19/08/2020 - 13:06
A sigla em inglês diz respeito às melhores práticas ambientais, sociais e de governança do mercado, num panorama que vincula conceitos como lucro, investimentos, responsabilidade e sustentabilidade. Neste cenário, nunca foi tão importante a cultura organizacional refletir valores uníssonos – e positivos – da instituição, na mesma medida em que nunca foi tão palpável se certificar sobre o quanto tais valores e paradigmas culturais ditam a aceitação de seus produtos e serviços no público. Os consumidores não compram mais “itens”, eles compram o espírito, a mensagem, o engajamento e a representatividade que aquela marca ou empresa carrega consigo. O que isso tem a ver com diversidade (e, consequentemente, inclusão)? Tudo.
Recentemente foi divulgado que a famosa grife feminina de acessórios e lingeries Victoria’s Secret, uma potência na indústria da moda por longos anos, declarou falência. A medida foi o resultado de um período inusitado enfrentado pela empresa, considerando-se a costumeira abundância com a qual era vista por décadas. A mensagem embutida nos desfiles opulentos, de beleza, sofisticação e perfeição tornou-se, com o sucesso estratosférico e constante da marca, uma referência a centenas de meninas, desejosas para se assemelhar ao padrão das mulheres que recheavam os materiais publicitários e os ovacionados desfiles da marca.
A estratégia de celebração daquele estereótipo encontrou, contudo, algumas barreiras no mundo que está se transformando a toque de caixa no cenário que vemos hoje. Aos olhos das novas gerações, marcadas pelo crescimento do ativismo feminino e desconstrução de velhos paradigmas e tabus, esse modelo tão estanque é inadequado. Para não dizer, no mínimo, antipático. Não condiz mais com as discussões de hoje a referência da mulher perfeita, antes marco de sucesso da empresa. Atualmente, ela amarga perda de reputação e um declínio vertiginoso em volume de vendas e participação de mercado. O endeusamento de um padrão único perdeu lugar, e os números, não apenas na indústria da moda, mas em outros mercados, mostram isso.
Há pouco a companhia de cosméticos Natura experimentou uma alta de 6,7% nas ações após toda a polêmica gerada pelo lançamento da campanha de dia dos pais, protagonizada pelo ator e influenciador digital Thammy Miranda. Enquanto a empresa se viu em meio a inúmeros ataques transfóbicos desde a menção da participação de Thammy nas campanhas publicitárias, em contrapartida ganhou outros inúmeros fãs alinhados com o seu propósito inclusivo, reflexo dos pilares de sua cultura organizacional. Somente no Instagram, a empresa chegou a ganhar mais de 20 mil seguidores em apenas um dia, bem mais que a média habitual.
A diversidade de gênero, etnia, orientação sexual, religião, idade, nacionalidade, características e habilidades físicas, língua, sotaque ou quaisquer outros aspectos que diferem um indivíduo de outro é a realidade do mundo em que vivemos. A inclusão, propulsionada por ações como essa da Natura, é uma escolha. A empresa, ao lançar a campanha do dia dos pais, demonstrou perceber a urgência dessas ações, fomentando-as como um dos pilares estratégicos na agenda de ESG, as três letrinhas que têm transformado o papel das empresas no mundo. Outras, de visões tradicionais e encapsuladas – como a grife de lingeries antes citada – perderam mercado numa velocidade crescente.
Os casos citados como exemplos de posturas acertadas – ou não – não são isolados. Nos últimos anos, dezenas de ações coletivas ajuizadas nos EUA pleiteando indenizações por discriminação racial e assédio sexual resultaram em prejuízos financeiros vertiginosos a várias empresas, enquanto movimentos como o #Me too pulverizaram temas ligados à diversidade como trending topics na sociedade.
O combate ao preconceito e à discriminação está na ordem do dia na cartilha dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável dentro da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), estabelecendo metas para reduzir a desigualdade social e alcançar a igualdade de gênero, por exemplo.
A formalização do compromisso é importante por jogar luz sobre a preocupação global, mas é preciso ir além. No contexto cultural machista, racista e heteronormativo tão enraizado na sociedade em que vivemos, precisamos ser agentes transformadores ativos dessa cultura, agindo como efetivos sponsors dessas agendas em todos os momentos de nossas vidas, não apenas na “janela” de reuniões e congressos: é sobre não encaminhar aquela piada ou meme inconveniente recebido no grupo da família ou amigos a outros contatos de whatsapp, por exemplo. São mudanças vagarosas, aparentemente pequenas, talvez até trabalhosas, por interromper impulsos automáticos arraigados. E, exatamente por isso, tão poderosas.
Na mesma linha, assimilar o tema diversidade e inclusão como bandeiras importantes nas corporações significa que o compromisso deve transcender a elaboração formal de normas internas, sendo customizadas políticas e ações afirmativas para aquele determinado ambiente, momento e contexto, analisando-se previamente a maturidade da empresa. Deve-se adotar gatilhos educacionais e buscar mecanismos para ampliar a consciência, por mais subjetivos que possam parecer os conceitos, exemplificando que comportamentos devem mudar ainda que tenham sido tolerados por muitos anos.
Esse será o verdadeiro combustível de mudanças, que, em última instância, também se traduzirá em maior aceitação de mercado, mais inovação, mais perenidade, mais solidez e mais lucro para a empresa. É um exercício de equidade, tão necessário: identificar e assumir as particularidades e vulnerabilidades, e, estudando-as, acertar nas medidas de reparação para amenizar a desigualdade estrutural e sistêmica em que estamos inseridos. Isso sim é entender, pensar e agir sobre diversidade e inclusão.
* Livia Cuiabano é consultora pleno de compliance na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, auditoria interna, investigação, proteção e privacidade de dados