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Foram 14 meses de um brilho intenso e fugaz, seguidos por 14 anos de uma longa e penosa espera. Eis um resumo da trajetória recente de Zélia Cardoso de Mello, a mulher mais poderosa que o Brasil já conheceu. Entre março de 1990 e maio de 1991, enquanto foi ministra da Fazenda, essa dama de ferro esteve à frente de uma autêntica revolução ? e não há outra palavra para resumir o que ela fez em tão pouco tempo. Com Zélia, o Brasil abriu-se às importações, descobriu as privatizações e modernizou sua indústria. Foi também na era Zélia que o País testou o pacote econômico que entrou para a história com a inglória marca do ?confisco?. Mas, se o plano não eliminou a inflação, ao menos preparou terreno para o Real e evitou algo pior: a hiperinflação. Só isso já bastaria para que a ministra Zélia fosse reconhecida como alguém que assentou tijolos importantes na catedral da estabilização. Em 1992, porém, sua vida mudou. No turbilhão de denúncias que marcou o fim do governo Collor, numa época em que o PT ainda se especializava em estraçalhar reputações, Zélia foi acusada de favorecer o chamado ?esquema PC Farias? com um simples reajuste de tarifas de ônibus. Só agora, 14 anos depois, os processos foram encerrados de vez. Inocentada, ela revelou à DINHEIRO que seus olhos novamente estão voltados ao Brasil.Associada ao fundo Jina Ventures, um private equity de origem indiana, Zélia quer descobrir bons negócios no País. ?Estou prospectando oportunidades e vejo que os setores mais promissores são imóveis, energia, comunicações e agronegócio?, disse ela (leia entrevista no final da página).

 

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Na sua mais recente vinda ao Brasil, em julho e agosto deste ano, Zélia esteve acompanhada de Ron Shah, o eia, de 12 anos, estão plenamente adaptados à vida norte-americana. ?Mas devo vir cada vez mais ao Brasil?, revela a ex-ministra. Zélia e Shah conheceram-se de forma curiosa ? foi num evento para arrecadar fundos para candidatos do Partido Democrata, nos Estados Unidos. Ali nasceu a parceria e Zélia ganhou o cargo de ?Senior Brazil Advisor? do Jina Ventures. Hoje, o que mais a empolga nessa nova etapa de sua vida profissional são as oportunidades em torno dos chamados BRIC’s ? Brasil, Rússia, Índia e China. ?São mercados que deverão crescer muito nos próximos anos?, diz ela.

A volta da ex-ministro ao mercado brasileiro também está diretamente ligada a sua absolvição definitiva pelo Supremo Tribunal Federal. ?Comecei a chorar quando recebi a notícia?, desabafou Zélia à DINHEIRO. ?Foi uma luta sem tréguas, durante 14 anos?, disse Tales Castelo Branco, seu criminalista. Durante todo o período em que viveu nos Estados Unidos, ela perdeu inúmeras oportunidades profissionais por conta de uma prática cada vez mais comum no mundo corporativo ? é chamado ?google me?. Antes de contratar alguém, as empresas americanas sempre fazem uma rápida pesquisa pessoal sobre a vida do candidato. E, no caso de Zélia, aparecia sempre uma condenação, em primeira instância, a 13 anos de prisão. ?Foi como se tirassem um peso das minhas costas?, disse Zélia.

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Dilson Funaro ao lado de Zélia: “Hoje, parece fácil. Mas, em 1989, falar em abertura e privatização era quase palavrão”.

 

Livre dos processos e das acusações que pesaram contra si, ela também pretende se dedicar a novos projetos no Brasil. Um deles é escrever um livro que coloque na devida perspectiva histórica o que foi o governo Collor, ao qual ela serviu com dedicação máxima. ?Olhando-se o Brasil dos últimos 50 anos, só três governos mudaram o Brasil estruturalmente?, diz ela. ?O primeiro foi JK, com o Plano de Metas, depois veio Ernesto Geisel, com o II Plano Nacional de Desenvolvimento, e o terceiro foi o do Fernando Collor, com as medidas de liberalização e privatização?. Curiosamente, esse retorno de Zélia ao ambiente econômico brasileiro ocorre simultaneamente à volta de Collor, eleito senador por Alagoas, à cena política nacional. Sobre isso, Zélia não comenta apenas porque já não era mais ministra quando houve o impeachment. Mas ela ainda mantém a admiração pelo ex-chefe, a quem enviou os cumprimentos pela vitória. ?Só uma pessoa como o Collor, combinado com uma equipe com as nossas características, seria capaz de fazer a transformação?, diz ela. ?Éramos independentes?. Hoje, Zélia quer ajudar empreendedores brasileiros a transformar suas boas idéias em dinheiro. E, não por acaso, a palavra Jina, de origem sânscrita, identifica aquele que é capaz de superar e vencer obstáculos. É o caso de Zélia.

“O Brasil deixa perplexo até quem lucra com ele”
A ex-ministra Zélia diz que o governo petista adotou uma política econômica tão ortodoxa que até os hedge funds internacionais ficam envergonhados com os ganhos bilionários que colhem no País.
 

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Zélia em Paris: “Nós só não vencemos a inflação porque fracassamos na equação da dívida externa”.

