Se isso não passou pela sua cabeça, dê uma olhada nos números abaixo. Não resista a refazer todo o seu planejamento de vida, especialmente o financeiro, caso ache necessário. Afinal, é agora que você pode escolher qual o tipo de velhice vai ter. Saiba de antemão o seguinte: chegar aos 100 anos não vai ser mais motivo de notícia nos jornais. Da atual população americana na faixa dos 35 anos, 6% das mulheres deverão ultrapassar o marco do centenário. Para os homens, esse porcentual cai para 2,3%. A estimativa é de que cerca de 4 milhões de americanos estejam com 100 anos ou mais em 2020. Essa também é a data prevista para que o Brasil saia da adolescência e entre na maturidade, com os idosos representando 12% da população. Em 2020 o Brasil terá cerca de 22 mil centenários, o que significa um aumento de 54% em relação ao início da década de 90.

O aumento da longevidade afeta diretamente o bolso. A programação das finanças precisa ser esticada. Você está preparado? ?Quem está na faixa dos 30 anos precisa considerar a possibilidade de viver até os 100 anos?, diz Suzana Aparecida Rocha Medeiros, coordenadora de gerontologia da PUC. O economista Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos em Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), fez as contas. Para viver dos 70 anos aos 100 anos com uma renda fixa mensal em torno de R$ 15 mil é preciso acumular um patrimônio financeiro de R$ 1,5 milhão. Será fácil para as pessoas que começarem cedo. Quem, aos 35 anos, abre um caixa de poupança exclusivo para o centenário terá de poupar mensalmente R$ 230. Aos 40 anos, esse valor sobe para R$ 420. Os cálculos foram realizados considerando a rentabilidade média de 1% ao mês.

O aumento da longevidade também coloca em xeque a supremacia do atual modelo convencional de previdência privada, tipo de investimento propagado como o porto seguro das finanças na terceira idade. Planos que oferecem retiradas programadas até os 75 anos podem deixar a desejar. A opção seria o modelo de renda vitalícia, como complemento. No entanto, esse tipo de investimento custa cerca de três vezes mais que o convencional. As taxas de administração são mais caras, porque as seguradoras trabalham com maior risco. A Sulaprev, empresa de previdência do grupo Sulamérica, fez a simulação de dois planos de PGBL. As premissas foram as mesmas: uma pessoa de 30 anos que contrate o plano com o objetivo de se aposentar aos 70 anos, recebendo benefício mensal de R$ 15 mil. No primeiro, com a expectativa de vida de 75 anos, o valor dos depósitos mensais seria de R$ 156. No segundo, considerando o recebimento vitalício, o valor sobe para R$ 513 por mês. A rentabilidade mensal utilizada foi de 10%.

No entanto, há uma saída para driblar esse aumento de custo da previdência privada. Valter Hime, vice-presidente da Real Seguros, diz que os planos vitalícios só devem ser adquiridos depois dos 60 anos. Em média, nesses planos vitalícios, para receber R$ 1 mil de benefícios é necessário acumular no plano um patrimônio de R$ 130 mil. O modelo convencional ? que prevê benefícios até uma idade determinada ? continua sendo o mais eficiente como investimento. Encerrada a fase de captação de recursos, vale a pena comprar um seguro adicional que garanta benefício por toda a vida. ?Dessa forma, é possível aumentar o patrimônio, sem precisar arcar com os custos mais elevados do plano vitalício?, explica. Além disso, o investidor diminui os riscos de ficar no prejuízo em caso de falência da seguradora.

Esse foi o modelo de administração das finanças pessoais adotado pelo empresário Carlos Chiti, de 86 anos. No ano passado, comprou um seguro vitalício que lhe garante R$ 14 mil mensais de benefícios por toda a vida. No entanto, ainda está longe de pensar em parar de trabalhar. ?Esse tipo de investimento é só uma ferramenta, mas o que garante a velhice agradável é o que se consegue construir durante a vida toda. Isso inclui todos os patrimônios, que são os sentimentais, intelectuais e financeiros?, ensina. Em 1930, Chiti acompanhou, ao lado do seu padrasto, a fundação das Indústrias Romi, fabricantes de máquinas industriais, e não deixou a empresa mais. Atuou nos mais diversos setores, trabalhou de mecânico a presidente. Isso lhe possibilitou formar um patrimônio estimado em R$ 30 milhões, referente a participação de 14% nas ações da empresa. Hoje, Chiti está no conselho administrativo e recebe um salário de R$ 2 mil. Às 8 horas, já está ocupando a sua mesa no escritório da Romi na capital paulista. ?Posso respeitar o meu ritmo de trabalho?, conta. Apesar da disciplina, a experiência lhe garante privilegio raro entre os jovens executivos. Ele não abre mão de almoçar religiosamente em casa na companhia de sua esposa, com que é casado há 57 anos. E como bom imigrante italiano, durante a refeição, saboreia a sua taça de vinho de Toscana. ?Consegui me programar e deixar os meus três filhos encaminhados?, se orgulha.

Programação é uma das palavras-chave para quem pretende chegar sem sustos à velhice. A área de lazer e turismo, por exemplo, não pode ser esquecida. Para se ter uma idéia, nos cruzeiros com destino à Europa e aos Estados Unidos, cerca de 45% dos passageiros têm mais de 60 anos. ?Eles preferem os roteiros mais longos e caros por causa da infra-estrutura?, diz Martha Kaszutski, diretora da Pier One, uma das principais agências de cruzeiros no Brasil. Em média, uma viagem de sete noites num navio de alto luxo, com três funcionários por passageiro, custa US$ 7 mil por pessoa. Coloque isso na sua lista de previsões de gastos futuros. Pelo menos duas viagens por ano. Essa é a média dos idosos que são adeptos dos cruzeiros. Você poderá estar em plena fase produtiva, mas com certeza, terá mais tempo para colocar os períodos de lazer em dia.

