Existem fenômenos que só grandes crises são capazes de produzir. Um deles – talvez o mais evidente de todos – é o poder de influenciar enraizados hábitos de consumo. Desde a formação da atual geografia econômica mundial, em que o Norte rico compra o que o Sul pobre fabrica, foram raros os exemplos de nações sulistas que conseguiram escapar dessa realidade. Hoje, a configuração do consumo está em clara mudança. O maior mercado capitalista do mundo, os Estados Unidos, nunca esteve tão receptivo a brasileiros, indianos, russos e chineses – especialmente aos brasileiros. Nas últimas décadas, os americanos construíram um império baseado em uma cultura de consumir, consumir e consumir. 

 

Eles nunca haviam precisado dos estrangeiros para movimentar sua economia interna. Hoje precisam. Nas grandes lojas de departamento de Miami, na Flórida, um dos destinos mais sedutores ao bolso dos latino-americanos, os brasileiros passaram a ser tratados como reis. Afinal, motivados por uma economia aquecida, por um dólar desvalorizado e por baixos impostos – em comparação ao Brasil, é claro –, gastamos como nunca.

 

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No início do mês, a maior rede de eletrônicos dos Estados Unidos, a Best Buy, distribuiu em todas as suas unidades uma recomendação expressa aos funcionários: estudar português. Nem precisaria. 

 

A maioria dos vendedores mais experientes já arranha um portunhol compreensível e está preparada para orientar os consumidores tupiniquins sobre a voltagem correta para cada região do País, o limite de compra de US$ 500 sem necessidade de declarar à alfândega e até qual tipo de equipamento é mais procurado pelo brasileiro. O empenho faz todo o sentido. 

 

Nossas despesas com turismo e compras no Exterior atingiram US$ 16,4 bilhões no ano passado, recorde histórico, segundo o Banco Central. Em 2009, esse resultado foi de US$ 10,8 bilhões. 

 

Na Flórida, segundo o departamento estadual de turismo, os brasileiros lideram o consumo entre os estrangeiros no comércio local – como em lojas e restaurantes –, e ocupam a terceira posição em número de turistas, atrás dos canadenses e dos ingleses.

 

Em outra “Flórida”, a Calle Florida, uma das ruas mais famosas de Buenos Aires, na Argentina, também só se ouve o português. Nas vitrines das lojas, placas com a mensagem “contratam-se brasileiros” mostram que a nossa fome de consumo tem forçado uma tropicalização do comércio de alguns países.

 

Existe, evidentemente, o outro lado da moeda. A disparada dos gastos dos brasileiros no Exterior aumenta o déficit da conta de serviços do balanço de pagamentos do Brasil e limita o potencial crescimento do mercado doméstico, que tem sido a locomotiva da expansão da economia. Uma situação que não irá mudar no curto prazo. 

 

O lado bom disso é que, em um certo momento, o governo poderá perceber que a atual tributação brasileira sobre consumo é irracional. Os turistas brasileiros não compram nos Estados Unidos ou na Argentina porque gostam de carregar caixas nos aeroportos. Fora daqui, tudo é muito mais barato. 

 

Enquanto o imposto na Flórida é de 6% e na Argentina é de 11%, em média, no Brasil supera 40% entre IPI, ICMS, PIS/Cofins, além de todos os tributos embutidos “quase” imperceptíveis. Some-se a isso uma alíquota de importação de até 35%. Ou seja, não é raro encontrar aqui produtos com preços até três vezes superiores aos que se praticam nas principais economias. Mas, enquanto essa realidade não muda, vamos às compras.