Defendida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último sábado, e já proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a criação de uma moeda única na América Latina é vista com ceticismo por especialistas. Ainda que a adoção de uma política monetária unificada em diferentes países possa resultar em uma maior eficiência, aumentando o potencial de crescimento dos mercado envolvidos, colocar uma medida dessas seria muito difícil dadas as discrepâncias econômicas entre países como Brasil e Argentina.

Por outro lado, analistas admitem que o sistema financeiro está mudando, criptomoedas ganharam força com as sanções implementadas contra a Rússia após a invasão da Ucrânia e os mercados passaram a buscar alternativas para não depender do dólar.

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Para o economista José Júlio Senna, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), o primeiro desafio para criar uma moeda única, seja no Mercosul, seja na América do Sul, seria a determinação política. Na zona do euro, o projeto de unificação monetária tem suas raízes no pós-II Guerra Mundial, quando os países europeus buscaram uma reaproximação, e ganhou força com a reunificação alemã. “Sem motivação política forte, essa ideia não anda. Onde está a determinação aqui? Quem vai empurrar isso politicamente?”, questiona.

DESAFIOS

Além da determinação política, os países enfrentariam o desafio de convergir suas economias: inflação e dívida precisam estar em patamares próximos para a adoção de uma moeda comum. Isso porque existiria também um único Banco Central com ferramentas reais para controlar a inflação. Hoje, enquanto o Brasil registra inflação de 11,3% nos últimos 12 meses, na Argentina, é de 55,1%

“A ideia de uma integração econômica mais profunda é atraente, o problema é que não fizemos ainda o dever de casa. Nem nacionalmente e nem regionalmente”, diz o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

A economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, destaca que os países têm arcabouços econômicos diferentes que dificultam uma convergência. A Argentina, por exemplo, não tem um BC independente, explica. “Antes de uma moeda única, os países precisam ter fluidez de mercadorias e mão de obra. Aí poderíamos começar a discussão de união monetária.”

Ex-secretário de comércio exterior e sócio da BMJ Consultoria Associados, Welber Barral afirma que o processo de unificação de moedas seria complexo, assim como foi na zona do euro. Ele pondera que a ideia “não é ruim”, pois permitiria uma certa independência do dólar, algo que a China também vem tentando e que ganhou relevância com a guerra na Ucrânia. “O mundo das moedas está mudando. O que vai ser não sabemos. Vamos ter de pensar em modelos de moedas escriturais, de criptomoedas, de compensação entre Bancos Centrais, antes de pensar que você vai ter conta corrente ou pagamento numa moeda comum.”

De acordo com o pesquisador da Universidade Harvard Hussein Kalout, as criptomoedas podem ser “o futuro” das transações financeiras e de comércio entre os países, mas será muito difícil fugir do padrão dólar. “Especialmente tendo em consideração que boa parte das reservas brasileiras estão em dólar.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.