DINHEIRO ? Quais são as implicações do que acontece hoje no Oriente Médio, sobretudo no Egito, para a economia brasileira?

LUIZ GONZAGA BELLUZZO ? O que acontece no Egito, e vai acontecer em outros países do Oriente Médio, é reflexo de uma pressão sem igual do preço dos alimentos. Temos uma visão simplista de como as coisas funcionam nessas sociedades. Dizemos que eles são uma sociedade de muçulmanos fundamentalistas e que, portanto, têm resistência à constituição de um regime mais democrático e aberto. Não é bem assim. Não se tem ideia da duplicidade que se vive naquelas sociedades. Percebi isso nas negociações para trazer o Valdívia de volta (atacante chileno contratado pelo Palmeiras). Não houve um episódio isolado, mas ficou claro que não se compra nem se vende um pirulito naquela região se não tiver os contatos certos. É uma teia familiar que se mistura com negócios de Estado e econômicos que não é para principiantes. O problema no Egito e em todo o mundo é o preço dos alimentos. Desde 1946 se discute como estabilizar os preços agrícolas, garantir uma renda razoável para o produtor e impedir essas flutuações. A comida virou ativo financeiro. 

 

 

DINHEIRO ? A turbulência global está longe de terminar e ainda há a questão do euro.  


BELLUZZO ? No meu livro Os antecedentes da tormenta ? origens da crise global, antecipo a crise. Mas como escrevo em português… No caso do euro, se você olhar os dados, vai ficar apavorada. A dívida total dos países periféricos da Europa ? Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha, Bélgica e Itália, os grandes devedores ? é da ordem de 4 trilhões de euros. Só para estabilizar a dívida é preciso fazer um ajuste de 16% do Produto Interno Bruto. Para isso, é preciso cortar salários, gastos, investimentos. O que você acha? Uma saída possível seria a Alemanha, e secundariamente a França, emitir um papel denominado em euro. Agora, você acha, sinceramente, que os franceses vão fazer um ajuste? 

 

 

DINHEIRO ? Mudando de assunto. Por que demorou tanto tempo para sair o projeto da nova arena do Palmeiras com a WTorre? 


BELLUZZO ? Só com a prefeitura levamos dois anos negociando as chamadas licenças. Era licença ambiental, licença de vizinhança. Gastei boa parte do meu tempo nesse negócio. Virei despachante de luxo. 

 

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“O que acontece no Egito é reflexo de uma pressão sem igual do preço dos alimentos.”

Manifestantes no Egito pedem a saída do ditador Hosni Mubarak

 

 

DINHEIRO ? Será que o projeto do estádio do Corinthians vai consumir o mesmo tempo? 


BELLUZZO ? Estou de olho no estádio do Corinthians. Porque não vai ser na mão grande, não. Passamos por todo o calvário da aprovação e tem de ser assim para todo mundo. Estou de olho. E não é que eu seja contrário ao Fielzão. Aquela é uma região de São Paulo que precisa se desenvolver. Um estádio em Itaquera é viável e desejável. Mas não pode saltar etapas. 

 

 

DINHEIRO ? A nova arena é o seu maior legado ao Palmeiras? 


BELLUZZO ? Não é só. Sabe quanto o Palmeiras ganha por ano com licenciamento? Faturava R$ 500 mil por ano. Hoje, fatura R$ 7,5 milhões. E não é mérito só meu. Coloquei um escritório de advocacia para cuidar disso. Tinha lá o Rogério Dezembro (publicitário da agência Talent, que foi diretor de marketing do Palmeiras na gestão Belluzzo). O trabalho que ele e a equipe fizeram foi coisa de profissional. O Palmeiras não tinha sala para receber as empresas interessadas em investir no clube. 

 

 

DINHEIRO ? O sr. aumentou  as entradas, mas também as despesas com futebol, que saíram de 75% da receita, em 2005, para 81% em 2009.  Em 2009, o Palmeiras estava com o título na mão. Liderou por 19 rodadas e nem vaga para a Libertadores conseguiu. O que aconteceu? 


BELLUZZO ? É uma questão de perspectiva. O time fica 19 rodadas na ponta. Nas últimas, perde do Santo André e do Náutico e empata com o Sport. O Palmeiras estava com o título na mão. O que aconteceu? 

 

 

DINHEIRO ? Não sei, professor. Eu é que pergunto. O que aconteceu? 


BELLUZZO ? Não sei. Se você puder explicar, eu agradeço. Dizem que é porque eu trouxe o Vagner Love. Besteira. Bobagem. 

 

 

DINHEIRO ? É difícil administrar a vaidade, o ego dos jogadores?


BELLUZZO ? Se o jogador ganha mais e ajuda o time, não há nenhum problema. Os demais colaboram. E é natural que haja profissionais com salários maiores do que os outros. O seu diretor deve ganhar mais do que você e nem por isso você tem bronca dele, não é? 

 

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“Eu devia era levar uma Glock (pistola automática) e matar todos eles.”

