22/02/2012 - 21:00
A ciência considera o Homo sapiens o primeiro da espécie humana, porque o cérebro do nosso antepassado de 200 mil anos era do mesmo tamanho do atual. Os estudiosos de finanças comportamentais encontram semelhanças no comportamento de ambos. Uma característica conhecida como efeito familiaridade leva o cérebro a associar o que é conhecido à segurança. Na hora de investir, isso significa preferir as aplicações conhecidas, embora menos rentáveis. “A familiaridade foi muito útil para aqueles que sobreviveram”, diz a psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira, autora do livro A cabeça do investidor. “Nossos antepassados, ao encontrarem um animal pela segunda vez, tinham certeza de que ele era inofensivo, afinal tinham sobrevivido ao primeiro encontro.”
Esse raciocínio vale para o investidor: uma aplicação conhecida como a poupança é considerada segura, mesmo que a rentabilidade não seja a melhor. O mesmo vale para o dólar, que durante anos foi uma proteção segura contra a inflação. Quando os preços se estabilizaram, uma multidão permaneceu investindo em fundos ligados à moeda americana ou comprou dólares. “Foi preciso uma década de estabilidade para que as pessoas entendessem que outras aplicações poderiam ser usadas como porto seguro”, diz Vera Rita. O melhor exemplo do efeito do medo do desconhecido no cérebro é a desconfiança em colocar dinheiro no Exterior. A familiaridade não poupa nem os especialistas.
Mesmo investidores qualificados, como gestores de fundos de pensão, justificam-se com os juros altos no Brasil para não aplicar fora do País. Quando o fazem, buscam produtos análogos aos brasileiros. “Os profissionais de investimento que colocam dinheiro no Exterior preferem ações de empresas conhecidas ou títulos do tesouro americano”, diz Guilherme Benites, sócio da consultoria financeira Aditus. Se o retorno atinge o nível esperado, os investidores tendem a repetir o feito. “Mas a cada nova intenção, novo país ou mudança na aplicação, o processo é o mesmo e você nota a retração de quem tem o dinheiro”, diz Leonardo Bortoloto, sócio da Aditus, responsável pelo atendimento de clientes de alta renda.
Guilherme Benites Sócio da Aditus Consultoria: “A familiaridade não poupa nem os especialistas”.
A armadilha da familiaridade atravessa fronteiras. Na França, apenas 4% dos investidores mandam dinheiro para fora do país, apesar de os franceses poderem fazer essas aplicações há 50 anos. No Brasil, desde 2007, é permitido às pessoas físicas aplicar 20% do seu patrimônio no Exterior. Apenas 3% o fazem. Além do temor de arriscar, os investidores têm preguiça de pensar no que consideram complicado. Segundo a planejadora financeira independente Cristiana Dias Baptista, quando tenta convencer alguém a comprar um Certificado de Depósito Financeiro (CDB) de uma instituição a que a pessoa não está acostumada, sempre ouve reclamações.
“O cliente prefere ganhar menos a ter de gerir uma nova conta”, diz ela. Para acabar com esse comodismo cerebral, Vera Rita recomenda um esforço consciente. De acordo com ela, não há treinamento que faça o cérebro trabalhar de forma diferente. “As pessoas têm de se forçar a mudar, falar com gestores e investigar mercados de outros países”, diz. Outra recomendação é encarar os investimentos com um objetivo, aposentar-se ou comprar uma casa nova. Guardar o dinheiro por guardar não permite que o cérebro seja treinado, torna o ato rotineiro e, de novo, familiar. “O ciclo é vicioso e o investidor acaba ficando nas mesmas aplicações que já conhece”, afirma Vera Rita.