Às portas do verão, as grandes cervejarias preparam-se para mais uma temporada de concorrência acirrada. Faça chuva ou faça sol, o brasileiro aproveita a estação mais quente do ano para celebrar aquela cervejinha gelada, símbolo de prazer integrado às experiências sociais. A diversidade das preferências, contudo, despontou em anos recentes, com um vasto leque de variedades disponíveis no mercado brasileiro.

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Uma das tendências é a busca do consumidor por produtos de maior qualidade, agrupados sob a denominação premium. A outra é o apelo da vida saudável e da boa forma que alavancou o segmento das controversas cervejas sem álcool. À parte das peculiaridades mercadológicas, o momento é de desafio a médio e longo prazos para as gigantes que lideram o mercado.

A Ambev, divisão brasileira da belgo-americana AB Inbev, lidera o mercado brasileiro, com 63% em volume, e um forte trunfo da capilaridade logística e portfólio de produtos diversificado, seguida pela holandesa Heineken, que detém 21,3%.

Apesar da distância aparentemente confortável da brasileira, os holandeses estão mostrando os dentes e mostram uma forte disposição para a briga – eles acabam de inaugurar uma fábrica em Minas Gerais que virá a ser uma das maiores do mundo quando estiver operando na sua capacidade máxima da planta fabril.

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A unidade, localizada no sul do estado, tem seu foco justamente na estratégia de ampliar a distribuição e a fabricação de marcas de maior valor agregado. Em terceiro lugar, mas distante dos líderes, com 11% do volume no país, está o grupo brasileiro Petrópolis, dono de Itaipava e Crystal.

Enorme, com 15 bilhões de litros anuais e geração de receita de R$ 340 bilhões na ponta do varejo – restaurantes, bares, supermercados –, o mercado está totalmente consolidado e tem crescido pouco, com apenas 1% de expansão em volume no ano passado.

A estratégia da Heineken ao investir em sua nova unidade é não só ganhar musculatura para enfrentar a líder do mercado ao aumentar a produção de seu mix premium, mas, também, consolidar-se num eixo de localização onde está o maior consumo de cerveja no Brasil, reorganizando com isso sua malha de distribuição.

“Num mercado de volume parado, a única forma de crescer de verdade é elevar o perfil do mix de produtos e roubar ‘share’ da concorrência. Assim, ter capacidade extra nos segmentos premium e puro malte vira munição importante para disputar esse espaço”, explica George Sales, professor na Fipecafi.

Neste momento do ano, às vésperas do verão e das festas natalinas, com seus picos de vendas, é justamente quando as empresas se valem ao máximo de seus produtos já testados em menor escala ao longo do ano, do redesenho em distribuição e do lançamento de campanhas sazonais (ou embalagens especiais).

Para a temporada 2025/2026 especificamente, especialistas não observam nenhuma “grande ruptura” estratégica. O ponto de atenção é o reflexo em médio e longo prazos da paulatina transformação de comportamento do brasileiro.

“Vemos, para este verão, a prevalência de duas frentes: fortalecimento dos produtos premium e expansão das opções zero álcool, que devem ganhar ainda mais espaço nos próximos meses”, diz Lucas Pinto, consultor de pesquisa sênior na Euromonitor Internacional.

As mudanças no hábito do consumidor são impulsionadas por uma série de fatores. O segmento premium segue como uma prioridade absoluta para as empresas líderes do setor.

No ano passado, cresceu 4% em volume, e segue em expansão porque o consumidor brasileiro está mais exigente e, portanto, busca experiências de maior qualidade, mesmo reduzindo a frequência de consumo – seja por atenção à saúde ou economia para o bolso. Uma pesquisa de fevereiro deste ano da Voice of the Consumer: Health and Nutrition Survey 2025, feita pela Euromonitor, mostrou que, em 2025, 53% dos entrevistados globalmente e 56% dos brasileiros dizem estar tentando diminuir ou parar de beber.

