16/09/2011 - 6:00
DINHEIRO ? O Banco Central (BC) foi severamente criticado por ter reduzido os juros em 0,5%. As críticas procedem?
PAULO RABELLO DE CASTRO ? Quando o mercado estiver ranzinza para a dupla Mantega-Tombini é porque eles estão agindo bem. Mas é fato que o BC e a Fazenda ainda não tiveram a musculatura para mudar o modelo atual, que se apoia em juros elevados.
DINHEIRO ? A qual modelo se refere?
RABELLO DE CASTRO ? À centralidade que a inflação ganhou desde que o Brasil resolveu, de fato, o processo inflacionário. Antes vivíamos numa verdadeira zona inflacionária, numa enorme bagunça. A situação hoje é a mesma para o custo financeiro da rolagem da dívida interna. Não se abre espaço, quer para o aumento de investimentos público, quer para o setor privado.
DINHEIRO ? Mas vencemos a inflação…
RABELLO DE CASTRO ? Saímos da zona inflacionária e caímos num manicômio tributário. As características são semelhantes. Vivíamos antes com artifícios meticulosamente engendrados pela alta capacidade criativa do povo brasileiro, com sua elite criando uma correção monetária. Hoje fazemos a mesma coisa: temos todo um esquema montado para conviver com esse manicômio tributário e com a loucura dos juros. Temos toda uma arquitetura de cobrança de impostos: como muitas empresas não conseguem pagar, o governo faz uma repescagem, com o Refis 1, 2, 3… Além disso, há toda uma reorganização de isenções tributárias, que são a contrapartida do excesso de alíquotas. Mas a confissão do manicômio, mesmo, é o sistema do Simples Nacional.
DINHEIRO ? Mas o Simples não beneficia milhares de empreendedores?
RABELLO DE CASTRO ? Por trás da bondade governamental, há a confissão de que para um determinado estrato de empresários vale o Simples, para todos os demais vale o complicado… e bota complicado nisso. E não nos tocamos que, além de injusto, é um agravante do custo Brasil que uma parte da população viva no sistema complicado. O Simples deveria valer para todos.
DINHEIRO ? Que mecanismo sustenta o modelo do juro alto?
RABELLO DE CASTRO ? Existe uma tríade que alimenta a mitologia do juro. A primeira perna é esquecer da culpa do governo no excesso de demanda que ele mesmo provoca. A segunda é achar que o setor financeiro não tem incentivo para perpetuar esse modelo. Tem, pela forma como está pactuada a dívida interna e como o governo central insiste em rolar sua dívida, que é por títulos indexados a juros do dia. Essa composição faz com que o sistema financeiro bata palma, vire sócio do juro alto. Há uma alimentação do sistema porque o governo também acaba distribuindo rendas financeiras através dessa dinâmica. Ninguém alardeia que gastaremos mais de R$ 200 bilhões apenas para cobrir nossa conta financeira. É o contrassenso para um país que é considerado seguro, que dificilmente dará um calote.
DINHEIRO ? E a terceira parte dessa tríade?
RABELLO DE CASTRO ? A tríade se completa com o câmbio. Metade do excesso de apreciação da moeda brasileira seria mitigada caso não houvesse incentivo para a entrada de dólares. Praticamos juros como se fôssemos maus pagadores. E esquecemos que a questão cambial está relacionada à distorção do juro. Enquanto não começarmos a fazer essas contas, continuaremos eternamente no modelo errado. Há um custo estrutural de crescimento potencial. Ele cria o artificialismo de um custo de capital excessivamente alto. Pelo menos de um a dois pontos de PIB são perdidos por conta dessa política de juros.
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini
DINHEIRO ? O governo Dilma já anunciou a disposição de derrubar o juro a um dígito.
RABELLO DE CASTRO ? Mas a presidente não está fazendo nada, rigorosamente, hoje, para chegar a isso. Ela pode até chegar a esse juro de um dígito rapidamente porque, se a crise internacional se agravar, vai nos obrigar a baixar a estrutura de juro de uma vez só. Mas, assim que houver aumento de consumo, o governo vai agir do mesmo jeito convencional, e vai subir a taxa, sugando parte da renda, que era para investimentos, para pagar juros. Há um defeito estrutural nesse modelo, que não só corta crescimento como perpetua um estado de má distribuição da riqueza.
DINHEIRO ? Mas a distribuição de renda não está melhorando?
