19/02/2003 - 7:00
A declaração de guerra partiu do Palácio do Iguaçu, em Curitiba. Quem a desferiu foi o governador do Paraná, Roberto Requião, que comprou uma briga bilionária com uma das maiores instituições financeiras do País: o Itaú, da família Setubal. O motivo da disputa, que pode colocar em xeque o modelo de privatização de bancos públicos, é o controle dos recursos movimentados pelo governo paranaense, como os salários dos servidores, o pagamento de fornecedores e a arrecadação estadual de impostos. Hoje, esse dinheiro cai diretamente nos cofres do Banestado, que foi adquirido pelo Itaú em 2000. É uma bolada de R$ 1 bilhão por mês. E de acordo com um documento firmado na gestão anterior, pelo ex-governador Jaime Lerner, esses recursos teriam que ser depositados com exclusividade no Itaú até 2010. É justamente esse o ponto da discórdia. ?O contrato é absolutamente imoral?, disse Requião à DINHEIRO. ?Por que eu tenho de amarrar a minha administração e aceitar condições e juros impostos pelo Itaú??, indagou.
Na prática, Requião já começou a se mexer para ter a liberdade de aplicar os recursos onde bem entender. No dia 6 de fevereiro, o procurador geral do Estado, Sergio Botto de Lacerda, ingressou com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. O argumento é que a própria Constituição Federal determina que os recursos estaduais têm que ser mantidos em bancos oficiais. Além disso, a privatização previa que os recursos do Paraná ficariam no Banestado somente até 2005. Mas no fim do seu mandato, em dezembro de 2002, Jaime Lerner prorrogou esse prazo por outros cinco anos. Ou seja: até 2010. ?A administração anterior resolveu conceder um favor a mais ao Itaú?, disse o procurador Lacerda. Caso vença no Supremo, Requião irá transferir os recursos do Paraná para o Banco do Brasil ou para a Caixa Econômica Federal. Requião também acusa o Itaú de ter transferido créditos do Estado paranaense ao banco de investimentos Goldman Sachs. ?Cederam o que não era deles?, disse.
A privatização do Banestado, até agora, tem sido um bom negócio para o Itaú. O banco gerou grande parte de seus lucros recentes com créditos tributários de instituições estaduais privatizadas, como o Banerj, o Bemge e o Banco do Estado de Goiás. No caso paranaense, o valor pago no dia 16 de outubro de 2000 foi de R$ 1,6 bilhão, com ágio de 303% em relação ao preço mínimo. Mas o banco, com R$ 6,7 bilhões em ativos e 552 mil clientes, possuía na época créditos tributários que também somavam R$ 1,6 bilhão. Em todas as privatizações de bancos públicos, como a do Banespa, os compradores receberam garantias de manutenção de depósitos. Por isso, uma decisão no Supremo favorável a Requião pode ter duas conseqüências diretas: estimular ações semelhantes de outros governadores ou até provocar movimentos de reestatização. ?O Itaú pode se sentir no direito de devolver o Banestado ao Paraná e entrar com ações indenizatórias?, disse o executivo de um grande banco de investimentos à DINHEIRO. ?Sem o dinheiro do Estado, o banco vira uma instituição totalmente diferente?.
Nas suas primeiras semanas de trabalho, Requião tem dedicado grande parte de seu tempo a revisar contratos feitos na gestão anterior. Além do caso Itaú, o governador paranaense preparou outra medida bombástica: a retomada da Sanepar, empresa de saneamento local, hoje administrada pela francesa Vivendi e pelos grupos Andrade Gutierrez e Opportunity (leia box abaixo). Requião não teme que essas iniciativas provoquem danos à imagem do Paraná. ?Se houver uma repercussão internacional, ótimo?, disse. ?Os ladrões lá de fora vão aprender que aqui as coisas são diferentes e os banqueiros daqui vão saber que o dinheiro
do Paraná é dos paranaenses.?
A PRIMEIRA REESTATIZAÇÃO |
Além de brigar com um dos maiores bancos do País, Roberto Requião também decidiu retomar o controle da única empresa de saneamento estadual que é administrada pela iniciativa privada. Trata-se da Sanepar, em que 40% das ações de controle foram adquiridas pelos grupos Vivendi, Andrade Gutierrez e Opportunity. ?O contrato será anulado?, disse Requião. De acordo com o procurador Sérgio Lacerda, os sócios compraram as ações por um terço do valor patrimonial e, mesmo sendo minoritários, passaram a controlar a empresa. ?Indicam o diretor financeiro, o diretor de investimentos e podem vetar qualquer tipo de iniciativa do Estado?, disse Lacerda. O que revoltou Requião foi o fato de seu antecessor, Jaime Lerner, tem postergado o pagamento de uma dívida da Sanepar de R$ 199 milhões em relação ao governo estadual. A dívida venceria em 2002, mas o pagamento foi adiado para 2011. Requião também tem investigado contratos de informática, como o do Detran paranaense, que foi fechado com uma empresa do Rio de Janeiro por R$ 108 milhões, embora o próprio governo tenha uma empresa de processamento de dados: a Celepar. Outro, de R$ 17 milhões, foi fechado com uma companhia cuja sede é um escritório de contabilidade com apenas dois estagiários. ?Estou estupefato com tudo o que estou encontrando?, disse Requião. |