16/05/2018 - 12:30
Um bairro com 32 ruas e cerca de 70 pontos de comércio, sem rede de água e esgoto nem coleta de lixo, abriga hoje 2,5 mil famílias (10 mil pessoas), em Sumaré, interior de São Paulo. Com urbanização precária, a “cidade” de cerca de 1 milhão de m² do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) se chama Vila Soma, é do tamanho de Heliópolis (na capital) e cresce ao lado do centro da cidade.
Maior ocupação urbana dos sem-teto no Estado de São Paulo, após uma invasão em junho de 2012, a área avaliada R$ 100 milhões estava destinada ao pagamento judicial de 200 credores com dívidas trabalhistas, tributárias e outros serviços da massa falida das empresas Melhoramentos Agrícolas Vifer e Soma Equipamentos Industriais, que quebraram em 1990, com falência desde 2008. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), onde há dois anos aguarda julgamento.
Depois de ter vivido a tensão de estar na mira de uma reintegração de posse – em janeiro de 2016, suspensa por decisão do ex-presidente do STF Ricardo Levandowski -, o clima de incerteza na região ainda persiste. Vivendo no improviso, os moradores da Vila Soma criaram um sistema de vigilância próprio para os barracos e as casas de alvenaria que se multiplicam no local. Uma rede de informantes controla a entrada e o trânsito de estranhos desde o acesso da Avenida Soma, a principal ligação com o bairro vizinho Parque Manoel de Vasconcelos. A eventual presença de indesejáveis é imediatamente informada a líderes por celulares.
“A gente já sofreu muito preconceito aqui na Soma”, explica uma moradora na entrada da vila, na quarta-feira da semana passada, enquanto falava ao celular com uma pessoa que chamava de “pastor”. Ela avisava o homem sobre a presença reportagem do jornal O Estado de S. Paulo na entrada. “Aqui, cada rua tem seu coordenador”, diz Maria do Socorro Silva, uma das integrantes da direção. Sob sol forte do meio-dia, caminhões-pipa circulam e ônibus e vans escolares entregam e embarcam crianças nas ruas centrais do assentamento.
Na Barbearia Duzotus, na entrada da avenida principal, Fabrício Santos, de 24 anos, atende clientes de seu improvisado salão, cortando cabelos a R$ 10. E elogia a “ocupação”, que é como o MTST caracteriza os imóveis invadidos para moradia popular com recursos de programas como o Minha Casa Minha Vida. “A gente faz também mutirão para atender de graça na comunidade”, conta Fabrício, explicando ser seguidor de uma igreja evangélica.
Caminhão-pipa
Sem ligação regular de água e luz, os moradores se viram como podem para viver no isolamento da Soma. “A gente compra a água do caminhão-pipa”, relata uma moradora. Ela diz que vive no local há dois anos com o marido e um filho de 5 anos. “Eu pago R$ 10 para o caminhão encher a caixa de 500 litros”, explica a mulher, reclamando que também não há rede de esgoto no assentamento. Outra moradora, que caminha pela avenida de terra vermelha, se queixa da ausência de pavimentação e linhas de ônibus no bairro. “Quando a gente sai, tem de levar outro sapato para trocar por causa da poeira”, comenta. Segundo ela, que mora na Vila Soma com o marido, a família paga R$ 60 por mês pelo abastecimento de água. “É de poço”, diz. “E a luz é gato (irregular)”, emenda. De acordo com a CPFL, a Vila Soma não recebe energia por não ser área regularizada no município.
Desconfiados nas entrevistas, os moradores negam que haja pagamento de aluguel ou compra e venda na vila. “Não há isso, não”, protesta Edson Gordiano da Silva, um dos moradores, que há dois anos e meio é coordenador. Para Maria do Socorro Silva, moradora e também coordenadora do movimento, que tem uma pequena loja de roupas em um cômodo da casa onde mora, já houve denúncias de comércio “mas esse pessoal não vem mais aqui”.
Venda de lotes
As denúncias de venda e aluguel de lotes e também de coação de moradores para que se filiem ao MTST, porém, constam em relatos feitos ao Ministério Público sobre casas sendo vendidas com preços que variam de R$ 15 mil a R$ 20 mil, dependendo da localização no terreno e da cobrança por ligações de luz e água.
“Isso ocorreu no passado; não acontece mais”, rebate o advogado do MTST, Alexandre Mandl, que presta assistência jurídica aos moradores. “Esse processo já foi extinto”, diz ele. Mandl refere-se à Ação Civil Pública 4003957-21.2013.8.26.0604, que correu na 1.ª Vara Cível de Sumaré, denunciando irregularidades na ocupação.
Responsável pelo processo da massa falida na 2.ª Vara de Sumaré, o juiz André Gonçalves Fernandes lembra que os moradores já foram alertados para a situação irregular das transações imobiliárias. “Avisei os desavisados para que não comprem”, explica.
Ele critica a invasão das terras da Soma pelo MTST. Neste caso, disse o magistrado, havia direitos de trabalhadores anteriores ao direito à moradia e à função social da área.
“Eu acho lamentável. Esse argumento deles atropela um direito anterior: o dos trabalhadores das empresas de receber seus direitos trabalhistas”, diz o juiz. “Minha intenção é encerrar esse processo até o fim do ano”, afirma Fernandes.
Terreno
A empresa Fema4 Administradora de Bens, uma das credoras da massa falida, arrematou o terreno da Vila Soma em dezembro em um acordo promovido pelo juiz André Gonçalves Fernandes, da 2.ª Vara Cível de Sumaré, mediante o compromisso da empresa de depositar R$ 6 milhões, em seis parcelas de R$ 1 milhão, dinheiro para pagamento das dívidas trabalhistas da falência. Pelo plano, a operação com a Fema4 ajudaria a saldar as dívidas trabalhistas e também resolveria os débitos da massa falida com a própria Fema4.
“Tentei tudo o que foi possível para resolver essa questão”, disse nesta segunda-feira, 14, o sócio da Fema4, Paulo Magalhães. Segundo ele, “a situação do caso é bem difícil”. Magalhães afirmou que em 2015 houve um acordo judicial, assinado pelos movimentos sociais, para a desocupação. “Mas eles não saíram”, disse.
A empresa tem até projeto para a construção de moradias sociais em área de 33% do terreno. O projeto prevê 1.380 moradias pelo programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e mais 1.104 pelo sistema de Habitação de Interesse Social (HIS), em um total de 2.484 unidades. “Mas a decisão do STF cristalizou uma situação na área que está se consolidando”, relatou Magalhães. “Nós queremos é uma solução. Não queremos a área para construir. Só queremos recuperar os nossos créditos”, argumentou.
Em fevereiro, o ministro do STF, Dias Toffoli, voltou ao processo e quis saber das “tratativas com vistas à solução conciliatória”. Segundo o advogado Eduardo Foz Mange, da Melhoramentos, a resposta foi enviada ao ministro. “O local está sendo favelizado. Esperamos pela reintegração de posse da área.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.