RABELLO DE CASTRO ? Alguns estudos demonstram que incorporamos uma camada nova de consumidores. Entretanto, a redistribuição estrutural mais importante, que seria a propriedade do capital, continua mal como sempre esteve. Desconfio que, apesar da expansão do crédito habitacional, o crescimento baixo e o juro alto prejudicam a inserção do brasileiro na taxa de acumulação de capital, que se dá pela acumulação de patrimônio. E o brasileiro fica circunscrito a financiar e ser financiado por essa taxa mais elevada, empresaria menos e tem menos incentivo para participar das formas de acesso coletivo, como na bolsa de valores.
DINHEIRO ? O que seria um governo de modelo de combate ao juro?
RABELLO DE CASTRO ? Embora a presidente Dilma possa vir a fechar os 50 anos da geração de 1968, seu governo continua preso ao centralismo econômico que era questionado por essa geração. Esse ciclo será encerrado pela presidente Dilma, caso seja reeleita, ou mesmo que não seja. Temos de devolver para a grande massa da população a capacidade de gerenciar seus próprios negócios, sua própria acumulação de capital. Hoje nós não temos instrumentos para isso. E o tempo é muito pequeno para armar esse futuro. Vivemos mais dos arquétipos do passado do que do presente.
DINHEIRO ? A dinâmica dos juros, hoje, se apega à memória inflacionária?
RABELLO DE CASTRO ? Nós vivemos de um fantasma, não só do medo de um fantasma, e também pagando um pedágio permanente de uma coisa que já não existe. Não digo, com isso, que não deva haver uma permanente preocupação com o assunto, através de um sistema de metas inflacionárias: isso está fora de questão. Mas é bem diferente o desenho de uma política econômica que vai muito além na meta inflacionária. Hoje, o Brasil administra, praticamente, uma meta de inflação, e não um plano de crescimento.
Funcionário remarca preços na época da inflação em 1987
DINHEIRO ? Nem administra uma meta de investimento…
RABELLO DE CASTRO ? Não, isso não existe. O ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, falou em algo como 23% do PIB de taxa de investimento. Mas não foi uma proposta aberta, nem para a elite econômica.
DINHEIRO ? Se o governo assumisse o foco no investimento, por onde começaria a desmontar a bomba-relógio dos juros?
RABELLO DE CASTRO ? Precisaria anunciar seu programa, que é muito mais do que obras listadas no PAC. A programação teria de ser eminentemente de orquestração dos investimentos privados, que seriam acionados por uma inversão de expectativas de crescimento, ao modificar a dinâmica de gastos do governo. Teria de anunciar uma cota de ajustamento ? e não de sacrifício ? de todo o setor público para esse grande projeto, e com isso teria um discurso político mais afinado para medidas de harmonização.
DINHEIRO ? Isso implicaria uma redução de gastos do governo?
RABELLO DE CASTRO ? Não é redução, insisto em riscarmos a palavra redução. É mero controle para que o aumento de gasto se restrinja a algo entre 1,5% e 2% reais, ou seja, além da inflação. Significa dizer que despesas com programas sociais e educação não precisariam ser comprimidas. Isso liberaria a possibilidade de gasto para investimento na ordem de mais de 10% de crescimento real. E isso faria, ao longo do período, com que a atual despesa do capital do governo começasse a convergir para a faixa ideal de 5% do PIB, e não 2% do PIB, como hoje.
DINHEIRO ? Como seria o controle?
RABELLO DE CASTRO ? Por contingenciamentos programados. Através de um Conselho de Gestão Fiscal, previsto no artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Seria semelhante ao Conselho Monetário Nacional, com a atribuição, para o lado fiscal, de estabelecer o programa de despesas e a forma de realizá-las. Ele daria suporte para a Câmara de Gestão e Competitividade, presidida pelo empresário Jorge Gerdau, do grupo Gerdau. Colocaríamos outra meta para o País. Controlaríamos os juros pelo lado fiscal, que tem um braço no controle da despesa e outro na estrutura para redução da carga. Isso sozinho já é uma revolução. Essa é a proposta do Movimento Brasil Eficiente.
DINHEIRO ? Hoje as despesas crescem mais que a receita…
RABELLO DE CASTRO ? Nos últimos 16 anos, exceto em 1999 e em 2003, o crescimento do gasto público superou o crescimento do PIB nominal (PIB real mais inflação do período). Tanto na administração FHC quanto na do presidente Lula. E Dilma vai pelo mesmo caminho. Portanto, é o mesmo modelo. Não há um pacto diferenciado. Embora ela tenha boas intenções, é o mesmo governo, é a mesma administração, é a mesma continuidade. É o governo crescendo em cima do setor privado.