Após ser alvo de manifestações nas ruas, líder ucraniano apresenta nova proposta para anular medida anterior que retirava independência dos órgãos de combate à corrupção.Após os protestos em massa na Ucrânia contra a aprovação de uma lei que revogava a autonomia das agências anticorrupção do país, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse ter ouvido a voz dos manifestantes e anunciou nesta quinta-feira (26/07) uma nova legislação para restaurar a independência dos órgãos criados com ajuda dos aliados ocidentais.

A aprovação do projeto de lei na última terça-feira desencadeou as maiores manifestações na Ucrânia desde a invasão russa do país, em fevereiro de 2022, e atraiu críticas dos aliados europeus de Kiev.

“É absolutamente normal reagir quando as pessoas não querem algo ou quando não gostam de algo”, disse Zelenski em comentários divulgados à imprensa nesta sexta-feira, acrescentando que era “muito importante que ouvíssemos e respondêssemos adequadamente”.

Ele admitiu que “provavelmente deveria ter havido mais diálogo” antes da aprovação da lei. “Estou focado na questão da guerra porque, neste momento, a questão número um na Ucrânia é a guerra. O maior problema é a guerra. O principal inimigo é a Rússia.”

A lei, na prática, colocou o Escritório Nacional Anticorrupção da Ucrânia (Nabu) e o Escritório Especializado do Procurador Anticorrupção (Sapo) sob a autoridade direta do procurador-geral, que é nomeado pelo presidente. O gabinete do procurador-geral também deve assumir as investigações realizadas pelas agências ou as repassaria para outros órgãos.

O novo projeto de lei será submetido à votação no Parlamento, majoritariamente leal a Zelenski. O presidente do Legislativo ucraniano, Ruslan Stefanchuk, prometeu levar a proposta à votação na próxima sessão parlamentar. De acordo com os deputados, no entanto, o Parlamento unicameral, conhecido como Verkhovna Rada, está em recesso até meados de agosto.

Nova proposta agrada agências anticorrupção

O Nabu e o Sapo teriam participado da elaboração da nova proposta.

“O projeto de lei restaura todos os poderes processuais e garante a independência do Escritório Nacional Anticorrupção e do Escritório Especializado do Procurador Anticorrupção”, escreveram as duas agências em seus canais do Telegram nesta quinta-feira, após a divulgação do texto.

O Nabu atua especificamente na investigação de casos de corrupção em instituições estatais. O órgão iniciou suas atividades em 2015, quando Kiev buscava se aproximar da União Europeia (UE) na esteira da deposição do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich, no ano anterior, após a pressão gerada por semanas de protestos na Maidan, a Praça da Independência em Kiev.

Desde então, a Ucrânia vinha adotando uma postura mais dura contra a corrupção, tanto como pré-requisito para ingressar na União Europeia quanto para tranquilizar seus aliados que enviam ajuda em tempos de guerra.

A agência revelou diversos casos de corrupção, inclusive envolvendo figuras do governo de Zelenski.

A ONG Centro de Ação Anticorrupção argumentou que a nova lei tornaria essas agências irrelevantes, pois o procurador-geral poderia “interromper as investigações contra todos os amigos do presidente”.

Críticas dos aliados europeus

Na segunda-feira, o serviço secreto ucraniano realizou operações de busca no Nabu e deteve um funcionário suspeito de espionar para a Rússia.

O escritório da Transparência Internacional na Ucrânia classificou as operações como uma “tentativa das autoridades de enfraquecer a independência das instituições anticorrupção surgidas após a Revolução da Dignidade [de 2014]”.

A aprovação da lei gerou apreensão na UE. Ambas as agências foram criadas em 2015 com assistência ocidental para combater a corrupção na Ucrânia, especialmente entre políticos de alto escalão e no governo.

A comissária de Ampliação e Política de Vizinhança da UE, Marta Kos, reiterou que as instituições anticorrupção são “essenciais para o caminho da Ucrânia rumo à UE”. “O desmantelamento de salvaguardas fundamentais que protegem a independência do Nabu é um sério retrocesso”, advertiu Kos após a votação.

A Transparência Internacional coloca a Ucrânia na 105ª posição entre 180 países em seu índice de percepção da corrupção de 2024, uma melhora em relação ao 144º lugar em 2013. Mesmo assim, segundo a organização, o país segue como um dos mais corruptos na Europa.

rc (AFP, DPA)