A “premiumização” da cerveja, nesse sentido, é vista como uma forma de justificar o investimento em um produto “sofisticado” num cenário de maior seletividade para as escolhas, e num mercado ultra disputado por fabricantes. Vale pontuar: premium é sobre posicionamento e preço, diz Sales, mesmo que muitas das cervejas neste segmento não necessariamente sejam puro malte – que considera a receita, ou seja, é o tipo de cerveja em que não são adicionados outros cereais, como milho e arroz, produtos que são utilizados em quantidade limitada e chancelada pela legislação brasileira, como meio de baratear o custo de produção da cerveja.

A definição sobre o que é cerveja premium (e a liderança no segmento) já gerou divergências entre as duas gigantes do mercado.

Na esteira da alta do custo de vida, que impacta produtos, há o movimento de moderação do consumo de alcoólicos gerado pela busca de bem-estar. A participação em eventos sociais sem necessariamente incluir o consumo de álcool é uma tendência crescente sobretudo na geração Z.

Quem nunca leu sobre as festas agora regadas a café? É um grupo social que busca prazer em outras opções, como as sem álcool ou com baixo teor alcoólico, bebidas prontas para beber, as funcionais (cervejas enriquecidas com vitamina D, por exemplo) e versões sem glúten.

Dados da empresa de pesquisa MindMiners evidenciam que cerca de 45% dos nascidos entre 1997 e 2012 consomem bebida alcoólica, um volume até vinte pontos percentuais menor que o observado em gerações anteriores. O combo do bem-estar inclui o desejo de sentir-se mais saudável: melhorar o sono, evitar riscos à saúde a longo prazo e, também, economizar.

Traduzindo a fotografia em números de avanço de mercado, o segmento das alternativas com zero álcool avançou quase seis vezes entre 2019 e 2024, para 702 milhões de litros comercializados no ano passado no Brasil.

Só entre 2023 e 2024, a alta foi de 18%. Mesmo que o volume vendido seja bem menor que o observado no mercado total de cervejas, os dados evidenciam uma tendência não só brasileira, já que o consumo local desse tipo de produto ficou atrás apenas da Alemanha. Para 2025, a projeção de vendas chega a 786 milhões de litros no mercado brasileiro, de acordo com um levantamento da Euromonitor entregue à IstoÉ Dinheiro. A categoria deve crescer 9% ao ano até 2029, diz o pesquisador da Euromonitor, com potencial para superar 1 bilhão de litros anuais de consumo.

A mudança de comportamento pode afetar os resultados das companhias em médio e longo prazos, especialmente se a tendência de moderação se consolidar. “Por isso, as líderes do setor já estão se adaptando”, disse Lucas Pinto, da Euromonitor.

“Essas ações mostram que as empresas não veem a tendência como ameaça, mas como oportunidade de conquistar novos públicos e fidelizar consumidores em diferentes ocasiões de consumo”, continua.

As apostas das gigantes em produtos premium e sem álcool, os dois principais campos de batalha, não se excluem. Vale acrescentar que, enquanto as vendas nesses segmentos cresceram no ano passado, nas categorias mid (intermediária) e economy (econômica), de preços mais baixos, recuaram entre 0,5% e 0,7%.

Estratégias de Ambev e Heineken para a disputa

Neste ano, a Ambev (uma gigante que passou como uma motoniveladora sobre concorrentes internacionais fortes como a mexicana FEMSA e a japonesa Kirin ao longo das duas últimas décadas) retomou a liderança no segmento premium depois de dez anos, com crescimento de 15% no terceiro trimestre (e quase 50% de participação do segmento), puxado por marcas como Corona, Stella Artois, Original e Spaten, comenta Sales, da Fipecafi.

Já a Heineken disputa com um portfólio que reúne além da marca que leva o próprio nome, Amstel, Eisenbahn e Sol entre os destaques. “A Heineken foi a puro malte mais vendida em 2024”, ressalta Sales.

A liderança no mercado de cervejas é sustentada pela subsidiária da AB Inbev por uma costura entre capilaridade e diversidade de marcas. A rede de distribuição da empresa é praticamente imbatível. Não à toa, a Heineken deu um novo passo, em outubro, em uma disputa entre as duas companhias no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) devido a contratos de exclusividade que a Ambev tem com bares e restaurantes.

