O paranaense David Severino de Rezende, engenheiro eletricista aposentado, investe em ações de energia há mais de cinco anos. Os motivos são vários: seu conhecimento do setor e a tradição dessas ações de ser razoavelmente estáveis e de pagar bons dividendos. No entanto, boa parte dessas justificativas para comprar esses papéis – conhecidos como “ações de viúva”– vem sendo posta em dúvida nos últimos dias, por dois motivos. O primeiro é a perspectiva de alterações no modelo de concessões de energia elétrica. As decisões, que serão anunciadas nos próximos dias pela presidenta Dilma Rousseff, devem alterar a forma de renovação das concessões e também provocar uma redução nas tarifas de energia entre 10% e 30%. 

 

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Ainda não definidas, as mudanças vão afetar diretamente os resultados das companhias. O segundo, mais recente, foi a intervenção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em oito distribuidoras do grupo paulista Rede Energia. Vergado por dívidas estimadas em R$ 5,7 bilhões e por baixos índices de qualidade operacional, o grupo, cujo conselho é presidido pelo empresário Jorge Queiroz, sentiu o peso da Aneel com base em uma medida provisória aprovada na véspera, que aumentava os poderes da agência. Agora, a expectativa é de que as distribuidoras, cuja área de atuação se estende por cinco Estados, sejam vendidas separadamente. 

 

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O avanço da intervenção estatal e as mudanças no setor elétrico fizeram os preços

das ações cair, mas não preocupam investidores como o engenheiro David de Rezende

 

Um dos candidatos é o grupo J&F, controlador do frigorífico JBS. Procurado, Queiroz não concedeu entrevista. Os analistas notaram a mudança no ambiente. “Todos os setores regulados, como o de eletricidade, estão menos seguros, e os investidores ficaram mais receosos com as intervenções do governo”, afirma Felipe Rocha, analista da corretora paranaense Omar Camargo. As incertezas derrubaram as cotações. Em agosto, papéis como Transmissão Paulista PN caíram 21,6%, Cesp PNB recuou 15,3% e a pouco negociada Rede Energia amargou uma baixa de 20,7%. Na média, o índice de ações de energia elétrica recuou 5,6%, ao passo que o Índice Bovespa avançou 1,7%. 

 

As viúvas ficarão, mais uma vez, inconsoláveis? Quem conhece o setor avalia que não, apesar de agora haver mais motivos para preocupação. Cristiane Mancini, analista setorial da Lafis, afirma que a energia não deixará de ser um porto seguro. “As empresas atuam em segmentos diferentes: geração, transmissão e distribuição, e as medidas do governo não vão afetar todas da mesma maneira”, diz Cristiane. Assim, companhias cujas concessões devem vencer já a partir de 2015, como Cesp, Transmissão Paulista e Eletrobras, são consideradas mais arriscadas. Já aquelas com concessões mais longas e com atividades diversificadas – atuam na geração, na transmissão e na distribuição de eletricidade – são mais seguras. 

 

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Dentre elas, os analistas indicam Cemig, Copel, Tractebel e AES Tietê (veja quadro “Viúvas alegres”). A corretora Omar Camargo aumentou sua exposição ao setor, trocando os papéis da telefônica Oi pelos da Cemig. Na carteira recomendada há, atualmente, três papéis de energia, com peso de 20% cada um. Outras corretoras, como a XP e a Rico, seguiram o mesmo caminho. A primeira incluiu a Tractebel, ao lado da AES Tietê, e elevou a participação para 40%. A Rico aloca 50% de sua carteira em eletricidade, e suas principais apostas são as companhias Coelce, Tractebel, Cemig e AES Tietê. Apesar dos sustos e da mudança de expectativas, os papéis energéticos ainda são bem vistos no mercado. 

 

A perda de rentabilidade devido à redução das tarifas pode ser parcialmente compensada pela tendência de aumento da demanda com o aquecimento esperado da economia nos próximos meses. Outro argumento é que o crescimento da renda tem elevado o consumo de energia. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), desde 2001, o consumo brasileiro aumentou 38%, ante um avanço de 30% na média mundial. Essa previsão soa como música para o engenheiro Rezende, que vai continuar apostando nos papéis de viúva. “Acredito que é possível encontrar boas oportunidades nas empresas de energia elétrica”, afirma Rezende. “Tenho 50% da minha carteira nesses papéis e não vou mudar, pois eles vão continuar pagando bons dividendos com pouca volatilidade.” 

 

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