09/03/2005 - 7:00
“O Palocci quer criar poupança de longo prazo e isso passa pelos seguros”
DINHEIRO ? Por que a Sul-América parou de vender novos planos de saúde?
HÉLIO NOVAES ? A definição cabe em uma palavra: incerteza. Eu teria de saber como vão ser as correções do prêmio e como o mercado vai se comportar para continuar vendendo. E isso não está claro.
DINHEIRO ? A base de clientes dos planos privados está até regredindo. Isso não é muito negativo para o País?
NOVAES ? Esse mercado tem alguns segmentos: o das cooperativas, o das medicinas de grupo, o de autogestão, feito pelas empresas, e as seguradoras. Nós temos 6 milhões dos 32 milhões de clientes do sistema. Para o meu negócio ser viável, eu teria de reajustar os planos de acordo com os meus custos com os médicos. Se eu tivesse essa garantia, estaria vendendo normalmente.
DINHEIRO ? A Agência Nacional de Saúde vem brecando os reajustes?
NOVAES ? Nos últimos dez anos, a diferença entre a necessidade e o número real foi muito grande. Abriu uma defasagem próxima a 100%.
DINHEIRO ? O sr. defende a livre pactuação de preços entre o cliente e a seguradora?
NOVAES ? A mentalidade é que existe um desequilíbrio na relação entre a seguradora, que é grande, e o cliente, que é um só. É justo, portanto, que o governo regule esse setor. Mas não permitir que eu continue prestando um serviço que um cliente gostaria de ter ? pagando por ele ? também é muito injusto.
DINHEIRO ? O que deveria ser feito?
NOVAES ? Medir, de forma científica, a real variação dos custos médicos e transferir isso para o cliente. Outra coisa importante: hoje qualquer pessoa, em tese, poderia ter um plano privado, desde que houvesse flexibilidade. O que a lei 9.656 fez? Estipulou que todos os planos de saúde têm que cobrir tudo. É como alguém dizer que uma concessionária de carros só pode vender automóveis Omega, Mercedes e BMW, por exemplo. Mas será que todos os clientes querem isso? Ou melhor: será que todos podem pagar por isso? Uma medida dessas encarece o custo médio dos planos, exclui os clientes e reduz o mercado.
DINHEIRO ? O cliente não deveria definir se quer ou não ter coberturas para partos, Aids, transplantes etc.?
NOVAES ? Antes era assim e isso barateava os planos. Eu defendo a livre escolha, com transparência nos contratos. As restrições não podem aparecer naquelas letrinhas miúdas. O cliente tem que saber o que levou para casa. Mas antes tinha também outra coisa esquisita. O sujeito não tinha uma cobertura, era ciente disso, mas procurava o Poder Judiciário. O que fazia o juiz? Mandava a seguradora atender. E ainda dizem que nós, das empresas de saúde, somos as piores pessoas do mundo. Explicar plano de saúde é explicar para o peru o espírito natalino.
DINHEIRO ? A decisão de parar de vender planos individuais é irreversível?
NOVAES ? Nós somos uma companhia de seguros. Queremos vender. Mas, por enquanto, não dá. É inviável.
DINHEIRO ? O mercado segurador no Brasil saltou de 1% para 3% do PIB em dez anos, mas ainda está bem abaixo da média de países que chegam a 8% ou 10%. O que falta para alavancar o setor?
NOVAES ? Em muitos desses países, a participação no PIB é muito grande porque, além da consciência da população em relação ao valor de se ter um seguro, a previdência privada cresceu muito. No Brasil, se o INSS fosse considerado uma seguradora, chegaríamos a 5% do PIB. Além disso, nos outros países, os seguros de vida são vinculados a sistemas de poupança. É um seguro de vida que se recebe em vida, com vantagens fiscais. No Brasil, o seguro de vida ainda é risco, pago depois da morte.
DINHEIRO ? No Brasil, existe o VGBL, que oferece ganhos tributários.
NOVAES ? Essa foi a novidade importante. Com pouco tempo de vida, o VGBL já é quase a maior carteira do mercado de seguros no Brasil, com um volume da ordem de R$ 10 bilhões, próximo ao de automóveis ? a carteira de saúde, por exemplo, é de R$ 7 bilhões.
DINHEIRO ? O sr. defende a criação de outros produtos com incentivos?
NOVAES ? Um seguro de vida com benefícios fiscais faria esse mercado crescer muito. Não se esqueça de que o VGBL é um produto de previdência. O ministro Antônio Palocci quer poupança de longo prazo e isso passa pelo mercado de seguros. Além disso, há muito espaço para produtos populares.
DINHEIRO ? Como seriam esses produtos?
NOVAES ? A Susep quer estimular esse segmento. Hoje, 65% dos carros novos tirados nas revendas fazem seguro. Quando se chega ao sétimo ano, o proprietário abandona o mercado. A idéia do governo é buscar produtos que atinjam essa população. Hoje, 25% da frota brasileira é segurada.
DINHEIRO ? É pouco assim?
