29/08/2022 - 16:12
Existe uma visão missionária para muitos ‘pais’ e ‘mães’ do ambiente digital que sempre esperaram da internet – e da web – uma espécie de solução para todos os problemas do mundo. A Democracia com D em caps lock e em seu estágio máximo. Traduzida em um universal festival holístico-pacífico para curar o planeta doente. Sentimento que o Google sintetizou em seu motto de muito tempo, o “Don’t Be Evil”. Há quatro anos a empresa foi obrigada a colocar a frase no armário. Porque a Alphabet começou a ser questionada. Pela concentração de receita, pelos filtros imperfeitos no YouTube, pelas regras de remuneração de conteúdo gerado por terceiros, em especial grupos de mídia, pelas práticas de bilhetagem na Play Store… Um arsenal de críticas que não é exclusividade da companhia, aliás. Todas as demais Big Techs (Amazon, Apple, Meta e Microsoft) passam, em maior ou menor grau, pelos mesmos questionamentos. Essa sensação de que a internet se transformou num espaço centralizado, com donos, incomoda muita gente. Vem daí o movimento Web3.
Para falar dele é preciso recuar brevemente à criação da grande rede mundial de computadores ao longo dos anos 60, por pesquisadores especialmente radicados (mas não apenas) nos Estados Unidos. Rede que conectaria nas duas décadas seguintes organismos de governo, institutos e universidades, espalhando conhecimento. Mas era algo restrito a pesquisadores e especialistas. Até a virada de 1989 para 1990, quando o inglês Tim Berners-Lee (com ajuda do belga Robert Cailliau) desenvolveu no Cern (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) o protocolo world wide web (www) que permitiria dar acesso universal à troca de documentos (arquivos de texto, áudio, foto & vídeo). Criou-se a navegação para a grande rede e em cerca de quatro anos o fenômeno explodiu, fazendo nascer em quatro anos o que conhecemos como internet comercial – no Brasil, oficialmente desde 1995, segundo a RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa). A primeira fase da web, essa da descoberta, na segunda metade dos anos 80, era a web da inocência. Deu lugar a uma segunda geração, a em que vivemos neste milênio. E ela que se tornou, para muitos, opressiva e centralizadora. Uma máquina de gerar concentração e desigualdade, e não o contrário.
Para combater essa Web2 nasceu o movimento Web3.De acordo com a W3 Foundation, eles acreditam numa internet baseada em três princípios:
- Usuários possuem seus próprios dados, e não as corporações.
- Transações digitais globais deverão ser seguras.
- Trocas on-line de informação e valor são descentralizadas.
A W3 Foundation afirma em uma espécie de manifesto que sua “MISSÃO é nutrir soluções de ponta para protocolos de software web descentralizados” e “nossa PAIXÃO é entregar a Web 3.0, uma internet descentralizada e justa, na qual os usuários controlam seus próprios dados, sua identidade e deu destino”. À frente da fundação estão três nomes. Gavin Wood, doutor em Ciência da Computação pela Universidade York; Aeron Buchanan, doutor em Robótica pela Universidade de Oxford; e o matemático Reto Trinkler. Todos são ligados desde o início o projeto que originou a criptomoeda ethereum, do qual Wood é cofundador. Wood cunhou o termo Web3 há oito anos, mas somente agora ganha status de discussão universalizada – foi post de Jack Dorsey, fundador do Twitter – e já está por trás da missão, da cultura, ou do slogan das startups de vanguarda.
Wood tem uma lógica simples: a Web1 (também conhecida por 1.0) começou com a ideia de ser aberta e descentralizada, mas logo veio a Web2 (ou 2.0), que levou ao nascimento de um pequeno punhado de megacorporações, todas com receitas bilionárias em dólar e valor de mercado na casa do trilhão de dólares ou a caminho, que têm em comum uma forte influência sobre toda a internet, em especial pela infraestrutura que detêm na rede. “O grande problema com isso é que é mais ou menos a mesma coisa que colocar todos os ovos na mesma cesta”, disse Wood num podcast da rede de economia CNBC. “Se algo der errado…”.
Se a Web1 estava baseada em hyperlinks, e a Web2 se dá nas redes sociais, a Web3 será fundamentada na tecnologia e fará, segundo seus adeptos, finalmente a máquina (tecnologia, algoritmos e inteligências de todo tipo) trabalhar em colaboração com os humanos e não para ser inimiga deles. Basicamente a nova web se dará na nuvem, que vai baratear e simplificar ainda muito a armazenagem e a transmissão de dados, e na solução blockchain. Não à toa o trio da W3 Foundation nasceu da ethereum.
Blockchain será algo decisivo nesse novo universo da internet em que um paradoxo deverá ser equacionado: a privacidade pode caminhar junto da transparência. Porque o blockchain poderá levar ao gatuno que se apropriou indevidamente no roubo de dinheiro do governo via uma fundação municipal, estadual ou federal qualquer, por garantir o registro detalhado de uma jornada (a do dinheiro público, por exemplo). Ao mesmo tempo, meus dados não pertencerão mais ao Google ou ao Facebook. Pertencerão a mim. A Web3 tem tudo para resolver as anomalias da Web2. Fará nascer outras, é certo, mas isso será problema da Web4. Por ora, estaremos entrando sim numa nova fase do mundo digital. Uma em que a tecnologia se aproxima de discussões éticas.