DINHEIRO ? Há dois anos, quando o presidente Lula visitou a China e o presidente Hu Jintao veio ao Brasil, falou-se muito de investimentos chineses. Por que eles não se concretizaram?
CHEN DUQING
? Projetos de infra-estrutura têm um ritmo próprio e conhecido. Começa com o estudo de viabilidade, estudos comparativos e análise das condições de cada projeto. A minha impressão é a de que há uma corte ansiosa por um lado e imediatista por outro. Não é a nossa cultura. Trabalhamos ao longo prazo. Mas há uma coisa que todo mundo conhece que é o custo Brasil. E vocês sabem disso melhor que a gente. Investimento em infra-estrutura não é como comprar uma passagem para Miami hoje e sair amanhã. Há projetos, como o pólo siderúrgico de São Luiz e a joint-venture entre a Baosteel e a CSN em Itajaí, que estão parados por falta de entendimento dos governos federal e estaduais.

DINHEIRO ? Isso pode resultar em retração dos investimentos?
CHEN
? É uma possibilidade. Mas é justamente para que isso não ocorra que eu faço um alerta: o Brasil precisa abrir a sua economia. Vocês estão atrasados em relação a China.

DINHEIRO ? Não soa estranho a China reclamar de um mercado fechado?
CHEN
? De forma alguma. A China recebe anualmente US$ 60 bilhões de investimento estrangeiro direto. Chegamos a US$ 72 bilhões, de acordo com o último relatório da Unctad. O Brasil não está conseguindo isso. Qual dos dois é mais fechado?

DINHEIRO ? Qual é, então, a solução?
CHEN
? A economia, cada vez mais, é globalizada. Uma coisa que eu noto é que o milagre brasileiro, do fim dos anos 60 e meados de 70, já foi. A infra-estrutura era muito bem-vista e, agora, mostra-se obsoleta. A China poderia ser um bom parceiro em grandes projetos. Precisa talvez do trabalho conjunto dos dois empresariados e do estímulo dos governos. Eu gostaria de lembrar que a Sinopec (estatal petrolífera) ganhou a licitação para o primeiro trecho do Gasene (gasoduto que ligará o Sudeste ao Nordeste). E o Banco de Exportação da China está disposto a financiar o restante da obra. A China não está falando por falar. Quando falamos de financiamento, temos de discutir os termos e isso leva tempo. Não se passaram nem dois anos da visita dos dois presidentes em 2004.

DINHEIRO ? Mas o que o Brasil precisa fazer para incentivar a migração de investimentos?
CHEN
? Em qualquer lugar do mundo essa é uma resposta fácil. Mas aqui não é bem assim. O Brasil sabe o que precisa fazer. Tanto é que vemos propostas de reformas tributária, previdenciária, política. Vocês sabem muito bem onde está o problema. Mas sempre aparece alguma dificuldade para solucioná-lo. Eu digo uma coisa que aprendi como cidadão chinês globalizado: pensem no País. Esqueçam discussões políticas e prestem mais atenção na movimentação internacional do mercado, do capital. É essencial para erguer uma nação.

DINHEIRO ? O sr. assumiu a embaixada em meio a pedidos de salvaguarda contra produtos chineses feitos pela indústria brasileira…
CHEN
? Isso é muito engraçado. Quando falamos de globalização eu me lembro de uma frase do embaixador Jório Dauster, de que alguns só querem globalizar os outros, não querem ser globalizados. Exportação e importação têm dois lados. É como a taxa de câmbio: quando muda, tem dois sentidos. Quando cresce a favor da moeda nacional, dificulta a exportação e facilita a importação. Quando a China entrou na OMC, houve pressões e tivemos de fazer certas concessões. Nós entendemos que as salvaguardas devem ser aplicadas em último caso. Nas trocas bilaterais, o Brasil é superavitário. Para um país com superávit, é até estranho acusar o outro lado de fazer dumping. Mesmo que houvesse dumping, não se pode usar a salvaguarda como uma espada de Dâmocles pairando acima da cabeça: ?Se você fizer isso, eu vou…? Isso não ajuda nada.

 

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“O setor de brinquedos teve uma proteção de dez anos e ainda queria mais”.

 

 

DINHEIRO ? A sua posição acabou sendo adotada pelo governo brasileiro, já que nenhum pedido de salvaguarda chegou à Câmara de Comércio Exterior. É um sinal de que a grita industrial era desnecessária?
CHEN
? Não vou acusar. Mas menciono alguns setores. O setor de armações de óculos deu entrada no pedido alegando que os nossos produtos custavam 18 centavos de dólar. É impossível isso ocorrer. O setor de brinquedos, por exemplo, teve uma salvaguarda de dez anos que terminou há cinco meses. E o presidente da Abrinq ainda queria mais. Salvaguarda não é salva-vidas. Mesmo com salva-vidas você precisa mexer as mãos para nadar até a praia. Se não houve uma reestruturação da indústria até agora, a culpa é nossa? O governo é contra qualquer concorrência desleal. Não se pode atribuir isso ao empresário chinês. O Ministério do Desenvolvimento foi muito correto na interpretação disso.

