Está na hora de nós, consumidores brasileiros, refletirmos seriamente sobre que tipo de atitude teremos quando indícios de crimes contra os direitos humanos e ambientais forem registrados: puniremos os responsáveis com boicotes e protestos ou simplesmente vamos fingir que nada existiu e seguir a vida prestigiando os que atentam contra condições dignas de trabalho e de vida? Ainda que para crime haja — ou deveria haver — a punição da lei, nós também agimos como um certo tipo de juízes. Em nossas decisões, julgamos, punimos ou relevamos atitudes de marcas. Faz parte do jogo. O que é difícil de engolir é o comportamento incoerente de hora estar de um lado, hora do outro a depender do impacto que o posicionamento tem em nossas próprias decisões de consumo e no usufruto dele. Questão de coerência.

Só que ser coerente envolve renúncias. Exemplo prático dos últimos 30 dias: resgate de trabalhadores análogos à escravidão que prestavam serviços paras as vinícolas do Sul do País e na montagem do Lollapalooza. No primeiro, massacre na mídia; chamado de boicote às marcas envolvidas — Salton, Garibaldi e Aurora; posts indignados nas redes sociais; exigência de posicionamento das empresas; e finalmente um termos de ajuste de conduta (TAC) com pagamento de R$ 7 milhões em indenizações.

Já sobre o Lollapalooza… uma repercussão minguada, sem maiores consequências até o momento. Detalhe, segundo o Ministério do Trabalho, essa é a quarta vez que o festival é autuado pelo mesmo crime e ainda assim cerca de 302 mil pessoas (recorde de público) se divertiram em um cenário montado por pessoas que trabalhavam em situação análoga à escravidão.

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O que explica o comportamento dos consumidores, senão o ego nos seus piores sentidos. Um quando ataca as grandes marcas que foram envolvidas no crime por responsabilidade solidária (em ambos os casos, os trabalhadores tinham vínculo com empresas fornecedoras), só para fazer parte do grupo que se autodenomina defensor da justiça. O outro, quando pelo egoísmo relativiza seus princípios porque o que acontece ao outro não é suficientemente importante para impedir que realize seu desejo consumista.

O exemplo traz casos emblemáticos recentes, mas diariamente nos deparamos com essas escolhas. Caso da moda ou de mercados paralelos, por exemplo. Não é possível que o consumidor da Shein nunca tenha pensado sobre os motivos que levam uma peça de roupa ser tão mais barata lá do que na loja do bairro onde mora. Ou que nunca tenha refletido a razão pela qual a peça de carro comprada no mercado paralelo tenha um preço tão mais barato do que em oficinas idôneas.

Está na hora de buscarmos alguma sensatez. Alguma coerência. Do contrário, é esquizofrenia e o resultado será a perpetuação de práticas criminosas por empresas e a perda de credibilidade do consumidor como agente de pressão pela necessária transformação do modelo de produção atual. Quando especialistas como John Elkington, referência mundial em ESG, dizem que para construirmos um mundo mais justo será preciso a contribuição de todos, não estão brincando. Ao pensarmos o mundo que queremos deixar para as próximas gerações, não basta cobrarmos só o governo ou empresas. É preciso que façamos nossa parte. Mesmo que isso também nos gere custos e algumas frustrações.