O grupo português Mota-Engil venceu o leilão do edital para construção do túnel Santos-Guarujá, um projeto com valor total estimado em R$ 6,8 bilhões, divididos entre governo federal, governo estadual paulista e a iniciativa privada. A disputa foi contra o grupo espanhol Acciona.

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O leilão foi realizado na tarde desta sexta-feira, 5, na B3, e contou com a participação do vice-presidente da república e ministro da Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho e o governador do estado de São Paulo, Tarcisio Freitas.

O critério de julgamento do leilão foi o maior percentual de desconto sobre o valor máximo a ser pago pelo governo na PPP (parceria Público-Privada) do projeto, fixado em R$ 438,3 milhões ao ano. O grupo português ofereceu 0,5% de desconto, enquanto a proposta do grupo espanhol foi de 0%.

A Mota-Engil agora será a responsável pela construção, operação e manutenção do túnel por um período de 30 anos. O edital de concessão do túnel estabelece base de R$ 6,15 para o pedágio na ida e na volta.

O mega-projeto faz parte do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, e tem investimentos tanto do governo federal como do governo de São Paulo, além da participação privada.

Ibéricos na disputa

O grupo português Mota-Engil é uma multinacional que atua em 21 países distribuídos pela Europa, África e América Latina. Atua em áreas de infraestrutura como engenharia de construção, industrial e energia, mas também tem subsidiárias em mineração, imobiliárias, mobilidade e gestão de ativos.

No Brasil, a empresa atua com maior foco na área de infraestrutura, com projetos de ferrovias, rodovias, portos, aeroportos, óleo e gás e mineração por meio da Empresa Construtora Brasil (ECB).

É também responsável, entre outros negócios, pela gestão e manutenção de um trecho de 265,8 km da BR-386, no Rio Grande do Sul, e pelos serviços de coleta de lixo em Brasília. Assinou recentemente um contrato com a Petrobras para execução de serviços dos sistemas submarinos de plataformas offshore.

A espanhola Acciona está presente em 65 países e também tem forte atuação na área de infraestrutura. É mais conhecida atualmente por ser a responsável pela construção da linha-6 laranja do metrô de São Paulo e sua gestão quando estiver operando.

A empresa iniciou seus negócios no Brasil há quase 30 anos, quando foi responsável pelo projeto do Terminal 2 do Porto do Açu, em São João da Barra (RJ). Também responde pela restauração e reforma da antiga estação ferroviária Júlio Prestes na Sala São Paulo. Ainda no Brasil, na área de saneamento de esgoto de cidades em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco.

Além do metrô em São Paulo, também fez o projeto de construção do metrô em Fortaleza (CE). E ainda foi responsável pelas reformas, em São Paulo, do complexo Estúdio Vera Cruz Filmes, da estação da Luz e do edifício Martiniano de Carvalho, atual sede da Telefônica.

A Acciona ainda teve a concessão da chamada Rodovia do Aço, tendo operado por 10 anos a Rodovia Lúcio Meira (BR-393), em um trecho de 200 quilômetros de extensão, que passa por sete municípios da região sul do estado do Rio de Janeiro.

União política

Para além da grandiosidade da obra, prevista para ser entregue em 2031, ela também simboliza a junção de polos opostos da política nacional, envolvendo o governo federal, representado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e estadual paulista, de Tarcísio de Freitas. No lançamento do edital, Lula destacou que a parceria com o governo paulista é “histórica”.

Dos R$ 6,8 bilhões estimados para a obra, até R$ 5,14 bilhões serão aportados pela esfera pública, divididos igualmente entre o governo de São Paulo e o governo federal. O restante será coberto pela iniciativa privada.

Estima-se que cerca de 80 mil pessoas utilizem diariamente a ligação, hoje limitada às balsas e catraias.

Santos é a 14ª cidade mais populosa de São Paulo, conforme o Censo Demográfico de 2022, e a 13ª colocada em arrecadação de Imposto Sobre Serviços do país. A atividade econômica gera uma forte migração sazonal das demais cidades da Baixada Santista, o que inclui o Guarujá, quarto município mais populoso da região, para lá.

Atualmente, esse fluxo ocorre por meio de balsas que transportam mais de 21 mil veículos que cruzam diariamente as duas margens utilizando barcos de pequeno porte (catraias) e as balsas, além de 7,7 mil ciclistas e 7,6 mil pedestres. A alternativa por terra é um trajeto de 43 quilômetros pela rodovia Cônego Domênico Rangoni, a SP-055.

Com o túnel, o tempo gasto na travessia deve cair para cerca de dois minutos. Hoje, turistas e moradores dos dois municípios levam entre 8 e 60 minutos.

A obra também deve impulsionar o Porto de Santos.

A obra

O túnel ficará a 21 metros de profundidade para não atrapalhar a circulação de navios que passam pelo local chegando e partido do Porto de Santos, o maior porto da América Latina.

Serão três pistas para a passagem de automóveis, motocicletas, caminhões e uma via de quatro metros de largura para a travessia de bicicletas e pedestres, e uma via para um Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), além de uma galeria de serviços.

A obra será montada sobre uma estrutura pré-moldada e isolada da água por uma camada de areia e rochas. Também terá. O túnel terá uma extensão de 1,5 quilômetros, sendo 870 deles imersos sob o estuário.

O projeto do túnel tem uma história centenária.

A primeira proposta para ligar Guarujá e Santos foi do engenheiro Enéas Marini, em 1927, e consistia em um túnel submerso de 900 metros de extensão e 20 metros de profundidade. O autor se comprometeu a bancar a construção, mas pediu a concessão do túnel por ao menos três décadas, em contrapartida, segundo o jornal A Tribuna, o que dificultou o avanço da proposta.

Nas décadas seguintes, propostas de pontes para a travessia foram discutidas, mas nenhuma foi adiante. Em 2010, a ideia foi retomada por um projeto apresentado do então governador José Serra (PSDB) de uma ponte com 4,6 quilômetros de extensão, que custaria cerca de R$ 700 milhões.

Engenheiros ouvidos pela imprensa na ocasião avaliaram que esse projeto traria um problema de limitação de altura para a circulação de navios cargueiros no estaleiro, um problema em especial na medida em que esses modelos crescem ano após ano — na prática, os navios correriam o risco de bater na base da ponte.

Em 2013, o então governador tucano Geraldo Alckmin abandonou a ideia de seu antecessor e retomou a proposta de um túnel submerso, orçado em R$ 1,89 bilhão. O projeto não se viabilizou financeiramente.

Em 2020, a Ecovias, concessionária que administra o sistema Anchieta-Imigrantes, responsável pela ligação rodoviária entre a capital paulista e a Baixada Santista, propôs novamente a construção de uma ponte orçada em R$ 2,9 bilhões, em troca de 30 anos da extensão da concessão da rodovia que já administra.

A iniciativa teve o apoio do governador João Doria (então no PSDB), mas representantes do setor portuário sustentaram novamente que haveria riscos para a circulação de navios no Porto de Santos. Cinco anos mais tarde, o anúncio do edital concretiza as demandas centenárias da região.