26/06/2002 - 7:00
Quando universitários e cabeludos eles cantaram Caminhando, de Vandré, balada da revolução socialista pátria, cujo título original ainda soa com extremo lirismo ? Pra não dizer que não falei das flores. Hoje comandantes de grandes empresas, empenham-se em embalar uma contra-revolução industrial no capitalismo brasileiro, a onda do desenvolvimento verde, armando trincheiras em nome de uma organização não-governamental de prestígio mundial, a WWF?Fundo Mundial para a Natureza. Impressiona a linhagem e o porte dos atuais membros do Conselho Diretor dessa ONG: José Roberto Marinho (Globo); Guilherme Leal (Natura), Mário Frering (Caemi), Álvaro de Sousa (Citibank e AmCham), Roberto César Andrade (Brascan), Maria Christina de Carvalho Pinto (FullJazz Publicidade), Pedro Sirotsky (RBS), Haakon Lorentzen (Grupo Lorentzen) e Joseph Safra (Banco Safra). Chama atenção, ainda, a lista de fundadores e de ex-dirigentes, muitos deles da geração desenvolvimentista dos anos 50: José Ermírio de Moraes (Votorantim), Lázaro de Mello Brandão (Bradesco), José Mindlin (ex-Metal Leve). Na semana passada, boa parte deles deixou de lado por um dia inteiro suas empresas para discutir, em São Paulo, os rumos ambientais do País e o reforço à WWF, entidade que conta com um caixa de R$ 10 milhões anuais, o maior do País no ramo.
Há hoje meia centena de empresários desse porte que, mais do que meros simpatizantes, viraram militantes da WWF e arregaçam as mangas pela causa ambientalista. Ainda sonhando com flores? ?A cidadania empresarial está começando a crescer no Brasil e é uma onda pragmática?, explica Álvaro de Sousa, do Conselho do Citibank e presidente da Câmara Americana de Comércio (Amcham). Guilherme Leal, presidente da Natura, acrescenta: ?Além de gerar empregos, nossas empresas têm um grande poder de disseminar novos valores. É um negócio inteligente investir em causas sociais, educacionais e ambientais. Isso cria algum tipo de cumplicidade com o consumidor e aumenta a respeitabilidade da marca?. José Roberto Marinho, responsável pela Fundação Roberto Marinho e pelo canal de TV Futura, é sem dúvida o mais engajado do grupo. Há seis anos ele tem usado sua força para recrutar nas fileiras do capitalismo novos militantes da causa ambientalista. ?Antes havia uma barreira ética: quem fazia trabalho filantrópico não poderia tirar vantagem financeira. Hoje é o contrário: a idéia é criar oportunidades de negócios com a preservação do meio ambiente, no caminho contrário ao da revolução industrial?, explica Marinho.
Há boas razões para que a WWF esteja no centro dessa onda verde. É a maior e mais antiga organização ecológica do mundo, fundada há 40 anos, na Suíça, pela nobreza européia. Hoje tem 5 milhões de filiados, atua em 96 países e tem entidades independentes em 29. A WWF-Brasil é uma delas. Essa ONG chegou ao Brasil em 1971 e se tornou conhecida pela defesa do mico-leão-dourado. Hoje toca 74 projetos no País, entre 80% e 90% com dinheiro arrecadado no exterior. O HSBC britânico, por exemplo, está doando 5 milhões de dólares, em cinco anos, para um projeto de recuperação de águas doces no Brasil. São os membros do Conselho, com seus sobrenomes Marinho, Frering e Carvalho Pinto, quem ajudam a WWF a abrir as portas do capital nacional, em doações diretas ou ajudas indiretas.
Há reciprocidade para as empresas. Primeiro porque essa entidade prega a exploração racional da natureza, e não a simples preservação das florestas ? como as chamadas ONGs eco-xiitas. Ademais, a logomarca da WWF, com um simpático ursinho panda, é uma das mais conhecidas do mundo. ?A ecologia é hoje associada à qualidade de vida, à racionalidade e às empresas com visão de futuro?, diz Garo Batmanian, secretário-geral da WWF Brasil, que, apesar do nome, é carioca. ?Por isso está dando retorno mercadológico associar o nome das empresas à nossa marca.? Na semana passada, por exemplo, a rede de hotéis Meliá começou a pedir de seus hóspedes um real em doação para a WWF. Também está disponibilizando em um dos hotéis de São Paulo dois andares ecológicos, com aromatização anti-stress à base de óleos essenciais, travesseiro de ervas, sabonete glicerinado, xampu biodegradável e cestos para lixo reclicável. O modelo já deu sinais de sucesso e será implementado em outros hotéis da rede. Outro exemplo é de uma linha de móveis da WWF, só com madeira certificada, e design Orro & Chistiensen. São bastante caros, mas as vendas estão indo muito bem, obrigado. Em São Paulo, uma loja do Shopping Villa-Lobos, a Projeto Terra, associou a venda desses móveis a uma exposição de fotografias ecológicas, com o sugestivo título A Anti-Revolução Industrial. Afinal, da mesma forma que um dia se pregou a revolução vermelha, agora é très chic ser verde pra falar das flores.