A venda dos agonistas do GLP-1 (grupo que abrange fármacos como o Ozempic, Wegovy e Mounjaro) cresceu 15,5% após o anúncio da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de que será necessário retenção de receitas na compra dos medicamentos a partir do dia 23 de junho. Os dados são de um levantamento exclusivo feito pela empresa de dados Close Up International a pedido da IstoÉ Dinheiro.

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Os agonistas do GLP-1 (ou agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon) são uma classe de medicamentos usados no tratamento do diabetes tipo 2 e, em alguns casos, para perda de peso. O levantamento considera a venda média diária de unidades de seis substâncias do tipo: semaglutida, liraglutida, dulaglutida, exenatida, tirzepatida e lixisenatida.

No dia 16 de abril, a Anvisa anunciou que a compra destas substâncias exigirá retenção de receita a partir de 23 de junho. O procedimento adiciona uma camada de dificuldade na compra de fármacos atualmente acessíveis com facilidade em qualquer drogaria.

O crescimento de 15,5% compara a média diária das vendas entre 17/4/2025 e 5/6/2025 com a média registrada nos 90 dias anteriores ao anúncio (16/01/2025 a 16/04/2025). Em comparação ao mesmo período em 2024, o crescimento foi ainda maior, de 39,1%. A base de dados utilizada registros de 98% das vendas farmacêuticas no país.

“Realmente é um mercado que cresceu muito depois dessa dessa anúncio de obrigatoriedade de receita”, explica o líder de Market Insights da Close Up International, Felipe Campos, responsável pelo levantamento. “Vamos ver como ele se comporta depois do início da obrigatoriedade”, complementa.

Uso sem acompanhamento motivou regra da Anvisa

Campos afirma que há grande probabilidade das vendas recuarem substancialmente quando a obrigatoriedade de retenção das receitas médicas estiver vigente, no dia 23 de junho. O uso dos medicamentos sem acompanhamento médico foi o motivo apontado pela Anvisa para a adoção do novo regulamento.

“O uso excessivo e irracional de medicamentos relacionados ao controle do apetite ou à sensação de saciedade constitui um problema de saúde pública”, afirmou um dos diretores da Anvisa, Daniel Pereira. “A utilização desses fármacos, sem a devida orientação médica, pode resultar em sérios efeitos adversos, destacando a importância de um acompanhamento profissional.”

A publicação da nova norma, no entanto, determina uma janela de tempo para que as empresas e pacientes adaptem-se a nova realidade. Neste período, a venda dos medicamentos cresceu, em uma aparente corrida de quem deseja utilizar a medicação sem passar por um médico.

Redes farmacêuticas estão aproveitando o momento para estimular ainda mais as vendas. Anúncios da rede Drogarias São Paulo chegam a mencionar o início da retenção de receitas. Em resposta a pedido da IstoÉ Dinheiro, a empresa afirmou que não ira comentar as propagandas.

Anúncios enviados por SMS e WhatsApp mencionam o início da retenção de receitas

Para além da determinação da Anvisa, a chegada do Mounjaro ao país no final de março também impulsionou o mercado. O remédio apresenta efeitos mais intensos do que os agonistas do GLP-1 até então disponíveis no Brasil.

Em paralelo a chegada desde novo concorrente, a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic e do Wegovy, anunciou uma redução nos preços de seus medicamentos. A empresa nega relação com a chegada do Mounjaro. “A medida visa combater o uso crescente de produtos irregulares, manipulados ou falsificados, que representam riscos à saúde”, afirmou seu vice-presidente de marketing cardiometabólico, Sandy Lourenço.

A redução de preços e a chegada da concorrência também foram notificadas pelas redes farmacêuticas aos seus clientes, como ilustra as seguintes imagens de propagandas enviadas pela Drogasil. A empresa tampouco quis comentar.

Arquivo pessoalE-mails sobre a redução de preço do Ozempic (Crédito:Arquivo pessoal)

Profissionais de saúde celebram decisão

A medida da Anvisa que está movimentando o mercado farmacêutico encontrou grande receptividade entre médicos, que recebiam em seus consultórios pessoas usuárias das substâncias sem o devido acompanhamento.

A endocrinologista Alessandra Rascovski afirma que ouviu inúmeros relatos de pacientes que chegaram ao seu consultório com problemas decorridos do uso irregular, que vão de ineficácia dos medicamentos a quadros severos no sistema digestivo.

“Muita gente usa com finalidade estética e de modo irregular, como se vai viajar nas férias, porque quer emagrecer um pouco, compra e usa a medicação”, diz Rascovski. “Muitas vezes a pessoa vai prender o intestino demais, ou vai desenvolver uma hemorroida, ou outros quadros que vão levar a meses de desconforto”, alerta.

“Como se trata de um medicamento com impactos metabólicos importantes e com algumas contraindicações, ele se tornaram um problema de saúde”, complementa o farmacêutico Jauri Siqueira, head Comercial e de Soluções da Interplayers Saúde.

“Essa nova exigência deve provocar uma redução inicial no uso por automedicação ou por motivações meramente estéticas”, afirma o conselheiro federal e coordenador da Câmara Técnica de Endocrinologia e Metabologia do CFM, Bruno Leandro de Souza. “Por outro lado, entre diabéticos e pessoas com obesidade clinicamente acompanhadas, o uso tende a permanecer estável ou até aumentar, pois a nova norma não restringe a prescrição.”

Ozempic, Wegovy, Mounjaro

Os agonistas do GLP-1 (ou agonistas do receptor do peptídeo-1 semelhante ao glucagon) são uma classe de medicamentos usados no tratamento do diabetes tipo 2 e, em alguns casos, para perda de peso. Eles imitam a ação de um hormônio natural, o GLP-1, reduzindo a glicose no sangue e aumentando a sensação de saciedade.

Remédio do tipo mais popular entre os brasileiros, o Ozempic, assim como o Wegovy, é fabricado pela dinamarquesa Novo Nordisk. Ambos são a mesma substância: a semaglutida. Sua comercialização foi aprovada pela Anvisa em 2018 e iniciada em 2019. Nos últimos três anos, no entanto, sua popularidade cresceu associada ao uso para perda de peso estética.

Já o Mounjaro, da estadunidense Eli Lilly, chegou ao país apenas neste ano. Tem como base a tirzepatida, substância que diferente da semaglutida imita a ação de dois hormônios intestinais: o GLP-1 e o GIP (peptídeo inibidor gástrico). Assim, pesquisas apontam um efeito mais intenso do que nos outros medicamentos.