26/06/2015 - 19:30
A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas, diz uma frase atribuída ao ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill. Em regimes democráticos, você pode manifestar sua opinião de forma livre. Se ultrapassar os limites, ofender a honra de alguém ou mentir, a Justiça está aí para reparar os erros. É assim que funcionam – ou pelo menos deveriam funcionar – os Estados de Direito. Digo isso a propósito da pichação, feita na rua em frente à residência do apresentador da tevê Globo Jô Soares.
Na calada da noite e protegido pelo anonimato, algum valentão escreveu: “Jô Soares Morra”. A ameaça devia-se ao fato de Jô, como é conhecido, ter feito uma entrevista considerada chapa branca com a presidente Dilma Rousseff, com poucas questões embaraçosas – algo comum em seu programa, exibido nas madrugadas, em que o “Gordo” entrevista personalidades e amigos, dificilmente colocando-os em alguma saia justa. Não cabe aqui discutir o teor da entrevista. Mais importante é notar que a intolerância tem pautado o debate nacional nos últimos tempos.
É uma conversa de surdos e cegos amplificada pelas redes sociais, no qual nenhum dos lados é capaz de parar para refletir e de, ao menos, colocar-se do outro lado para ponderar sobre os argumentos alheios. A matéria-prima é o ódio irracional. Como disse o escritor italiano Umberto Eco, recentemente em uma entrevista. “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a detentor da verdade”. E completou. “Normalmente, eles (os imbecis) eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”.
Vale o registro de que o “idiota da aldeia” tem todo o direito de dizer o que bem entender, desde que não se esconda no anonimato para que possa responder, caso seja necessário, perante a lei. Livre pensar é só pensar, como diria o genial humorista Millôr Fernandes, durante os tempos de chumbo da ditadura militar, nos anos 1970. Não se trata, evidentemente, de um problema exclusivo do Brasil. Ao contrário.
Nos Estados Unidos, onde o combate ao terrorismo islâmico faz parte da doutrina de segurança nacional, uma pesquisa do centro de estudos sobre segurança internacional New America demonstrou que ataques de extremistas da direita branca causaram quase o dobro de vítimas do que os de “jihadistas”. Desde 11 de setembro de 2011, 48 pessoas foram mortas por direitistas radicais nos EUA. Os mortos em atentados inspirados pelo extremismo islâmico chegam a 26. Não obstante esse fato, uma parcela considerável da população americana mantém seu discurso de combate aos imigrantes muçulmanos, como se cada um deles fosse um terrorista potencial.
Podemos todos democraticamente concordar que discordamos um do outro. Mas não devemos pautar o debate político e ideológico pela intolerância, pela ausência da razão e pela disseminação da mentira. Muito menos devemos ameaçar de morte quem tem uma opinião diferente da nossa. Não se trata aqui de defender a patrulha ideológica, muito menos a chatice do politicamente correto. Como teria escrito filósofo iluminista francês Voltaire: “Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-la”. Por essa razão: viva o Gordo.