28/07/2001 - 7:00
Se nada havia, tudo poderia ser feito. O Centro-Oeste brasileiro, na década de 50, era um celeiro de oportunidades. Poucos percebiam. Dona Laila, mãe do jovem Ueze Zahran, queria um fogão a gás, novidade no Brasil e produto ainda futurista lá pelos rincões de Mato Grosso, onde a família morava. Zahran saiu atrás do presente em São Paulo e descobriu um mercado virgem, pronto para ser explorado ? não o de fogões, mas o de gás. Começou distribuindo o produto em Mato Grosso e hoje, presente em 20 Estados, a Copagaz é a quinta empresa do setor no País. A televisão também era um sonho distante para aqueles lados no início dos anos 60. Zahran adquiriu um transmissor de 100 watts, distribuiu 20 televisores pela região e começou a apresentar programação da TV Record. Hoje, sua rede, composta por sete emissoras nos dois Mato Grosso, está entre as cinco mais importantes afiliadas da TV Globo. ?O Brasil tem cultura litorânea?, diz Zahran. ?Não percebe o potencial que há no Interior.?
E que potencial. Com faturamento estimado de US$ 350 milhões, o império empresarial de Zahran é o maior do Centro-Oeste brasileiro. Se depender de seus planos, será maior ainda. Zahran pretende construir, em parceria com a Petrobras, uma usina de gás natural. Sozinha, vai triplicar a capacidade de processamento de gás no País, hoje na casa dos 19 milhões de metros cúbicos. Por baixo, será um investimento de US$ 120 milhões. Mais: outros US$ 5 milhões estão reservados para multiplicar os braços de seu grupo de comunicação. Um portal, o rmtonline.com.br, acaba de ser inaugurado. Até o final do ano, dois jornais diários (um em Mato Grosso, outro em Mato Grosso do Sul) chegarão às bancas. E as conversas para criar uma rede com 15 estações de rádio entraram na fase final. ?Estamos no caminho da convergência na área de comunicação?, diz Antonio Carlos Moreira Turqueto, vice-presidente do grupo. Aos 51 anos, Caio, como é conhecido, é casado com uma das três filhas de Zahran. Desde que começou a trabalhar na Copagaz há 26 anos, ganhou a confiança do sogro e a posição de braço direito do empresário. É considerado seu mais freqüente interlocutor e o sucessor no comando dos negócios.
Zahran não veste a roupa do empresário típico. Suas opiniões raramente aparecem nas editorias de economia e política de jornais e revistas. Eventos sociais também pouco fazem parte de sua agenda. Ao saber de sua idade, 77 anos, antes de conhecê-lo, um interlocutor menos avisado espera encontrar um senhor bonachão, aquele tipo de presidente honorário, ideal para representar o grupo em solenidades ou festas de formaturas. Bobagem. Zahran, um sujeito grandalhão, aparenta menos de 60 anos. Em seu escritório, na sede do grupo, em São Paulo, liga sem parar para seus executivos, pede informações e planilhas e recorda os detalhes
de cada um de seus negócios.
Às vezes, quando o assunto o interessa particularmente, substitui o tom de conversa por um discurso inflamado, reforçado por gestos largos e contundentes. ?Não é agradável encontrá-lo numa briga em lado oposto ao seu?, diz um empresário do setor de gás. Anos atrás, Zahran embrenhou-se em uma luta pela substituição de botijões de gás no Brasil. Era uma forma de afastar os aventureiros que cresciam os olhos sobre o setor. Diante da relutância do Ministério de Minas e Energia em topar a parada, foi bater às portas do Ministério da Justiça com o argumento de que o consumidor corria riscos. Trouxe vídeos e técnicos do Exterior. Chamou a imprensa. Ameaçou ir aos tribunais. E ganhou a parada: de 1996 a maio de 2001, mais de 28 milhões de botijões foram examinados e cerca de 25% deles, destruídos por falta de condições. ?Às vezes, consigo o que quero na marra?, diz ele. ?Foi assim que dei passos importantes para construir minhas empresas.?
