Por VanDyck Silveira

Caro leitor, é com grande pesar e sensação de consternação que escrevo esta coluna. Noto que as pessoas, principalmente os líderes de nações e seus conselheiros mais próximos, não estudam e se recusam a reconhecer fatos, e estes não são opcionais. Leio as notícias diariamente e vejo o presidente da República esbravejando e tentando intimidar o presidente do Banco Central por este estar apenas fazendo o seu trabalho de buscar a meta de inflação, e por se recusar a assumir a posição de vassalo de uma política econômica irresponsável, com a qual já flertamos recentemente, e sabemos que além de não funcionar nos leva na direção do caos. A política praticada na periferia do mundo se esconde por trás da ignorância dos que recusam a aprender, por diletantismo, e que mantêm alianças com um passado glorioso imaginário que nunca houve.

Nas minhas últimas quatro colunas revisei, alertei, sintetizei e discuti as gravidades do risco fiscal que o Brasil enfrenta. Esse risco real é um senso comum entre economistas sérios e pessoas atentas ao périplo das contas públicas, e apesar das expectativas e demandas do mercado por uma ação por parte do governo atual, nada, além de um plano de ajuste fiscal que depende mais dos desígnios dos ventos externos que sopram sobre os mercados de commodities, e de aumento de arrecadação via alta de impostos, está sendo pretendido. Não se fala em corte de gastos ou de redução de renúncia fiscal!

Por essa razão, nesta semana mudei diametricamente a minha fala para focar no outro lado da mesma moeda, a política monetária.

A política monetária é a irmã gêmea da política fiscal, e ela faz um contrapeso no Brasil de hoje que lembra as manobras de um velejador ao se dependurar do lado oposto do barco quando a vela está totalmente inflada e fazendo o barco pender para um lado. Para evitar que o barco naufrague, o velejador se posiciona do lodo contrário ao da vela, muitas vezes até mesmo para fora do barco, arriscando a própria vida.

Esse velejador, hoje, se chama Roberto Campo Neto!

O presidente do Banco Central, de forma acertada, técnica e objetiva levou seu time do Comitê de Política Monetária a gradualmente elevar a taxa básica de juros, a Selic, de 2% para 13.75%. Esse movimento difícil e corajoso foi responsável por trazer a inflação de dois dígitos, que atingiu mais de 12% ao longo de 2021, para o patamar atual de 5.79% medido pelo IPCA. Tudo isso, em um período pouco superior a um ano. Ainda que a inflação continue acima da meta prevista para 2023, estabelecida em 3.25%, e seu núcleo na vizinhança dos 9%, o que é muito, o trabalho do BC foi primoroso.

É importante notar que essa ação do Banco Central foi feita em um ambiente de alta inflação global em que tanto Europa como os EUA tinham e têm níveis de inflação superiores à brasileira, coisa que nos faz parar e ler a notícia novamente, porque, se levarmos em consideração o histórico hiperinflacionário do nosso país, isso soa impossível.  No entanto, estamos aí com a inflação mais controlada, e paulatinamente convergindo para a meta, porém com repiques perigosos.

Caro leitor, até aqui eu apenas relatei fatos incontroversos, mas a grande questão que paira não é o que, mas o porquê Campo Neto conseguiu essa façanha de debelar as maiores estridências do IPCA em tão pouco tempo. Para sermos intelectualmente honestos, devemos observar sem paixões os movimentos das peças no tabuleiro da política monetária. Em fevereiro de 2021, o presidente Bolsonaro sancionou a lei que concedeu independência ao Banco Central, lei que já havia tramitado na Câmara e no Senado e seguiu para decisão do presidente. Naquele momento, o IPCA marcava 12% e coincide com o processo de elevação da taxa de juros de forma ininterrupta até o patamar atual.  De março de 2021 a maio de 2022, foram 11 aumentos da taxa Selic seguidos, até atingir os 13.75% atuais, o que, consequentemente, trouxe o IPCA de 12% para 5.79% atuais.

A intervenção do Banco Central de forma decisiva tem a sua origem em uma pequena revolução institucional que ocorreu em 2021, que foi a formalização da independência do banco. Dessa forma, sem amarras políticas, com uma meta pública e objetiva de inflação e um mandato fixo de quatro anos intercalado com o mandato do presidente da república, o BC se tornou empoderado para tomar as decisões necessárias para que a inflação seja controlada e não obedeça a ciclos políticos. Isto é, para que a inflação não seja uma aliada do governo para fazer a economia crescer de forma artificial às custas da “impressão de dinheiro” e oferecer ganhos ao mandatário de turno, porém às custas de desequilíbrios dos preços na forma de inflação.

