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WAL-MART EM SÃO PAULO Compra da rede Bompreço marca primeira grande aposta do grupo no Brasil

 

 

Esqueça quase tudo o que você aprendeu sobre capitalismo moderno e gestão corporativa. Neste exato momento, esses dois conceitos estão sendo reescritos por milhões de consumidores no caixa de uma das 3.500 lojas Wal-Mart ao redor do mundo. A empresa fundada por Sam Walton em 1962, que chegou ao Brasil em 1995, tornou-se o maior varejista do mundo e o maior empregador privado do planeta dando de ombros às fórmulas convencionais de sucesso. Enquanto todos os manuais dizem que é preciso paparicar a mão-de-obra, o Wal-Mart nadou na direção oposta. Combate a sindicalização, paga salários 20% menores do que os concorrentes, resiste em remunerar horas extras e é espantosamente mesquinho quando se trata de planos de saúde. Sua política de preços é igualmente extravagante. Em vez de comprar barato e vender por um preço que garanta uma boa margem de lucro, a empresa repassa aos consumidores as reduções de preço que consegue na condição de maior comprador do planeta. É assim que o Wal-Mart consegue vender uma cafeteira por US$ 5, quando nas lojas em volta está se pedindo US$ 14. Ou então oferecer a
US$ 28 um DVD que outras cadeias americanas vendem por US$ 49. Como a empresa faz tais transferências de renda para os consumidores (que somam até US$ 12 bilhões por ano) e ainda
obtém margens operacionais de 25% é um enigma contábil.

Na semana passada, enquanto a direção do Wal-Mart brasileiro discutia em Recife a absorção da rede de supermercados Bompreço ? cuja compra, em fevereiro deste ano, transformou a cadeia de Bentonville na terceira potência do ramo no Brasil ? um grupo de 250 cientistas sociais americanos se reunia na Califórnia para discutir exclusivamente o que chamam de Fenômeno Wal-Mart. Os historiadores, antropólogos e economistas acreditam que a rede tornou-se tão grande que passou a influenciar o meio ambiente, as relações de trabalho e os hábitos de consumo globais, alterando o cenário econômico e social a seu redor. Esse poder, e a forma como foi conquistado em apenas quatro décadas, constitui uma lição para todos, não apenas para os supermercadistas.

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WALTON VIVE Personalidade incorporada à cultura WM

Graças ao gigantismo do Wal-Mart, que entre outras proezas compra
US$ 15 bilhões por ano da China,
há uma espécie de revolução macroeconômica na esteira dos seus procedimentos. A teoria econômica a.WM (antes do Wal-Mart) pregava que a prosperidade é criada quando as grandes empresas pagam bons salários e seus milhões de funcionários podem ir às compras como consumidores abastados. O Wal-Mart desdenha essa lógica. Do alto de um faturamento anual de US$ 256 bilhões, sua contribuição ao ciclo econômico mundial consiste em três itens: pressionar os fornecedores para reduzir preços, usar tecnologia digital de primeira linha para baratear a gestão de seus estoques e, finalmente, pagar aos seus 1,6 milhão de funcionários o menor salário possível, encolhendo os custos da empresa. Ao contrário do que fizeram General Motors e General Electric na construção da economia americana, o Wal-Mart não massifica a prosperidade, ele produz deflação. ?Nós permitimos que as pessoas comprem mais gastando menos. Isso é como dar um aumento?, disse à DINHEIRO Bill Wertz, diretor de Relações Internacionais da empresa. ?Competindo, nós ajudamos a melhorar a vida dos trabalhadores.? Talvez essa seja apenas uma nova forma de fazer a mesma coisa, mas talvez seja
um jeito novo de girar para trás a roda da história, levando o capitalismo de volta aos comportamentos darwinistas do século
19. Por enquanto ainda não se sabe.

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TRIUS, DO BRASIL: Aqui, o predador Wal-Mart ainda é um patinho feio

 

?Em cada época da história uma empresa parece incorporar um conjunto inédito e inovador de estruturas econômicas e relações sociais?, diz o historiador Nelson Lichtenstein, organizador do encontro na Califórnia. Tudo sugere que o Wal-Mart seja a bola da vez. Um artigo recente do Denver Post, do Colorado, diz que os efeitos sociais das 150 lojas que o Wal-Mart abre todos os anos nos Estados Unidos são tão controversos que a sociedade americana está se dividindo entre os que gostam e os que não gostam da empresa. ?O movimento anti-Wal-Mart foi além do simples protesto e se transformou em fenômeno social?, afirma o jornal. Embora em muitos locais os investimentos e os 500 empregos de cada loja da cadeia sejam bem-vindos, em outros, como a Califórnia, comunidades inteiras se movimentam para impedir sua instalação. Prevalece, entre os grupos de protesto, a impressão de que o Wal-Mart é um predador econômico pronto a devorar o comércio local nas regiões em que se instala. ?Qual é a alternativa??, pergunta Wertz, o diretor da empresa. ?Deixar que outras lojas cobrem mais do que as pessoas podem pagar apenas para manter as tradições? Eu não entendo essa lógica.?