A escritora e jornalista Elsie Dubugras, de 97 anos, por exemplo, vive uma fase altamente produtiva de sua vida. Firme no comando da revista Planeta, da Editora Três, ela vê no trabalho mais que uma fonte de renda, uma motivação para viver. Não se preocupa com plano de previdência, garante os recursos com o aluguel de imóveis e o salário fixo. Diferente do clichê, Elsie não leva uma vida dita ?tranqüila?. Diariamente, de 9 às 16 horas, está no trabalho. Ainda sobra tempo para curtir os dois filhos, os netos, os bisnetos e, pasmem, os tataranetos. Assim como Chiti, Elsie Dubugras conta com um bom plano de saúde. Esse é outro custo que pesa com o aumento da longevidade. Conforme a legislação que regulamenta as empresas de saúde privada, os preços dos serviços podem variar entre sete faixas etárias.

No entanto, o reajuste mais alto ocorre na penúltima ? de 60 a 69 anos. O aumento pode chegar a 30%. A maioria das seguradoras de grande porte não modifica o preço na última faixa, que é destinada para os que estão com 70 anos ou mais. Todos esses gastos com planos de saúde, seguro e previdência estão previstos no orçamento da artista plástica Ligia Bove, de 81 anos. Ela própria administra as suas finanças. Na semana passada, fez a declaração de imposto de renda pela Internet. ?Faço questão de me manter auto-suficiente?, diz. Bove banca as despesas com a pensão deixada pelo marido e os rendimentos do seu trabalho com pintura. Ela se orgulha do fato de ?não sentir nem uma dorzinha?, o que garante uma bela economia na farmácia. De qualquer forma, gastos com remédios devem fazer parte dessa poupança futura. A partir dos 60 anos, uma pessoa sem qualquer complicação médica grave gasta, em média, R$ 180,00 por mês. Dos 80 anos em diante, o valor sobe para R$ 320,00 mensais. Isso equivale, por exemplo, ao uso de três tipos de medicamentos para o tratamento de hipertensão.

É o tipo de gasto bem-vindo se for a garantia de uma boa qualidade de vida. Essa garantia, porém, nem sempre está nos remédios, no plano de saúde ou nos bens que a pessoa adquiriu ao longo dos anos. Existe algo a mais na história dessas pessoas que vão chegar aos 100 anos. É o brilho no olhar de Flora Mortari Scognamiglio, ao falar da festa dos seus 90 anos, que acontecerá em agosto próximo. Animadíssima, garante: ?Vai ser uma festança. ? Viúva há 26 anos, Flora Mortari Scognamiglio, tem uma vida financeira tranqüila. Mora num apartamento próprio de três quartos, recebe duas pensões do marido e uma ajuda extra dos filhos. É assessora especial da presidência do Clube Pinheiros, um dos mais tradicionais de São Paulo. É considerada uma das grandes responsáveis pela ótima programação voltada à terceira idade no clube. Ativa, só deixou de dirigir há dois anos porque cansou de ouvir dos mais impacientes no trânsito que ela devia estar em casa fazendo tricô. ?Parei de dirigir, mas não fico em casa fazendo tricô?, garante ela, que se prepara para iniciar um curso de computação.

 

TRABALHO DE MENOS

Empresas não estão preparadas para alongar vida
executiva dos profissionais

Viver mais muda tudo. Muda o pensamento médico, mudam as estruturas de lazer voltadas para a terceira idade e, principalmente, o campo de trabalho para essas pessoas. Afinal, ninguém acredita que alguém com vitalidade para comemorar o centenário sonhe em pendurar as chuteiras antes dos 70. Mas olhe ao seu redor e conte quantos colegas de trabalho com mais de 50 anos têm um posto na sua empresa. Agora compare com a quantidade de jovens bem colocados e atuantes. Provavelmente, você vai se assustar com a disparidade. As empresas não estão preparadas para alongar a vida profissional na mesma proporção que vem aumentando a expectativa de vida. ?As organizações já recrutam estabelecendo idade máxima?, diz Lourdes Garcia, da Adecco – Top Services, uma das maiores empresas de RH do Brasil. ?E, na maioria dos casos, esse limite não ultrapassa os 40.? Prova que no mundo corporativo, a idade pesa mais cedo.

A forma mais recente que as corporações encontraram para lidar com os profissionais de mais idade responde pelo nome de ?conselho consultivo?. Uma herança trazida pelas multinacionais e adotada com competência pelas brasileiras. Quando um funcionário de alto nível dá sinais de que a idade chegou, pela queda no pique de trabalho ou pela intenção da aposentadoria, vira consultor. O que significa trabalhar menos sem perder os vínculos com a empresa. ?É uma maneira de prevenir que aquele funcionário que já foi tão útil acabe na concorrência?, diz um importante consultor de RH de São Paulo.

A estratégia não deu certo quando a direção internacional da Avon resolveu, há pouco mais de um ano, substituir o presidente no Brasil, Ademar Serodio, 57 anos e 33 trabalhando na empresa. De início, Serodio ganhou um posto de consultor mesmo não havendo conselho montado na companhia. Mas acabou na concorrência. Hoje ele é presidente para a América do Sul da Jafra Cosméticos. ?Virar conselheiro não pode ser considerado promoção?, reforça Lourdes Garcia, da Adecco. Só falta que as empresas percebam isso, se não quiserem perder bons profissionais ainda com muita energia para o trabalho.

Marta Barbosa