Mao Tsé-Tung é uma das figuras mais idolatradas da China. Fundador do Partido Comunista, ele foi líder da revolução socialista e dirigiu a nação chinesa por quase 30 anos, até morrer em 1976, aos 83 anos. Ainda hoje, milhares de pessoas visitam em Pequim o mausoléu do Grande Timoneiro, como é conhecido, para ver o corpo do líder embalsamado, no interior de um caixão de vidro. Conhecido por sua frugalidade e simplicidade na vida privada, seguramente o velho Mao tinha tudo para se revirar no caixão, na semana passada, com a revelação de que sua neta, Kong Dongmei, de 41 anos, está entre as pessoas mais ricas da China, que ele e seus comandados libertaram do capitalismo. Kong foi apontada pela revista chinesa New Fortune como a dona do 242º maior patrimônio do país, com uma fortuna estimada em US$ 815 milhões. 

 

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Kong Dongmei: neta de Mao Tsé-Tung é dona de uma fortuna

de US$ 815 milhões. Parte dela vem da venda de livros sobre o avô

 

Kong é proprietária de um restaurante, uma editora e uma livraria, na capital chinesa. Sua maior fonte de riqueza, porém, vem do marido, Chen Dongsheng, dono de uma casa de leilões chamada Guardian e acionista e presidente da seguradora Taikang, que administra uma carteira de US$ 55 bilhões. A presença de Kong na lista chamou a atenção do mundo e gerou polêmica na China, onde ela é acusada de ter traído os ideais igualitários de seu avô. O presidente Mao nos conduziu à erradicação da propriedade privada, mas sua progenitora se casou com um capitalista e violou a política de planificação familiar”, escreveu em uma rede social Luo Chongmin, um conselheiro do governo, baseado no sudoeste do país, referindo-se ainda ao fato de ela ter três filhos, o que fere a lei do filho único. 

 

A formação de Kong também se distancia bastante dos costumes chineses. Ela estudou na universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Ao voltar à sua terra natal, em 2001, abriu uma livraria e fez fortuna se especializando na venda de obras que exaltam a chamada “nova cultura vermelha”, uma visão atual da causa proletária liderada por seu avô e que deu origem à China comunista em 1949. É justamente dessa nova China que Kong passou a ser um dos maiores símbolos, ao ter seu nome estampado na lista milionária. Ela é o retrato dos resultados de uma economia que, a partir de 1977, passou a adotar um sistema socialista mais descentralizado e que, em 1984, abriu o mercado para as empresas estrangeiras, por meio de parcerias com companhias locais. 

 

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O grande timoneiro: líder da revolução socialista, Mao Tsé-Tung governou a China

por 30 anos e pregava frugalidade e simplicidade na vida privada

 

Desde então, a China tem registrado os melhores índices de crescimento do mundo. De 2001 a 2011, seu PIB avançou 461%. Já a renda per capita de 1,3 bilhão de chineses aumentou 422% no mesmo período, segundo dados do Banco Mundial. “A taxa de crescimento que no Brasil caracterizou o período do milagre econômico, para eles tem sido o ritmo de expansão natural nos últimos 30 anos”, afirma Gilmar Masiero, coordenador do programa de estudos asiáticos da Universidade São Paulo. A neta de Mao Tsé-Tung faz parte de uma nova geração de empresários que surfam nessa onda de prosperidade e que, em muitos casos, se beneficiaram da obrigatoriedade das parcerias das multinacionais com grupos locais, além, é claro, de valer-se de sua árvore genealógica. 

 

“Muitos chineses, a maioria deles ligada ao partido comunista, enriqueceram como sócios de companhias estrangeiras”, afirma Evaldo Alves, coordenador do curso de Negócios Internacionais e Comércio Exterior da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. É o caso da seguradora comandada pelo marido de Kong, que tem entre seus sócios o grupo americano Goldman Sachs. “Na época de Mao Tsé-Tung era impossível um chinês ser rico”, diz Alves. Essa nova safra já chama a atenção no ranking dos mais ricos do mundo, publicado anualmente pela revista Forbes. De 2008 para 2013, o número de bilionários da China saltou de 70 para 122. Quem sabe, nos próximos anos, Kong passe a integrar também essa lista. Afinal, pedigree não lhe falta.

 

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