No filme Annie Hall – que no Brasil recebeu o título de Noivo neurótico, noiva nervosa – a protagonista, a atriz Diane Keaton, comenta, ao desembarcar em Los Angeles: “é tão limpo aqui”. A resposta de seu parceiro, o personagem vivido pelo comediante, diretor e roteirista Woody Allen, vem rápida: “É porque eles não jogam o lixo fora, usam para fazer programas de TV”. O bem-humorado diálogo do longa mostra como o cineasta não nutre muita consideração pela produção televisiva em seu país. Mas, numa época de profundas transformações do show business americano, até Allen se rendeu à telinha.

O responsável por convencê-lo a aderir ao movimento foi a Amazon, de Jeff Bezos, que o contratou para que crie a primeira série de sua longa carreira, após 45 filmes. Mas não foi apenas com esse anúncio, entre os feitos pela empresa de internet nas últimas semanas, que o site de comércio eletrônico indicou ter entrado de vez no mundo das grandes produções audiovisuais. Em janeiro, além de fechar a contratação de Allen, a Amazon conquistou o Globo de Ouro de melhor série cômica de 2014, com uma de suas primeiras produções, Transparent, sobre um homem que assume a transexualidade.

A surpreendente premiação foi seguida por um anúncio ainda mais inesperado, no dia 19 de janeiro. A Amazon prometeu produzir 12 filmes anualmente. Eles estrearão no cinema e num período de quatro a oito semanas depois chegarão ao site. Os planos da Amazon só não causaram maior espanto por não serem exatamente inéditos em termos de migração da internet em direção às telonas. No ano passado, o site de reprodução de filmes Netflix, que possui 53 milhões de assinantes do seu serviço em todo o mundo, anunciou um acordo para desenvolver obras inéditas com a produtora Weinstein Company. Antes de iniciar sua empreitada cinematográfica, a empresa de Reed Hastings já conseguiu sucesso com séries próprias, como House of cards e Orange is the new black.

O interesse da Amazon e da Netflix em concorrer com os estúdios de Hollywood é explorar o potencial da tela grande e aumentar o número de clientes de suas ofertas. A Amazon pretende estimular as contratações do seu serviço Prime, voltado para quem deseja receber encomendas mais rapidamente, e que agora se expande para a oferta de filmes online exclusivos. “O Prime não é apenas um novo modelo de negócios de Hollywood”, afirmou, em entrevista à rede de TV americana CNBC, Barry Diller, um dos mais notórios remanescentes da geração de produtores surgida nos anos 1970, e que hoje está à frente do grupo IAC/InterActiveCorp, dono de empresas de internet. “Ele varre o modelo tradicional para sempre.”