Não se desespere. A situação descrita no título e subtítulo deste artigo reflete o mercado americano. Com inflação resiliente, mercado de trabalho aquecido e banco central independente, o recado é claro. Juro vai subir até a recessão bater à porta — segurar o emprego, derrubar preços e somente então o Federal Funds Rate dará refresco. Coisa para 2024. Se na cartilha de Jerome Powell é assim, por que na nossa cartilha tem de ser diferente? É hora de juro cair? Há argumentos para os dois lados. Temos semelhanças: nossos preços continuam resilientes, em especial o que pega na hora de comer e se locomover, e nosso desemprego recuou fortemente. Mas temos diferenças: em especial nosso crescimento. E temos um terceiro ingrediente (decisivo) que é uma suposta semelhança: a capacidade de endividamento. Os Estados Unidos podem (porque se endividam em dólar), nós não podemos (nos endividamos em reais que são voláteis justamente pelo dólar). E mesmo por lá eles têm algo que não temos por aqui. A preocupação em diminuir o endividamento. Joe Biden deve trazer um pacotaço tributário para derrubar o rombo nas contas públicas. E olha que eles podem se endividar.

Todo esse imbróglio tem data marcada: quarta-feira, dia 22. Por aqui, o Comitê de Política Monetária (Copom) vai divulgar a Selic e no mesmo dia nos Estados Unidos o Fomc (o equivalente ao Copom do Fed) vai divulgar o Federal Funds Rate. Por lá, Jerome Powell vai justificar ­­— o que, aliás, ele já anda fazendo desde janeiro e vida que segue. Aqui, se o juro não ceder (independentemente de existir condições para isso) Roberto Campos Neto vai ser mais insultado que decisão de VAR.

Por esse motivo vale reforçar como funciona o Copom. Criado em junho de 1996, à semelhança do Federal Open Market Committee (Fomc), surgiu antes de seus pares na Inglaterra (1998) e do BC Europeu (1999). Suas oito reuniões anuais (a cada 45 dias, mais ou menos) se dividem em dois blocos. No primeiro, participam o presidente do BC e os oito diretores da instituição. Além deles, se juntam os chefes dos seis departamentos. Funcionários ocasionais também podem ser convocados. No primeiro dia das sessões, os seis chefes de departamento apresentam uma análise técnica de conjuntura sobre inflação, atividade econômica, sinalização de curva do PIB, evolução dos agregados monetários, finanças públicas, balanço de pagamentos, situação macroeconômica internacional, câmbio, reservas, mercado monetário, mercado aberto. Depois disso, no segundo dia, o presidente e os oito diretores decidem por maioria simples de votos sobre a Selic. Fica onde está. Sobe. Cai.

O resultado desta deliberação ocorre no mesmo dia, depois do fechamento dos mercados: às 18h. Seis dias depois, as atas das reuniões são tornadas públicas. Com os votos abertos de cada um. Já as atas técnicas (dos departamentos) são divulgadas de quatro a oito anos depois. Além disso, ao final de cada trimestre (março, junho, setembro e dezembro), o Copom publica o Relatório de Inflação. Segundo o BC, “as decisões são tomadas visando com que a inflação medida pelo IPCA situe-se em linha com a meta definida pelo CMN”. Simples assim. Demonizar apenas Roberto Campos Neto é maldade ou ignorância ou má-fé.

Para efeito de comparação recente, o range do Federal Funds Rate há um ano (março de 2022) era de 0,25% a 0,50%, hoje está entre 4,50% e 4,75%. Pegando pelo teto (0,50% contra 4,75%), multiplicou-se 9,5 vezes. Pegando pela base (0,25% contra 4,50%), multiplicou-se por 18. Aqui, no mesmo intervalo de tempo, o BC elevou o juro básico de 11,75% para 13,75%, menos de 1,2 vez mais. E lá Powell já disse que ‘dane-se o que o mercado ou políticos esperam’, ele vai ‘domar a inflação’. Em inglês elegante, na verdade ele afirmou, depois da reunião do Fomc de janeiro: “Dada a nossa perspectiva, não vejo cortes nas taxas este ano.” Por lá, o juro deve escalar para os 5,50%.

Por fim (1), mas não menos importante, inflação se controla com credibilidade, estabilidade e previsibilidade. E esse trinômio tem como DNA a expectativa de gastos e receitas. Pode chamar de ‘Teto Fiscal’. Ou de ‘Gorro de Lula III’. Ou ‘Vai-Haddad’. Dane-se. Desde que algo similar exista. Por fim (2): nada destrói mais o pobre e gera desigualdade do que inflação elevada ou fora de controle. O BC sabe disso. Boa parte deste governo, não.

Edson Rossi é redator-chefe da DINHEIRO.