O documentário Olhar Estrangeiro, de 2006, dirigido pela cineasta carioca Lucia Murat, mostra como os gringos veem o Brasil. Para eles, trata-se basicamente de um lugar de belezas naturais e mulatas liberais, onde a vida corre fácil. Essa imagem paradisíaca está gravada nas cabeças de muitos turistas que desembarcam por aqui, e se encarregam de espalhá-la quando voltam para casa. Mas não é a única: para um grupo especial, formado por gente com dinheiro para investir, a despeito das instabilidades econômicas, o País deve ser visto como um manancial de oportunidades, muitas delas invisíveis para os próprios brasileiros.

Eles viram, vieram e, por enquanto, estão vencendo. Para aproveitar essas oportunidades, eles possuem três características em comum: persistência, planejamento de longo prazo e a realização de estudos aprofundados do mercado em que vão atuar. DINHEIRO conversou com alguns deles e reproduz seus conselhos. Nascido em Marselha, o francês Laurent Benhamou visitou o Rio de Janeiro em 2011, em férias, e voltou no ano seguinte para matar a saudade das praias cariocas e conhecer outras cidades, como São Paulo, quando decidiu que aqui é o lugar ideal para criar os dois filhos e aplicar suas economias.

Em 2013, ele fechou sua confecção na França, embolsou cerca de R$ 1 milhão e abriu uma loja de roupas na região da rua Oscar Freire, passarela de descolados de São Paulo. “O Brasil me conquistou por sua beleza, mas, ao observar o comportamento dos turistas brasileiros na França, vi o quanto eles se interessavam por novidades, principalmente francesas”, diz ele. O primeiro empreendimento de Benhamou fracassou devido à alta do dólar e ao aluguel salgado, o que o obrigou a pôr em prática seu plano B. “Estou reinvestindo cerca de R$ 1 milhão, na abertura de uma loja de comida rápida francesa que começa a funcionar no primeiro semestre”, diz.

Sua lição para investir aqui é ter sempre uma alternativa à mão. “O fato de ter amigos na comunidade israelita paulista também não atrapalhou”, diz ele, em português ainda com sotaque. Diferentemente de Benhamou, o americano Daniel Hatkoff veio ao Brasil a trabalho em 2010. Analista do fundo de private equity Warburg Pincus, que possui mais de US$ 35 bilhões em ativos, ele veio ao Brasil em busca de oportunidades. Sua pesquisa deu dois frutos. Um deles foi a compra, pelo Warburg, de parte do controle da confecção Dudalina, em dezembro de 2013.

Outro, em 2011, foi o pedido de demissão do próprio Hatkoff, que se surpreendeu com a abundância de oportunidades inexploradas e resolveu ficar por aqui. “No início, cheguei a morar na região Centro-Oeste, mas foi em São Paulo que encontrei um local promissor para minha empresa.” Em 2012, Hatkoff investiu US$ 150 mil na Pitzi, startup de manutenção de celulares. Os contatos com a indústria de private equity também ajudaram: em abril de 2013, ele recebeu um aporte dos fundos americanos Flybridge Capital Partners, Thrive Capital, Initial Capital e Kaszek Ventures.

“A situação econômica do Brasil está difícil, mas estou convencido de que aqui os negócios acontecem no médio e no longo prazo, por isso eu fiquei”, diz ele. Para Hatkoff, além de paciência e perseverança, a segunda lição para o investidor é estudar o máximo possível os mercados a serem explorados. Ele dedicou dois anos de muita pesquisa ao assunto. A motivação do economista italiano Alberto Tartaglia, 28 anos, foi diferente. Ele foi apresentado ao Brasil por uma namorada baiana, que conheceu em sua terra natal, a cidade de Marostica, na província de Vicenza, e, após algumas visitas, decidiu mudar-se para cá.

“Na Itália, os jovens não são ouvidos nas grandes empresas, mas aqui os executivos conversam comigo de igual para igual.” O namoro não foi adiante, mas a paixão pelo País permanece. Com um amigo, Tartaglia criou a The Solace Group, que busca investidores italianos interessados no Brasil, além de atuar na reestruturação de empresas. Uma das iniciativas é a rede de sorveterias Cuordicrema, que recebe consultoria financeira de Tartaglia. Seu conselho ao investidor é saber encontrar o parceiro certo. “Meu sócio atuava no País há mais tempo que eu e isso fez toda a diferença”, diz ele. O número de forasteiros, vindos de todas as partes do mundo, vem crescendo nos últimos anos.

Uma pesquisa do Observatório das Migrações Internacionais, realizada em parceria com o Ministério do Trabalho, mostra um crescimento de 50,9% no contingente estrangeiro trabalhando com carteira assinada no Brasil nos últimos três anos. Entre os europeus destacam-se espanhóis, franceses, italianos e portugueses. 
O advogado Renê Ramos, da consultoria Emdoc, especializada em imigração, explica que muitos profissionais vêm ao Brasil transferidos por suas empresas, gostam do País acabam ficando e buscam formas alternativas para investir. Há duas reclamações comuns desse novo tipo de imigrante: o tempo e os gastos com burocracia e a escassez de dinheiro, que começa com a dificuldade de abrir uma conta no Brasil.

De olho neles, o banco britânico HSBC criou uma área específica para atender estrageiros recém-chegados ao Brasil. Segundo Augusto Miranda, diretor de gestão de patrimônio do HSBC, a maioria dos seus clientes (23%) vem da França, seguida por americanos (13%) e argentinos (10%), além de outras 20 nacionalidades. “Temos uma estrutura para receber o cliente e atendê-lo em seu idioma, praticamente iniciando a vida financeira dele no Brasil”, diz. Depois de um período de adaptação, o investidor passa por um processo de “abrasileiramento” e se torna um cliente convencional. Nessa hora, diz Miranda, eles começam a investir no mercado financeiro.

“Dos nossos clientes estrangeiros, 40% investem em fundos, 40% em CDB e LCI e o restante em renda variável e previdência.” Outra instituição que tem levado a sério essa clientela é o espanhol Santander. A instituição criou em 2014 o programa de missões comerciais que visa atrair mais investidores ao Brasil. De acordo com Paulo Duailibi, superintendente executivo do San­tander, no próximo ano estão agendadas 15 missões com investidores da Argentina, Ale­manha, Inglaterra, Espanha, do Chile e dos Estados Unidos. “O fato de eu dar suporte a esses clientes no Brasil contribui para que eles sejam clientes tradicionais no futuro.”