Se nos ativermos aos dados históricos, observamos que a independência do Banco Central está associada a taxas mais baixas de inflação, menores desequilíbrios fiscais como déficits primários e nominais, e um menor nível de endividamento público. Todos esses indicadores são medidas positivas de saúde econômica de um pais, além de serem marcos civilizatórios, uma vez que o governo vigente não pode mais brincar com o bem-estar da população através da tese falsa de que “um pouco mais de inflação não faria mal algum se isso representasse um maior crescimento da economia”. Nós já estivemos aí nos anos 70, 80, 90, quando perdemos o controle da inflação, e mais recentemente em 2014, quando o IPCA chegou a 14% e o Brasil embarcou na maior recessão de sua história e da qual não saímos até hoje.

Vale notar, que essa controvérsia sobre a independência do BC é típica de países subdesenvolvidos e com tendências populistas, uma vez que desde a década de 80 nenhum pais avançado questiona a superioridade institucional e de política econômica de um banco central independente. Porém, no Brasil de 2023, a independência do Banco Central se tornou um grande debate acalorado que espelha o nosso atraso institucional e intelectual.

Entre os maiores estudiosos do assunto, ninguém menos do que Finn Kydland, Edward Prescott, William Nordhause e Ben Bernanke, todos laureados com o Prêmio Nobel, além de pesos pesados da economia como Robert Barro, Keneth Rogoff, Rudi Dornbush, Guido Tbellini, Alberto Alesina, Larry Summers, Stanley Fischer, entre outros, todos constataram que países em que o banco central é independente há maior estabilidade de preços, isto é, menor inflação, e variabilidade macroeconômica.

A discussão atual sobre a Selic, em que Lula faz pressão publicamente e chegando a ser indelicado com Campos Neto, é um ato autoritário que visa intimidar o Banco Central para que este baixe a taxa de juros por voluntarismo.  Não há outra forma de qualificar a postura do presidente se não como um ato puramente político, inconsequente e imprudente. Primeiro, porque mostra claramente que Lula e o PT não aceitam as regras do jogo democrático, uma vez que a maioria do Congresso votou pela independência do BC e a Suprema Corte deu ganho de causa ao tema e, agora, por não terem o controle do BC, querem mudar na força uma instituição republicana.

Segundo, e mais grave, Lula e o PT olham a economia com olhos míopes, mirando apenas no curto prazo. O IPCA em 5.79%, está acima da banda superior da meta, e isso é agravado pelo fato do núcleo da inflação estar muito elevado, na casa do 9%. Baixar a taxa de juros agora pode causar a volta da inflação, uma vez que o País se encontra em um desarranjo fiscal com gastos muito acima do razoável. Simultaneamente, as expectativas de inflação para o ano de 2023 e os próximos seguem elevadas e vem aumentando há nove semanas consecutivas, o que significa que o mercado não acredita no cumprimento das metas de inflação na ausência de um novo arcabouço fiscal crível e exequível.

E por que o núcleo da inflação, e não todo o IPCA, preocupa e impede o Banco Central de baixar a Selic? A razão é simples, porque é no núcleo que estão itens mais voláteis e essenciaos como alimentos, bebidas, aluguel, energia, combustíveis, que são itens de primeira necessidade e impactam desproporcionalmente a vida do brasileiro médio. Para que tenhamos uma ideia sobre o peso desses itens sobre o orçamento das classes menos favorecidas, uma cesta básica hoje consome 35.1% de um salário mínimo, e o aumento do preços desses produtos por causa da inflação representa a dura escolha entre comer ou manter um teto sobre as cabeças de uma família. Isso explica, em larga proporção, o aumento da mendicância no país nos últimos quatro anos.

Questionar a independência do Banco Central e a meta de inflação, demandando aos gritos que Campos Neto reduza a taxa de juros sem que haja um movimento do governo visando o equilíbrio das contas públicas através da apresentação de um arcabouço fiscal crível com redução de gastos, se trata de mais uma viagem ao atraso.