21/11/2014 - 20:00
O empresário Samuel Klein, fundador da rede varejista Casas Bahia, morto na quinta-feira 20, aos 91 anos, vítima de insuficiência respiratória, costumava dizer que um comerciante deve sempre olhar para frente. “Ontem foi ontem, já passou. Hoje é hoje e é o que nos importa. Amanhã, o futuro, a Deus pertence”, afirmou Klein ao jornalista Elias Awad, autor de sua biografia, publicada em 2003. De fato, sua vida foi pautada pela confiança nas pessoas. “Acredito no ser humano. Caso contrário, não abriria as portas das minhas lojas todos os dias”, afirmava o empresário, cujo principal lema era “viva e deixe viver.”
Foi com base nessa filosofia que ele criou um dos maiores ícones do comércio brasileiro e inaugurou a modalidade de vendas parceladas no País. Klein acreditava que a ciência por trás dos empréstimos financeiros é humana, e não exata. “Não importa se o cliente é um faxineiro ou um pedreiro”, dizia. “Se ele for bom pagador, a Casas Bahia dará credito para que ele resgate a cidadania e realize seus sonhos.” Sua morte causou comoção em vários setores da economia. “Samuel Klein colaborou de forma incansável, gerando milhares de empregos e desenvolvendo nosso país, além de ser o pioneiro da democratização do crediário através do varejo”, disse Flavio Rocha, presidente da rede de vestuário Riachuelo e do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo.
“Todo setor agradece, profundamente, sua atuação.” Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco, por sua vez, afirmou que Klein personifica a figura do imigrante lutador, que soube vencer os desafios num país novo. “Trata-se de uma legenda de superação, um homem que atravessou o século 20 sob guerras e veio ao Brasil dar uma profunda contribuição à nossa sociedade”, disse Trabuco. Em meados dos anos 2000, quando os bancos começavam a olhar para as classes emergentes, o Bradesco negociou a carteira de crédito da Casas Bahia, considerada, de longe, a mais lucrativa do segmento, apesar de não pertencer a uma instituição financeira.
Nascido em Zaklikov, um pequeno vilarejo nos arredores da cidade de Lublin, na Polônia, Klein foi aprisionado em um campo de concentração nazista, aos 19 anos, durante a Segunda Guerra Mundial. Sua mãe e cinco irmãos foram mortos no campo de Treblinka. Ele conseguiu fugir um pouco antes do término do conflito, estabelecendo-se em Munique, na Alemanha, já sob domínio dos aliados, onde reencontrou seu pai e duas irmãs, que também sobreviveram ao Holocausto. Na época, ele ganhava a vida vendendo roupas para os soldados das tropas de ocupação americanas.
Em 1951, Klein emigrou para a Bolívia e, no ano seguinte, veio para o Brasil, com sua mulher, Chana, e o filho Michael, então com 2 anos de idade. São Caetano, no ABC paulista, foi a cidade escolhida pelo casal para reiniciar a vida. Por cinco anos, KIein trabalhou como mascate, vendendo roupa de cama, mesa e banho a bordo de uma carroça. Seu tino comercial o levou a batizar sua primeira loja de Casa Bahia. O objetivo era ganhar a confiança dos nordestinos que chegavam para trabalhar na fábrica da General Motors, recém-inaugurada no município. Ao abrir sua primeira filial, colocou premonitoriamente o nome da rede no plural.
A Casas Bahia se tornou a maior empresa varejista de móveis e eletroeletrônicos do País, com um faturamento superior a R$ 3,5 bilhões e mais de 500 lojas. Em 2009, já sob o comando de um de seus filhos, Michael, a empresa se associou ao Pão de Açúcar para formar a Via Varejo, gigante do comércio com faturamento de R$ 40 bilhões e 1,5 mil lojas. Atualmente, sob controle do grupo francês Casino, a Casas Bahia, que já não conta mais com a presença da família Klein na gestão da empresa, emprega 56 mil funcionários. “Ricos são muito poucos, pobres são muitos”, afirmou, em uma entrevista, o empresário. “Ninguém consegue nada trabalhando com rico, tem de dançar conforme a música.”