Atire a primeira pedra quem nunca pagou multa na locadora por ter esquecido de devolver o filme na data; jamais comprou uma roupa caríssima que até hoje não usou ou apostou dinheiro numa ação seguindo apenas a orientação dos amigos. Quase todo mundo já cometeu pelo menos um deslize financeiro na vida. Errar uma vez não chega a ser um problema. Perigoso é quando esses erros acontecem com tanta regularidade que deixam de ser percebidos como sinônimos de prejuízo. Tente calcular quanto já perdeu com eles e se verá diante do seu maior inimigo financeiro: você mesmo. ?Normalmente isso acontece com pessoas que preferem usar autodenominações do tipo consumista compulsivo ou desorganizado financeiramente do que encarar o problema?, diz Cássia D?Aquino, educadora financeira de São Paulo. Explicações do tipo ?não consigo lidar com o dinheiro? não convencem a orientadora. ?Qualquer pessoa pode lidar com dinheiro?, afirma Cássia. ?Por pior que seja nossa herança financeira, não existe segredo.?

Mais do que uma questão psicológica, esses comportamentos fazem parte de uma teoria financeira que começou a ser estudada nos anos 70 mas só ganhou notoriedade no final dos anos 90, com estudos do americano Myron Scholes, Nobel de Economia em 1996. Os fundamentos da teoria comportamental, como é chamada, mostram que também o mercado financeiro sofre os efeitos das atitudes incoerentes do investidor. Os estudos, acompanhados de perto aqui no Brasil pelo professor Mauro Halfeld, da Universidade Federal do Paraná, se referem ao grau de subjetividade que envolve uma decisão de investimento. Tudo pesa na definição de onde e como gastar dinheiro, menos a razão.

Halfeld resume em três os temperamentos mais comuns (e também mais perigosos) entre as pessoas que lidam com dinheiro. O
primeiro é a vontade de nunca perder, quando há grande aversão
ao risco. É o típico caso de alguém que prefere investir na poupança, mesmo com objetivos de longo prazo, só para não
sofrer os sobressaltos da renda variável. O segundo é
marcado pelo excesso de autoconfiança.

Quando o investidor acha que não precisa de orientação de um especialista e decide sozinho uma compra ou uma aplicação. E, por último, está a confiança sem limites nas análises de outras pessoas. Tudo certo se a confiança for nas pessoas certas, o que nem sempre acontece. É quando um analista de ações é substituído pelo colega de trabalho e um palpite do vizinho vale mais que todas as orientações de um especialista. Para passar de inimigo a aliado, comece evitando esses três comportamentos. Tome fôlego antes de uma decisão, evitando fazer uma compra ou aplicação financeira por impulso. Ninguém espera passar de gastador a organizado da noite para o dia. Este é um exercício diário. O caminho é não se conformar com o eterno perfil de um atrapalhado nas contas.

?O problema é que o lado emotivo é muito forte na vida financeira das pessoas?, explica Halfeld. ?O que poucos investidores percebem é que na economia tudo depende da reação dos agentes do mercado e o comportamento do aplicador é determinante.? Um exemplo de até onde a decisão de um investidor pode interferir no mercado são as chamadas ?opções da moda?. Quantas vezes você já ouviu de um amigo ou parente uma indicação de ação com alta rentabilidade ou de um novo fundo de investimentos cheio de atrativos? E quantas vezes você já aplicou por indicação? Só que nem sempre o que deu certo com uma pessoa, vai dar com você. A explicação é muito simples. ?Escolher o produto adequado significa considerar o seu perfil e as suas necessidades?, diz Betty Kitner, diretora do Financenter, site de finanças pessoais. Betty é taxativa na orientação: nunca se deve adquirir um produto por ?indicação? ou sem a orientação de um profissional. Isso não se aplica apenas ao mercado de ações. Alguém que resolve comprar um produto só porque é barato ou para aproveitar uma liquidação está cometendo o mesmo erro, em proporções diferentes, claro.

Agora, imagine alguém que prefere confiar na própria intuição do que na avaliação de um profissional. O analista José Costa Gonçalves, da Stock Máxima Corretora de Valores, sabe bem o que é isso. Ele lembra quando, no início da década de 80, foram lançadas as ações da Itautec. ?Recomendei a compra a todos que me questionavam porque o mercado previa uma supervalorização.? Foi o que aconteceu. Em poucas semanas, o ativo variou de R$ 10 até R$ 36. ?Foi quando recomendei a venda.? Gonçalves viu gente que teve o patrimônio investido duplicado e até triplicado. Um ano depois, uma investidora procurou Gonçalves com a intenção de se desfazer dos papéis que continuavam na sua carteira. ?Mesmo com minhas recomendações, ela acreditava que a trajetória de valorização não seria interrompida?, conta o analista. ?E perdeu metade do que aplicou.? Nem o pior inimigo faria melhor.