Kiev teve dia de raras manifestações após presidente sancionar lei que tira autonomia de órgãos de combate à corrupção. Medida foi criticada pela UE.O presidente ucraniano Volodimir Zelenski sancionou nesta terça-feira (22/07) uma lei que revoga a autonomia de duas agências anticorrupção do país.

A nova regra provocou raros protestos de rua em Kiev desde o início da guerra de agressão da Rússia, e críticos acusaram o governo de estar tentando concentrar poder e interferir em investigações.

Na prática, a lei coloca o Escritório Nacional Anticorrupção da Ucrânia (Nabu) e o Escritório Especializado do Procurador Anticorrupção (Sapo) sob a autoridade direta do procurador-geral, que é nomeado pelo presidente.

O gabinete do procurador-geral também passa a poder assumir investigações das agências ou repassá-las para outros órgãos.

O projeto havia sido aprovado horas antes pelo Parlamento ucraniano por 263 votos a 13. A maioria dos votos favoráveis veio do partido governista.

Agência investiga instituições estatais

O principal órgão afetado pela sanção presidencial é o Nabu, que investiga especificamente casos de corrupção em instituições estatais. Ele começou a atuar em 2015, quando Kiev buscava se aproximar da União Europeia (UE) após a deposição do presidente pró-Rússia no ano anterior.

Desde então, a Ucrânia vinha adotando uma postura mais dura contra a corrupção, tanto como pré-requisito para ingressar na União Europeia quanto para tranquilizar seus aliados que enviam ajuda em tempos de guerra.

A agência revelou diversos casos de corrupção, inclusive envolvendo figuras da administração de Zelenski.

A ONG Centro de Ação Anticorrupção argumentou que a nova lei tornaria essas agências irrelevantes, pois o procurador-geral poderia “interromper as investigações contra todos os amigos do presidente”.

Em Kiev, centenas tomaram as ruas em protesto contra a medida, acusando o governo de realizar um esforço direcionado para seu próprio benefício.

Em um discurso na manhã desta quarta-feira, Zelenski disse que a Nabu e a Sapo “trabalhariam” independentemente das mudanças, acrescentando que a estrutura anticorrupção da Ucrânia precisava ser livrada das “influências russas”.

“O procurador-geral está determinado a garantir que a punição seja inevitável na Ucrânia”, afirmou.

Críticos acusam retrocesso

Opositores da lei manifestaram preocupação de que a Ucrânia estaria retrocedendo após uma década de avanços no setor.

O atual chefe do Nabu, Semen Kryvonos, alertou sobre a perda de independência dos órgãos anticorrupção. “Na prática, duas instituições foram tornadas subservientes”, disse Kryvonos, segundo veículos locais.

A comissária de Ampliação e Política de Vizinhança da UE, Marta Kos, criticou a votação da nova lei e afirmou que as instituições anticorrupção são “essenciais para o caminho da Ucrânia rumo à UE”.

“Muito preocupada com a votação de hoje”, escreveu Kos no X. “O desmantelamento de salvaguardas fundamentais que protegem a independência do Nabu é um sério retrocesso.”

A presidente do comitê anticorrupção do Parlamento ucraniano, Anastasia Radina, afirmou que o projeto vai contra o processo de adesão da Ucrânia ao bloco europeu.

Já o ex-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, que deixou o governo em 2024, afirmou que as medidas representaram um “dia ruim para a Ucrânia”.

Suspeita de espionagem russa

Na segunda-feira, o serviço secreto ucraniano realizou operações de busca no Nabu e deteve um funcionário suspeito de espionar para a Rússia.

O escritório da Transparência Internacional na Ucrânia classificou as operações como uma “tentativa das autoridades de enfraquecer a independência das instituições anticorrupção surgidas após a Revolução da Dignidade [de 2014]”.

A Transparência Internacional colocou a Ucrânia na 105ª posição entre 180 países em seu índice de percepção da corrupção de 2024, uma melhora em relação ao 144º lugar em 2013. Mesmo assim, segundo a organização, o país segue como um dos mais corruptos na Europa.

gq/bl (AFP, DPA)