Mustafá Contursi, do conselho fiscal do Palmeiras e opositor de Belluzzo 

 

 

DINHEIRO ? E os salários atrasados? 


BELLUZZO ? Isso não existe. Nunca teve mais de um mês de direito de imagem atrasado no Palmeiras. O Palmeiras nunca atrasou salário. 

 

 

DINHEIRO ? Então estava tudo bem, salário em dia? 


BELLUZZO ? Não tinha problema nenhum. Vocês da imprensa têm mania de afirmar. O Palmeiras nunca atrasa. Não tenho nada a ver com a vida dos outros clubes, mas tem time grande com atraso de quatro meses. 

 

 

DINHEIRO ? A oposição diz que a sua gestão antecipou receitas de direito de transmissão. 


BELLUZZO ? Não antecipei nada. Uma coisa é usar o contrato como garantia de uma operação financeira. A outra é antecipar receita. O Corinthians antecipou R$ 18 milhões. O Palmeiras não antecipou. O que eu propus e o conselho fiscal aprovou foi dar o contrato com a Globo em garantia ao refinanciamento de dívidas do clube. Existe uma coisa chamada penhora online ? você não paga e o juiz penhora suas receitas. Era o que estava acontecendo. Renegociei a dívida. Só de IPTU eram R$ 35 milhões. Renegociei e caiu para R$ 11 milhões. O Mustafá (Contursi, ex-presidente do Palmeiras) diz que eu troquei os pés pelas mãos. Eu troquei de fato os pés da fuga pelas mãos da responsabilidade. Dei o contrato com a Globo em garantia. Esse contrato foi submetido ao conselho fiscal. Nem precisava. Levei, por ingenuidade até. Eu devia era levar uma Glock (pistola automática) e matar todos eles.

 

 

DINHEIRO ? Esta parece uma repetição da frase infeliz que o sr. falou: ?Vamos matar os bambi?… 


BELLUZZO ?  Não é possível que você me faça uma pergunta dessas. Que coisa mais burra! Estava numa festa, o São Paulo tinha perdido para o Atlético Mineiro e o Palmeiras ia abrir não sei quantos pontos na frente do São Paulo. É óbvio que eu falei aquilo no sentido figurado. No sentido futebolístico. 

 

 

DINHEIRO ? Foi o Palmeiras que o levou para o hospital? 


BELLUZZO ? Claro que não. Minha família tem histórico de doença coronária. Além disso, o Palmeiras me dá mais alegria do que tristeza.

 

 

DINHEIRO ? E o acesso de fúria que o sr. teve com o árbitro Carlos Eugênio Simon? O que acontece para que o sr., uma pessoa tão fina e educada, perca as estribeiras? 


BELLUZZO ? Eu disse e repito. Se encontrar com ele, não sei o que vai acontecer. É um farsante e um hipócrita. Ele é a expressão acabada do que são as relações de poder no futebol. 

 

 

DINHEIRO ? Há esperança de mudanças na organização do futebol? 


BELLUZZO ? É uma longa caminhada até tirar o futebol dessa forma arcaica e danosa. A estrutura de comando é a mais antiquada que existe. As pessoas se perpetuam no poder. 

 

 

DINHEIRO ? Foi difícil para um intelectual do seu nível lidar com os cartolas? 


BELLUZZO ? Sempre convivi com pessoas de todos os níveis. O que realmente me incomoda não é a ignorância, mas o sujeito não ter noção da sua ignorância. Encontrei dirigentes muito distantes daquele estereótipo antigo. O Andrés (Sanches, presidente do Corinthians), o Juvenal (Juvêncio, presidente do São Paulo Futebol Clube) e o Luís Álvaro (de Oliveira, presidente do Santos). São pessoas que estão defendendo os interesses dos clubes deles. Sou muito agradecido a essa convivência. 

 

 

DINHEIRO ? O sr. sai da presidência do Palmeiras com a sensação de dever cumprido? 


BELLUZZO ? O balanço que faço é que foi uma gestão equilibrada. Se você me perguntar se eu faria tudo de novo, a resposta é sim. Talvez tomasse mais cuidado com o departamento de futebol. Não profissionalizar o departamento de futebol foi um erro. Profissionalizei o marketing e a gestão financeira. Agora, do ponto de vista de como se deve administrar um clube, avancei só a metade do que seria necessário. Mas tem uma coisa: deixei o Palmeiras com um patrimônio completamente modificado, com a Arena Palestra. É difícil. A torcida cobra. Outro dia eu estava almoçando com o Mantega (Guido Mantega, ministro da Fazenda) e chegou um cara, sentou na mesa, sem a menor cerimônia, e começou a falar de futebol. O Guido riu e eu tive de dar um toque no cara. 

 

 

DINHEIRO ? O sr. voltará a se candidatar à presidência do Palmeiras? 


BELLUZZO ? Não. Mas também não vou deixar de ser palmeirense.