Não, não é fruto de um temperamento, garante. Não havia alternativa para ele além de correr atrás do sucesso. Os pais, libaneses, desembarcaram no Brasil no início da década de 20. De Santos, foram subindo até chegar à pequena Bela Vista, em Mato Grosso. Lá Zahran nasceu, mas com dois anos mudou-se para Campo Grande. A falência da pequena torrefação de café da família colocou o jovem Zahran na estrada. Era o pós-guerra e farinha de trigo era artigo raro. Soube que o governo de São Paulo vendia o produto para prefeitos do Estado. Desembarcou na capital paulista para adquirir farinha. ?Sua cidade não está no Estado e não tem direito?, disse-lhe o responsável pela distribuição. Zahran ficou sentado no sofá do escritório até o final do dia. Saiu de lá com a farinha. ?Ele só não sabia que exagerei o tamanho da população de minha cidade e, assim, consegui uma cota maior?, conta ele. A cada 15 dias, ia apanhar a farinha. Com o dinheiro arrecado no negócio, comprou a torrefação de café que levara o pai à falência.
Agora, Zahran sorri ? um sorriso maroto que revela o uso de astúcia ou malícia para driblar uma dificuldade. Não foram poucas vezes. Quando resolveu ampliar a distribuição de gás para São Paulo, o mercado mais atraente, esbarrou na dificuldade para obter a autorização no Conselho Nacional de Petróleo. Um dia, depois de sofrer um acidente de avião do qual milagrosamente escapou ileso, entrou na sala do diretor responsável e avisou: ?Não tenho mais tempo a perder. Amanhã, coloco minha empresa em operação em São Paulo?. Cumpriu a promessa, mas a autorização só chegou às suas mãos seis meses depois. Anos mais tarde, para conseguir a concessão de três canais de televisão em Mato Grosso teve de enfrentar Assis Chateaubriand, o então todo poderoso das comunicações no Brasil. Venceu a disputa e criou um fato histórico ? pela primeira vez, Chateaubriand perdia a corrida por uma concessão. ?O que ninguém sabia é que as emissoras já estavam operando no Estado?, revela Zahran, depois de outro sorriso maroto.
Em outra ocasião, não conseguia convencer o então ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães e a Rede Globo a permitir
a captação do sinal para suas emissoras diretamente do satélite. Diante da demora, encomendou os equipamentos e os colocaria em funcionamento assim que chegassem. A autorização veio antes, porém. Zahran gosta de contar, em tom de brincadeira, que ele é o verdadeiro proprietário da Globo. Certa vez, durante uma visita de Roberto Marinho a Mato Grosso, os dois pararam em frente a um aparelho
de tevê. Ficaram em dúvida se o programa na tela estava
sendo transmitido ao vivo ou tratava-se de videoteipe. ?Aposto minha emissora contra a sua de que se trata de videoteipe?, disse Marinho. Chamaram um técnico que deu razão a Zahran. ?Até hoje,
o doutor Roberto não pagou a aposta?, brinca Zahran.
Dono de emissoras de televisão, ele tem em mãos um poderoso instrumento político. Mas a maior parte de seu tempo é consumida pela Copagaz e por um outro negócio: a fazenda Chaparral de 1.300 hectares, onde mantém cerca de mil cabeças de gado Simental, apenas para reprodução. A criação começou há nove anos, quando Zahran trouxe 73 cabeças de Munique por avião. Um pedaço de 40 hectares foi reservado para o Haras El Zahran, a menina dos olhos do empresário. Seus 40 cavalos puro-sangue árabe são motivo de orgulho. ?Sou o maior criador dessa raça no Centro-Oeste?, diz ele.
Com um patrimônio desses, por que o empresário continua trabalhando todos os dias. ?Se parar, eu não resisto?, diz ele. Propostas para vender a Copagaz, ele já recebeu inúmeras, principalmente de multinacionais. ?Não vendo porque não vendo. Estou cansado de falar ?não? e vou continuar a falar não?, afirma
ele, com um sorriso maroto.