17/05/2022 - 19:06
Em discurso por vídeo na abertura do festival de cinema, presidente da Ucrânia pede que cineastas não se calem diante de “ditadores” e faz referências a Chaplin, que satirizou Hitler durante a Segunda Guerra.O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, fez uma aparição surpresa na abertura da 75ª edição do Festival de Cannes nesta terça-feira (17/05), quando discursou sobre a relação entre cinema e realidade, bem como o poder da sétima arte em defender a liberdade.
Após homenagens e apresentações musicais e pouco depois de o americano Forest Whitaker ser honrado com a Palma de Ouro Honorária, a cerimônia apresentada pela atriz belga Virginie Efira fez um contato ao vivo por vídeo com o líder ucraniano.
+PIS/Pasep: quando o abono será pago para quem trabalhou em 2021?
Vestido com sua camisa verde-oliva, ele pediu que o cinema não se cale diante da invasão russa da Ucrânia, que chamou de o conflito “mais terrível” desde a Segunda Guerra Mundial, e convocou a nova geração de cineastas a enfrentar ditadores, assim como Charlie Chaplin fez com Adolf Hitler.
“Os mais brutais ditadores do século 20 amavam cinema”, afirmou Zelenski no discurso, apontando que, ironicamente, a maioria dos filmes sobre eles eram “documentários e cinejornais horríveis”.
Ovacionado pelo público presente, o líder ucraniano fez uma série de referências a filmes, como Apocalypse now, de Francis Ford Coppola, e O grande ditador, de Chaplin, afirmando que ambos retratam situações não muito diferentes da ucraniana de hoje.
Zelenski, que era ator e comediante antes de ser eleito presidente da Ucrânia, citou o discurso final de O grande ditador – uma sátira sobre Hitler e o nazismo lançada em 1940, antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra: “O ódio dos homens passará, e ditadores morrerão, e o poder que eles tomaram do povo retornará ao povo.”
Ele então reiterou o apelo para que cineastas “não fiquem em silêncio” enquanto centenas continuam a morrer na Ucrânia e mostrem que a sétima arte “está sempre do lado da liberdade”.
“Em 24 de fevereiro, a Rússia iniciou uma guerra de proporções gigantescas contra a Ucrânia com a intenção de ir mais longe na Europa. Centenas de pessoas morrem todos os dias, elas não vão se levantar depois do fim”, disse.
“O cinema vai ficar calado ou vai falar sobre isso? Se há um ditador, se há uma guerra pela liberdade, mais uma vez, tudo depende de nossa unidade. O cinema pode ficar de fora dessa unidade? Precisamos de um novo Chaplin que prove que, em nosso tempo, o cinema não é mudo.”
O presidente disse ainda que os ucranianos vão “seguir lutando, não nos resta outra opção”. “O ditador vai perder”, afirmou, em referência ao presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Guerra em foco em Cannes
Em meio à guerra no Leste Europeu, o Festival de Cannes já havia prometido que a Ucrânia estaria “nos espíritos de todos” ao anunciar sua programação em abril.
Duas gerações de cineastas ucranianos estarão representadas: com o veterano Sergei Loznitsa, que traz The natural history of destruction (A história natural da destruição, em tradução livre), sobre a destruição das cidades alemãs pelos aliados durante a Segunda Guerra; e com o jovem Maksim Nakonechnyi, com Bachennya metelyka (Visão de borboleta).
Na mostra paralela Un Certain Regard, o filme de Nakonechnyi, concluído ainda antes da guerra, conta a “dura história surrealista de uma combatente, a piloto Lilia, que após a experiência do cativeiro busca desesperadamente retornar a sua vida normal”.
Segundo o jovem diretor, “infelizmente parece que o meu filme era uma premonição da guerra”. Desde o começo da invasão russa, Nakonechnyi atua no front, com armas e câmera: “Daí vai resultar um documentário”, promete.
Também sob o signo da invasão da Ucrânia pela Rússia está a exibição de Mariupolis 2, de Mantas Kvedaravičius, a sequência de seu documentário rodado em 2014 na Ucrânia. O cineasta lituano foi assassinado pelo exército russo em abril na cidade de Mariupol. Sua noiva, Hanna Bilobrova, que o acompanhava na ocasião, conseguiu salvar o material já filmado.
Graças também ao trabalho da editora de Kvedaravičius, Dounia Sichov, o resultado é um testemunho altamente atual e chocante. Segundo os responsáveis pelo festival, era absolutamente indispensável mostrar o filme em Cannes, e ele foi incluído a posteriori na programação, com estreia em 19 de maio.
Além disso, o festival recusou-se a receber “representantes oficiais russos, instituições governamentais ou jornalistas representando a linha oficial” russa, mas declarou-se sempre pronto para acolher as vozes dissidentes, a começar por Kirill Serebrennikov.
Serebrennikov foi convidado para a mostra competitiva com Zhena Chaikovskogo (A mulher de Tchaikovsky), pois, como argumentou o festival, não recebeu nenhum patrocínio estatal. É a terceira vez que o russo participa de Cannes. Atualmente vive na Alemanha, depois de passar dois anos de prisão domiciliar em seu país.
ek (AP, DPA, Efe, Lusa)