NOVAES ? Eu gostaria que fosse 100%. Em outros países, o seguro é obrigatório, não só o de danos pessoais, que é o DPVAT, como também o de danos materiais. O que ajudou a desenvolver o mercado de automóveis no Brasil foi o perfil do cliente. Antes, se pagava a mesma coisa em qualquer lugar do País, independentemente de quem fosse o motorista. Hoje, a definição de um preço depende muito mais do cliente, e da forma como ele cuida do veículo, do que do carro em si. É o critério do preço justo. Isso estimulou o mercado de automóveis e deveria chegar ao de saúde, com definições de perfis do tipo fumante ou não fumante, atleta ou sedentário, e assim por diante.
DINHEIRO ? Outros setores teriam produtos populares?
NOVAES ? Já existe o seguro de vida popular, que é um seguro de tíquete médio baixo, na faixa de quatro ou cinco reais por mês. A cobertura é pequena, mas para quem ganha um salário mínimo e tem um capital segurado de R$ 40 mil, não é tão pouco assim.
DINHEIRO ? Que modelo o sr. defende na área previdenciária?
NOVAES ? Algo como se fez no Chile, estimulando um regime de capitalização e de contas individuais. O Brasil vem enfrentando esse problema, mas em doses muito homeopáticas.
DINHEIRO ? O governo teve um rombo de R$ 32 bilhões no INSS, projetado para crescer muito mais no futuro. Há solução?
NOVAES ? A base de trabalhadores por aposentado reduziu-se drasticamente e a população envelheceu. O governo terá de fazer outras reformas, não para ajustar os rombos, mas para recriar a previdência. Todo mundo que entrar no sistema terá que ter contribuições definidas, e não um benefício definido. No passado, houve muitos desvios e privilégios. Na nova reforma, haverá um custo político, que o governo terá de enfrentar. O Chile fez. Mas aqui nem precisa privatizar. Deixa o governo competir com as seguradoras privadas. Se o cliente achar que o governo é melhor, tudo bem.
DINHEIRO ? No Chile, alega-se que há problemas com o excesso de competição, que estaria afetando a solvência de algumas seguradoras.
NOVAES ? De fato, lá o governo criou mecanismos que favoreceram muito o consumidor. Um deles é a portabilidade a qualquer momento. O sujeito pode retirar seus recursos de uma administradora se não estiver satisfeito e muitas empresas fazem promoções para fisgar clientes dos rivais. Isso dificulta a fidelização, mas é um problema que pode ser ajustado estipulando-se uma carência maior para as retiradas.
DINHEIRO ? Na competição da previdência complementar no Brasil, a Sul-América perde por não ser um banco com uma rede de agências?
NOVAES ? Temos vantagens e desvantagens. Não temos a nossa rede de agências bancárias, mas os nossos produtos são vendidos em 32 bancos. Somos a segunda seguradora do mercado. Portanto, nunca fez falta. E hoje temos até uma área de gestão de recursos, com R$ 5,5 bilhões em ativos. Dá para chegar a R$ 10 bilhões em três anos.
DINHEIRO ? Mas o Bradesco se distanciou na liderança por causa do VGBL?
NOVAES ? Para os bancos, o produto é uma aplicação financeira. Muitos recursos que estavam na caderneta de poupança ou no CDB migraram para o VGBL.
DINHEIRO ? Houve um momento em que várias seguradoras estrangeiras, como Nationwide e MetLife, vieram para o Brasil e muitas estão voltando. O que deu errado?
NOVAES ? O grande interesse delas, ao que me parece, era participar do mercado de previdência. Não conheço nenhuma que tenha vindo para atuar em seguros de automóveis, incêndios etc. Elas vieram atrás da perspectiva de privatização de previdência, que não se realizou.
DINHEIRO ? Por que os outros setores não despertaram interesse?
NOVAES ? É muito caro e leva tempo montar uma estrutura para um mercado como o de automóveis, num país continental, em que o sujeito compra o carro num lugar e bate a mil quilômetros de distância. Hoje, o nível de serviço é muito alto. Se o reboque demorar mais de meia hora, o cliente já fica impaciente. Hoje, em média, o tempo de espera no País é de vinte minutos. Não é qualquer empresa estrangeira que chega e presta um serviço desse tipo.
DINHEIRO ? A comissão dos corretores no Brasil não é muito alta?
NOVAES ? Discordo. Ela está dentro dos padrões internacionais. Num seguro de automóvel, por exemplo, ele ganha menos de 15%. O corretor é o agente da competição. Ele oferece ao cliente o melhor plano. É um representante do segurado, e não do segurador.
DINHEIRO ? Como o sr. avalia a perspectiva de privatização do Instituto de Resseguros do Brasil?
NOVAES ? O mercado brasileiro é superior a R$ 30 bilhões e os prêmios do IRB são da ordem de R$ 1 bilhão. Portanto, em termos de volume, a privatização não é tão importante. Ela torna-se relevante, porém, porque passa um sinal de modernidade ao mercado. Hoje, só o Brasil e mais uns dois países têm o monopólio no mercado de resseguros. Isso não faz mais sentido no mundo de hoje.