A Guerra do Vietnã, considerada a mais amarga derrota militar dos EUA, acabou em 1975. Causou a morte de dois milhões de vietnamitas e levou 12 milhões ao exílio. Um dos sobreviventes que deixou o país foi Thai Quang Nghia, o mais novo de oito irmãos. Ele partiu sem rumo, em 1978, numa embarcação precária, com alguns compatriotas. Passou três dias à deriva em alto-mar e foi resgatado por um navio da Petrobras. Em 1979, Nghia chegou ao Rio de Janeiro, em pleno Carnaval. Ele tinha 21 anos, falava francês e inglês e recebia meio salário mínimo da ONU. Passou fome e bebeu água de poças nas ruas cariocas antes de se mudar para São Paulo. Teve uma grande idéia e virou industrial.

Vinte e cinco anos depois, Nghia decidiu resgatar suas raízes e lançar uma linha de produtos inspirada nas sandálias usadas por soldados vietnamitas durante as guerras. E ficou rico com isso. As sandálias originais, chamadas ?dép? (?calçado prático?, em vietnamita), eram feitas dos restos de pneus dos jipes destruídos nas batalhas. As atuais, lançadas em 2004 e chamadas Yepp, também vêm de pneus, mas dos inutilizados por caminhoneiros. Os pneus são reciclados e vulcanizados e se transformam nas solas das papetes. As tiras são feitas das câmaras dos pneus e não são coladas, mas encaixadas na sola do calçado, o que permite que elas sejam recombinadas ao gosto do freguês. ?Se as sandálias não fossem boas, não vestiriam um exército inteiro por tantas décadas?, justifica o empresário. Há ainda a linha de mochilas, bonés e tênis feitos de lona de caminhão reaproveitada.

A criação de Nghia faz sucesso entre os brasileiros, especialmente no Nordeste, região responsável por 75% das vendas. Atualmente, os produtos Yepp são comercializados em lojas multimarca como Renner e C&A e outras de menor porte. Mais de um milhão de unidades já foram vendidas e renderam um faturamento de R$ 12 milhões em 2004. Agora, Nghia se prepara para se tornar varejista. Vai abrir três lojas, uma na Bahia, uma em São Paulo e outra no Rio e turbinar a marca no Sudeste. ?Minha meta é vender 210 milhões de unidades de produtos Yepp no Brasil até 2014, porque essa é a população estimada para esse ano?, planeja. A loja de São Paulo, que deve ser na badalada rua Oscar Freire, custará R$ 300 mil.

Nghia começou a erguer seu pequeno império quando recebeu algumas bolsas de um amigo de quem era credor. Vendeu os produtos de porta em porta e acabou fundando a Domini, uma fábrica de bolsas e calçados que, entre outras coisas, fornece necessaires para a Avon. Sua menina dos olhos, porém, é a Yepp. É dela que esse vietnamita mirrado, de 47 anos, que odeia tirar fotos, fala com orgulho. Ele insiste que não vende um produto, mas uma proposta de vida que inclui conceitos como originalidade e tolerância. Por isso, o empresário quer que seus parceiros (ele não usa os termos franquia e franqueados) ambientem as lojas com o conceito oferecido pela marca. ?Prefiro uma lojinha bem ambientada a uma C&A, onde meus produtos somem e minha proposta não é transmitida ao cliente?, afirma. Para atender à demanda crescente por seus produtos, ele está investindo R$ 2 milhões em uma nova fábrica em Feira de Santana (BA), que será inaugurada em abril. ?Teremos capacidade para fabricar 150 mil pares por mês e o foco é o mercado nacional. As exportações representam menos de 1% dos meus negócios. Quero devolver ao País que me acolheu tudo que ele me deu?, diz Nghia.