DINHEIRO ? Mas a principal reclamação é em relação à mão-de-obra barata…
CHEN
? Não se pode comparar custos de vida tão díspares. O nosso é baixo! Essa questão de salários está sendo distorcida. Algumas pessoas recebem menos? Isso é normal em qualquer parte do mundo. Além disso, não podemos nos esquecer do fator demanda. Temos, hoje, profissionais capacitados e uma demanda incrível. É claro que isso reduz a faixa salarial, mas não chega a ser um problema concorrencial. Vejo isso mais como um problema das empresas que do governo.

DINHEIRO ? E a pirataria?
CHEN
? Existe, sim, pirataria na China. O governo está combatendo duramente. Mas é uma coisa que existe no mundo inteiro. A Toyota, por exemplo, espalhou que estávamos copiando os seus modelos. Se isso fosse verdade, por que eles continuariam na China? Das 500 maiores multinacionais do mundo, 90% têm filiais lá. Temos nosso know-how. O resto é conversa fiada.

DINHEIRO ? Conversa fiada é exatamente o termo que os empresários brasileiros usam para pressionar o governo a rever a concessão do status de economia de mercado à China…
CHEN
? Concordo com o termo, mas não compartilho do emprego dele. A economia de mercado é uma realidade na China. Realidade que já foi ratificada por dezenas de países, inclusive europeus. O Brasil só fez a concessão política. Nem sequer ratificou isso. Eu vejo algumas pessoas afirmando: ?Já que a China não apoiou o Brasil na ONU, deveria rever a concessão.? Uma coisa não tem nada a ver com a outra. O que esperam de nós em troca? Vejo uma falta de informação. O Brasil apenas se inclinou numa direção que o restante do mundo já pulou o muro para acompanhar.

 

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“A Toyota espalhou que estávamos copiando seus modelos, mas isso é falso”.

 

 

DINHEIRO ? Esses atritos prejudicam o relacionamento bilateral?
CHEN
? Acho que não. Os atritos são sinais positivos no aprofundamento das relações. Atrito só há entre amigos íntimos. Para mim, o obstáculo maior é a falta de conhecimento entre os dois países. Os empresários brasileiros querem vender mais produtos manufaturados para a China. Antigamente, a China não produzia carros e comprava muito do Brasil. Agora, a China já produz carros. Para que vai importar? Mas autopeças, os dois lados fornecem um ao outro. Antes comprava cinescópio, TV. Agora, a China fabrica cinescópio e 80 milhões de televisões de plasma de primeiríssima qualidade. A China está evoluindo. O Brasil está perdendo tempo. Não podíamos viver nessa relação para sempre.

 

DINHEIRO ? Adaptando-se a essa realidade, existe algum produto manufaturado que o Brasil possa vender para a China?
CHEN
? Eu estive com o presidente da Abimaq, Newton Mello, e ele me disse que as máquinas de maior valor agregado são vendidas para a China, no valor do que o Brasil importa da China. A China vende em maior quantidade, por preço mais baixo, e o Brasil vende menor quantidade, por preço mais alto. Neste mês, a Abimaq vai abrir um escritório na China. Ela não vai só comprar, vai vender também. A Embraco já ocupa boa parte da produção chinesa. E a Embraer está contente com a fábrica instalada em Harbin. Esse é o caminho a seguir. No comércio é igual ao futebol: não consegue vender, é eliminado. Não se pode pedir que os outros esperem. É você quem deve andar mais rápido.

DINHEIRO ? Ao fim e ao cabo, todas as críticas têm como fundo o déficit comercial registrado com a China. Como o sr. vê essa inversão?
CHEN
? Em 1974, o comércio bilateral era de apenas US$ 17,4 milhões. No ano passado, segundo nossas estatísticas, ele pulou para US$ 14,8 bilhões. Em 32 anos de relações comerciais, a China só teve superávit em quatro ou cinco anos. O superávit atual é momentâneo. O dólar caiu, o real ficou mais forte e, com isso, mais fácil de importar. Uma coisa é fato: não estamos vendendo nada à força. São os brasileiros que estão comprando mais. Mas até o fim do ano essa relação pode voltar ao patamar natural. Temos muitas commodities a serem compradas até lá.

DINHEIRO ? Não são apenas empresários brasileiros que temem a China. A concorrência do País desperta receio em empresários de todo o mundo. Como a China vai lidar com isso?
CHEN
? Para mim, é uma questão de falta de conhecimento. Entre a China e os Estados Unidos, as relações comerciais são ótimas. A China vende muito, mas compra muito também. Do superávit que temos com eles, 85% é feito pelas multinacionais americanas. A China fica com uma fatia muito pequena. A maior parte do lucro está no bolso das multinacionais americanas. Não há razão para ficar assustado. Os consumidores norte-americanos pouparam mais de US$ 600 bilhões nos últimos anos com as importações da China. Essa complementaridade é benéfica para os dois lados e nos obriga a reestruturar a indústria. No passado, os Estados Unidos tiveram medo da concorrência japonesa na produção de aço. Agora, produzem muito aço e não temem mais os japoneses. Os americanos conseguiram virar a situação. O empresariado brasileiro também pode fazer o mesmo.