A Heineken alega que isso prejudica a concorrência, e o Cade chegou a determinar restrições e estabeleceu acordo com a Ambev em 2023, mas a Heineken entrou com uma nova representação. O argumento para isso agora é que a concorrente ainda monopoliza pontos de vendas. Além do retrato, a Ambev investe muito em canais digitais. Detentora da plataforma Zé Delivery, ampliou ainda mais o alcance aliando conveniência.

“Capilaridade é um dos maiores trunfos da Ambev, resultado de uma rede de distribuição extremamente eficiente e presente em praticamente todo o território nacional. Esse alcance logístico é muito difícil de ser replicado, especialmente em um país com as dimensões e desafios do Brasil”, diz Sales, da Fipecafi.

“Mas a liderança não se sustenta apenas na distribuição. O portfólio é extremamente amplo”.

Desse modo, enquanto a disputa estratégica por distribuição segue, sobra o investimento em produtos. Na Ambev, que obteve receita líquida de R$ 21 bilhões no terceiro trimestre do ano, marcas como Skol, Brahma e Antarctica dominam o segmento mainstream, ou de maior público, enquanto Original, Stella Artois e Corona fortalecem a presença no premium. Essa diversidade possibilita à gigante responder rapidamente às mudanças do mercado e às oscilações econômicas, mantendo relevância tanto em volume quanto em valor.

Heienken lidera vendas de cerveja zero álcool

No ramo das sem álcool, as apostas da gigante estão focadas em pelo menos três marcas: Corona, Brahma e Budweiser. A maior companhia do mercado afirmou à Dinheiro que a categoria de cerveja sem álcool cresceu 20% em vendas no terceiro trimestre de 2025.

“Os resultados refletem os esforços e investimentos nos últimos anos para tornar a produção mais tecnológica e inovadora. Hoje, a cerveja zero álcool, por exemplo, se aproxima muito mais da versão regular do que há 10 anos. Nosso portfólio e novas ocasiões de consumo mostram que a cerveja é a bebida mais versátil para moderar sem abrir mão do sabor e da diversão”, disse Gustavo Castro, diretor de estratégia e insights da Ambev.

Apesar de não revelar seus números de produção e de vendas no Brasil, a Heineken afirma que lidera o mercado de cerveja zero álcool no país. Lançada em 2020, a Heineken 0.0 é a que tem maior penetração nos lares e a mais vendida em bares, de acordo com estudo da Nielsen IQ.

“O processo de produção é o mesmo da versão tradicional, com o álcool sendo retirado na última etapa. Por isso o sabor é semelhante ao da regular”, conta Bruna Rosato, gerente de marketing de Heineken 0.0 no Brasil.

O grupo holandês também aposta na Sol sem álcool. Para o avanço, a nova fábrica na cidade de Passos (MG) é crucial. Fruto de um investimento de R$ 2,5 bilhões, produzirá inicialmente 500 milhões de litros a cada ano.

A unidade, com potencial para tornar-se a maior fábrica da marca no Brasil, recebeu o pontapé neste mês já com a expectativa de expansão. Em alguns anos poderá produzir 1,5 bilhão de litros, e então integrar o rol das cinco maiores fábricas nos países onde a marca atua. A unidade foca em marcas como Heineken e Amstel, o coração do portfólio premium.

Além do investimento para impulsionar um dos segmentos estrela em vendas, a localização é estratégica para a briga no campo da distribuição. Ao sul de Minas, fica “colada” ao principal eixo de consumo – São Paulo, Rio, Belo Horizonte – o que reduz gastos com frete. Além disso, cai o risco de ruptura de entregas em bares e supermercados.

“Ao deslocar parte da produção de Araraquara (SP) e Ponta Grossa (PR) para Passos, a Heineken consegue reorganizar a malha e ficar mais ágil em outras regiões”, finaliza o especialista da Fipecafi. Com as armas desembainhadas e a temperatura aumentando, o cenário para a batalha do verão já está montado.

Com reportagem de Bruno Pavan e Eduardo Vargas