Está sendo vista como maior erro diplomático de todos os tempos, com possíveis sérios impactos nas relações comerciais, a viagem do presidente Bolsonaro para um encontro com Vladimir Putin, justamente no momento em que a Rússia está em meio ao risco de um conflito com os EUA devido à ameaça de invasão da Ucrânia. Diplomatas brasileiros não conseguem explicar a decisão peremptória do presidente nesse sentido e temem o pior. Para completar o quadro, emissários americanos já manifestaram a insatisfação daquele governo com a ideia e tentam demover o mandatário brasileiro. Querem que Bolsonaro cancele a viagem, dado que ela pode sinalizar uma espécie de apoio às pretensões russas. A alegação do Planalto para manter a agenda é a de que as tratativas com Putin nada teriam a ver com o conflito. Mas, evidentemente, para quem acompanha os sinais de movimentos entre nações, esse gesto é visto, sim, como o de uma tomada de lado. Nesse sentido, o Brasil estaria contrariando um de seus principais parceiros de negócios, os EUA, e mesmo os conselhos da Otan, que tem se posicionado contra o posicionamento russo. A viagem de Bolsonaro será, decerto, um balde de água fria nas relações com muitos parceiros. A própria Ucrânia manifestou insatisfação com essa ida. Representantes daquele governo dizem que o presidente brasileiro teria de repetir o mesmo tipo de atitude com o seu país para equilibrar a situação. Europeus e mesmo parceiros sul-americanos acham a viagem do Messias um erro tático sem tamanho, com eventuais consequências na pauta comercial. O timing da visita não poderia mesmo ser pior. A percepção de que o Brasil apoia as ações do Kremlin no Leste Europeu pode azedar muitos entendimentos e contratos já em andamento, até na região. O cancelamento, por sua vez, entendem os EUA, poderia reforçar o recado a Putin de que ele enfrentará um isolamento diplomático caso não ceda e reduza a presença militar nas fronteiras ucranianas. Em outras palavras, o fator da visita de Bolsonaro já virou mesmo uma peça do jogo no tabuleiro e o Planalto ficou na encruzilhada: ou atende a um dos maiores compradores das mercadorias nacionais ou o contraria em nome de uma suposta autonomia diplomática, com inevitáveis e caras consequências. O Itamaraty ligou o alerta e está deveras preocupado com uma reunião desse tipo – mesmo sendo ela revestida de interesses puramente mercantilistas. Classificam a escolha do momento como uma “aventura” e são favoráveis ao entendimento dos EUA de suspender a agenda. Bolsonaro, para variar, não ouve ninguém e resiste na opção. Empresários de diversos setores e estatura expressaram a interlocutores do governo o mesmo tipo de preocupação quanto ao impacto de um gesto como esse no atual momento. A pressão ocorre por todos os lados e o desenrolar do processo é ainda imprevisível. A ginástica nas relações com a ida a Moscou pode colocar o governo no maior e mais perigoso teste justamente quando ambiciona ter uma cadeira definitiva na OCDE – plano que corre o risco de naufragar ainda no porto por inabilidade do capitão.