na terça-feira 6, a direção da subsidiária da americana Ford anunciou investimentos de R$ 800 milhões em sua fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, a mais antiga do grupo no Brasil. Os recursos serão usados para a produção do primeiro carro mundial da marca desenvolvido inteiramente no Brasil. “A meta é que até 2015 nossa linha seja inteira de modelos globais”, diz Marcos de Oliveira, presidente da Ford Brasil e Mercosul.
Oliveira, presidente da Ford: ele dispõe de R$ 800 milhões para criar um modelo global
Mais: a subsidiária também conseguiu o “sinal verde” para transformar a nova versão de seu EcoSport, o utilitário-esportivo mais vendido do Brasil, em um modelo global. “O projeto já levará em conta as especificidades de todos os mercados nos quais o veículo será vendido”, afirma A Ford não está sozinha. A filial da italiana Fiat, que dispõe de um orçamento de R$ 11 bilhões para aplicar até 2015, acaba de colocar no mercado a nova versão do Palio, produzida em Betim (MG). Apenas o design foi concebido na Itália. Todo o restante, incluindo motor e câmbio, tem o DNA mineiro. “Trata-se de um carro com alma brasileira com forma e corpo global”, afirma Claudio DeMaria, diretor de engenharia da Fiat do Brasil. Outra que conseguiu se impor diante da matriz foi a General Motors do Brasil.
Desde 2005, sua fábrica de São Caetano do Sul, também no ABC, conta com um Centro Tecnológico, que responde diretamente para Detroit. Além dele, apenas três outros centros, nos EUA, na Alemanha e na Coreia do Sul, têm autonomia para construir um veículo por completo. “Todos os carros globais da GM contam com um toque brasileiro”, diz Pedro Manuchakian, vice-presidente de engenharia da GM América Latina. Outra missão do departamento é cuidar do desenvolvimento da linha de picapes médias da GM. O fruto mais recente desse trabalho é a Colorado, que já está sendo vendida na Tailândia.
Enviado especial a Seul