Histórias de embargos, disputas e parcerias embalam a maior feira de arte do mundo ">Histórias de embargos, disputas e parcerias embalam a maior feira de arte do mundo ">

Todo mês de junho, o centro do mundo da arte se desloca para a Basileia, na Suíça. Desde que surgiu em 1970 como alternativa à feira de Colônia, na Alemanha, a Art Basel foi uma alavanca para os booms do mercado de arte contemporânea nos anos 1980 e final dos 1990, e é hoje a mais prestigiosa feira de arte mundo. Sua influência global se consolida em três feiras anuais que acontecem em Basel, Miami Beach (posição estratégica para o encontro das Américas) e Hong Kong (a porta de entrada do Oriente).

Objeto de desejo máximo entre galeristas, a feira recebeu para a 44ª edição, que aconteceu entre 14 e 22 de junho, inscrições de cerca de mil galerias de todo o mundo. Só 258 foram admitidas, quatro delas brasileiras: A Gentil Carioca, Luisa Strina, Fortes Vilaça e Raquel Arnaud, estreante em Basel.

Ser admitido na Art Basel é passar pelo crivo do mais rigoroso comitê de seleção do mercado de arte mundial (cujos critérios estão entre os segredos mais bem-guardados do mercado). Para o publico, é a certeza de ver o que há de melhor: dentro e fora do monumental pavilhão desenhado pela dupla de arquitetos Herzog & De Meuron.

Seus expositores não deixam a menor dúvida sobre isso e não dão ponto sem nó. Fazem questão de mostrar que o que acontece nos dez mil metros quadrados da Art Basel é um eco do que acontece nas mais tradicionais e importantes instituições da cidade.

Neste junho, enquanto a Fondation Beyeler mostrava retrospectiva de Gerhard Richter, o stand da Marian Goodman Gallery vendia pinturas da mesma fase do artista alemão. Enquanto o Museum für Gegenwartskunst (Museu de Arte Contemporânea) apresentava a fascinante exposição “Le Corbeau et le Renard: Revolt of Language with Marcel Broodthaers” e o Kunstmuseum apresentava “Kazimir Malevich: the World as Objectlessness”, dentro do pavilhão, o stand da mesma galeria também vendia desenhos do artista belga e do suprematista russo.

Já a Fortes Vilaça apostou em Erika Verzutti, artista brasileira que vem ganhando atenção do sistema de arte suíço, é representada pela Galerie Peter Kilchmann, de Zurique, e atualmente está em exposição no Museum Langmatt Baden, fundação que coloca em diálogo uma coleção particular de mestres do impressionismo e do modernismo com obras de arte contemporânea.

Esse tipo de relação simbiótica entre mercado e instituições museológicas cria elos produtivos e frutíferos. Mas às vezes pode acabar por conferir às feiras um protagonismo perigoso. É no mínimo questionável que a Art Basel seja descrita como “o museu do século 21”, como acontece no editorial da revista Du, distribuída para a clientela VIP da feira junto com o livro comemorativo dos 44 anos da feira.

Seria mais realista afirmar que as feiras de arte, em seu caráter efêmero e seu sex-appeal, hoje superam os museus em audiência e repercussão na mídia. Mas mercado é mercado e museu é museu, dado que suas funções e timings não são associáveis. Um lida com a adrenalina da venda e da disputa pelos melhores lances (no caso do leilão) e oportunidades (no caso da feira) e o outro é um ambiente que favorece a acumulação de conhecimento, a pesquisa de longo prazo, os processos de produção histórica.

Cientes de sua particularidade, as feiras estão apostando alto nas atrações de curto prazo. Este ano, a grande sensação da Messeplatz (Praça das Exposições) foi a exposição “14 Rooms”, com curadoria de Hans Ulrich Obrist, diretor da Serpentine Gallery de Londres e sensação máxima da curadoria internacional, e Klaus Biesenbach, diretor do MoMA PS1, de Nova York.

O projeto durou uma semana e colocou em 14 quartos 14 projetos de performance de artistas estelares da cena internacional. Entre eles, a brasileira Laura Lima, a francesa Dominique Gonzalez-Foerster e o inglês Tino Sehgal, com a peça “This is a Competition” (Isto é uma Competição), uma astuta encenação do ambiente mercantil da arte contemporânea. Rose Lord e Jan Mot, diretores de duas galerias que representam a obra de Sehgal, foram convidados a performar para o público da feira uma disputa sobre a sua obra.

Mas nem só de disputas vive o mercado e a Galeria Luisa Strina protagonizou uma incrível história de parceria. Ao ter as 55 obras que exibiria em Basel embargadas pela Receita Federal, uma semana antes de embarcar (o que ocorreu sem justificativas plausíveis, já que toda documentação teria sido corretamente encaminhada às autoridades), a galerista teve de lançar mão de suas boas relações internacionais.

Com obras emprestadas de galerias europeias e norte-americanas que representam os mesmos artistas – como o trabalho de Alexandre da Cunha, emprestado da galeria Thomas Dane, de Londres –, Luisa Strina compôs um dos melhores estandes da feira deste ano. Isso segundo o site Artnet News que, já no dia de abertura VIP, publicou sua lista das 25 melhores galerias. Strina está em 20º lugar, na frente de poderosas como a berlinense Neugerriemschneider (habitué da SP-Arte), a chinesa Long March Space, a parisiense Kamel Mennour, e a multinacional Perrotin.

Como aponta o site, Strina “decolou com as cores brasileiras nos trabalhos de Fernanda Gomes, Alexandre da Cunha, Lygia Pape e Renata Lucas”. O que passou batido à observação da imprensa internacional é que o verde/amarelo – em voga em escala mundial, graças à Copa do Mundo – ganhou no estande de Strina uma tonalidade mais dramática.

No chão, a escultura de Marcius Galan remetia a todas as bandeiras levantadas e derrubadas nos últimos 12 meses de manifestações de ruas no Brasil de norte, sul, leste e oeste. Mas a obra que adquiriu a conotação mais crítica e contundente no stand de Strina foi de Beto Shwafaty, composta por uma bandeira do Brasil interrompida por uma faixa preta. 

Shwafaty, que viveu vários anos em Berlim e agora volta a trabalhar no Brasil, vem realizando um trabalho muito interessante, em que problematiza as imagens e estereótipos do Brasil em relação ao estrangeiro, articulando elementos de propaganda e autocrítica.

No contexto do embargo internacional que impediu a viagem a Basel de obras de alguns dos mais conceituados artistas brasileiros, como Cildo Meireles e Anna Maria Maiolino, os trabalhos de Galan e Shwafaty levantam as bandeiras de uma realidade incontornável: a necessidade de um diálogo mais franco e aberto entre as instituições (governo) e o mercado no Brasil.

* Paula Alzugaray viajou para Basileia, Zurique e Lucerna em um programa de visitas curatoriais, a convite do Secretariado Pro Helvetia, o Conselho de Arte da Suíça