Por trás dessa conversa dura está a chamada Cultura Wal-Mart. Ela emanava da personalidade empreendedora de Sam Walton e foi transformada, depois da sua morte em 1992, em um conjunto de normas que rege a empresa. Vistas de fora, as idéias de Walton parecem um catecismo simplório. Vistas do interior da empresa, constituem um guia de conduta que ajuda a explicar sua magia. Os pilares dessa doutrina são três ? o consumidor vem sempre primeiro, todo mundo envolvido no negócio tem de ser tratado com respeito e a busca da melhoria tem de ser permanente. Sobre esses princípios apoiam-se procedimentos revolucionários, como a tecnologia. O Wal-Mart, no intuito de melhor conhecer seu consumidor, montou o segundo banco de dados do planeta, que só tem menos informações do que os computadores do Pentágono. De posse desse arsenal competitivo, a empresa passou a partilhá-lo com seus fornecedores, fazendo com que se tornassem co-administradores de suas lojas. Cada vez que um produto passa no caixa soa um aviso nos computadores do fornecedor, acionando as engrenagens de reposição. O sistema funciona tão bem que as lojas Wal-Mart operam praticamente sem estoques ? com apoio entusiástico dos fornecedores, que passam a vender em uma escala nunca antes vista. A Levis, por exemplo, fechou um acordo exclusivo com a empresa e viu suas vendas subirem 9,7% em três meses. A contrapartida é o preço baixo. O Wal-Mart é obsessivo na redução de custos e quem negocia com ele tem de aceitar essa regra. Como a empresa compra no mundo inteiro, os efeitos dessa política deflacionária vão se espalhando. Nas lojas do Wal-Mart americano
as mercadorias custam em média 15% menos que na concorrência.
No Brasil, onde a empresa dirigida por Vicente Trius ainda não emplacou, a diferença está em torno de 7%. Agora, com a compra
do Bompreço, o Wal-Mart ganhou peso para impor-se aos fornecedores. Com 148 de suas 173 lojas e dois terços do seu faturamento de R$ 5,7 bilhões concentrados na região Nordeste, poderá testar suas garras. Por enquanto, o predador que os americanos chamam de a Besta de Bentonville não passa de
um tímido patinho feio. Aqui, o Wal-Mart não tem mistério.

10 MANDAMENTOS DE SAM WALTON
O segredo do sucesso do Wal-Mart segundo seu fundador
1. Comprometa-se com seu negócio. Acredite nele mais do que qualquer outro.
2. Divida os lucros com todos os seus colaboradores e os trate como parceiros.
3. Motive os seus parceiros. Dinheiro e ações não são suficientes. Estabeleça objetivos elevados, estimule a competição.
4. Comunique tudo o que você puder aos seus colaboradores.
Quanto mais eles souberem, mais entenderão.
5. Demonstre reconhecimento por tudo o que seus colaboradores fazem pela empresa. Todo mundo gosta de ser reconhecido.
6. Celebre seus sucessos, encare seus erros com bom humor, não se leve tão a sério. Relaxe.
7. Escute todo mundo na sua empresa e arrume um jeito de mantê-los falando.
8. Ultrapasse as expectativas dos seus consumidores. Se você fizer isso, eles voltarão todos os dias.
9. Controle suas despesas melhor do que seus competidores. É aí que você vai encontrar sua vantagem competitiva.
10. Nade contra a corrente, ignore o senso comum e prepara-se para ser criticado.

 

A BESTA DE BETONVILLE
Números que fazem do Wal-Mart
o varejista mais temido do mundo
Faturamento:
US$ 256 bilhões, o maior do planeta
Presença:
está em 11 países, lidera em três

Crescimento:
11,6% em 2003. Dobra de tamanho a cada quatro anos

Caixa:
tem US$ 15 bilhões para aquisições

Empregos:
1,6 milhão. Maior empregador do planeta

Poderio:
detém 8% do varejo americano, o maior do mundo

Expansão:
gasta US$ 1 bilhão por mês em compras de terras

Expansão II:
abre 300 novas lojas a cada 12 meses

Impostos:
paga US$ 5 bilhões por ano
Preços:
15% abaixo da média do varejo global

Deflação:
ajuda a reduzir em 1% a inflação americana

Compras:
é responsável por 10% das exportações da China