 

DINHEIRO ? Depois de 14 anos longe do País, a sra. está voltando?
ZÉLIA CARDOSO DE MELLO ? Tenho uma empresa de consultoria e trabalho com alguns fundos americanos. Um de meus clientes é um fundo de private equity, o Jina Ventures, que já atua nos Estados Unidos, Índia e Ásia. Estou prospectando negócios para serem desenvolvidos no Brasil.

DINHEIRO ? Que oportunidades a sra. vislumbra?
ZÉLIA ? Há diversos setores promissores, como imóveis, energia, comunicações e agronegócios, particularmente na área da biomassa. E já tenho alguns parceiros para analisar negócios no Brasil.

DINHEIRO ? Como a sra. se aproximou desse fundo?
ZÉLIA ? Fui convidada para uma reunião que tinha como objetivo arrecadar fundos para um candidato ao Congresso americano, do Partido Democrata, é claro. Fui a essa reunião convidada por um outro grupo financeiro, a quem já prestava serviços, e fui apresentada ao Ron Shah, do Jina, que viria a ser meu parceiro indiano. Em julho deste ano, ele veio ao Brasil, comigo, pela primeira vez.

DINHEIRO ? Como a sra. vê o potencial econômico dos BRIC’s, Brasil, Rússia, Índia e China?
ZÉLIA ? O potencial é muito grande. São grandes mercados consumidores, que vivem uma fase de crescimento. Índia e China, particularmente, têm crescido a taxas muito expressivas. Meu parceiro indiano me relata fatos simbólicos dessa mudança. Há pouco mais de um ano, quando ele visitava seus pais, uma pessoa que trabalha na casa ia a pé para o serviço. Pouco depois, já ia de bicicleta. Provavelmente, este ano, chegará de carro. Ou seja: é um sinal evidente de ascensão social.

DINHEIRO ? Recentemente, a sra. foi absolvida pelo STF num inquérito que a investigava por suposta corrupção praticada no governo Collor. Como recebeu a notícia?
ZÉLIA ? Comecei a chorar. Depois de tantos anos, foi como se um peso tivesse saído das minhas costas.

DINHEIRO ? A sra. se sentiu perseguida pelos procuradores?
ZÉLIA ? Em uma situação normal, o processo não deveria nem ter começado. Alguém, flagrado com depósitos em sua conta bancária, disse que os recursos eram para uma terceira pessoa. E a palavra daquela pessoa, flagrada com o dinheiro, é admitida como verdade superior a qualquer outra prova. Um sistema judiciário que admite um processo como este pode sujeitar qualquer cidadão a todo tipo de arbritariedade.

 

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Explicando o Plano Collor: “Já não existe mais uma agenda de transformação do País. Hoje, eu anularia o meu voto”.

 

DINHEIRO ? E a mídia? Como ela se comportou no seu caso?
ZÉLIA ? Como tem se comportado em qualquer outro caso. Foram páginas e mais páginas para a divulgação de notícias que se comprovaram infundadas, de especulações capazes de prejudicar a imagem da pessoa. E no final, quando se comprova a inocência do acusado, apenas uma nota perdida em meio ao noticiário. Ou seja, o momento da verdade, o momento da redenção e da limpeza do nome não tem a mesma repercussão. Isso não aconteceu apenas nesse caso. Essa tem sido a conduta da imprensa em muitos episódios semelhantes.

DINHEIRO ? De que forma esses inquéritos criaram embaraços para a sua atuação profissional?
ZÉLIA ? Hoje em dia, as pessoas lançam seu nome no Google. No meu caso, perdi dois contratos em 2005 porque, ao fazerem isso, apareceu ?condenada a 13 anos de prisão?.

DINHEIRO ? A sra. irá buscar algum tipo de reparação contra a União?
ZÉLIA ? Não discuti este assunto com meu advogado.

DINHEIRO ? Como a sra. avalia os escândalos de corrupção que hoje atingem o PT, seu antigo algoz?
ZÉLIA ? Tão ou mais grave do que a profusão de escândalos é a passividade da população e a complacência da classe política. Eu estava no Brasil no começo da propaganda eleitoral e fiquei abismada com a ausência desse assunto nos programas partidários. Lula e Alckmin, naquele momento, faziam sua propaganda como se estivessem em outro país. E não em um país tão afetado por esses escândalos.

DINHEIRO ? Falando de política econômica, que leitura a sra. hoje faz da ?era Collor??
ZÉLIA ? Quem olha o Brasil dos últimos 50 anos encontra três governos que promoveram mudanças estruturais na economia. O primeiro foi o de Juscelino Kubitschek, com o Plano de Metas. Em seguida, o do Ernesto Geisel, com o 2º Plano Nacional de Desenvolvimento. O terceiro foi o de Fernando Collor, com o conjunto de medidas de liberalização e privatização.

 

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Zélia, ao lado de Ibrahim Eris: “Outra equipe econômica não teria feito as mudanças necessárias. Éramos independentes”.

 

DINHEIRO ? Essa modernização não teria ocorrido de qualquer forma, fruto da queda do Muro de Berlim?
ZÉLIA ? Não acho que as mudanças teriam ocorrido da mesma forma e na mesma direção se outro candidato tivesse vencido em 1989. Hoje é difícil lembrar do ambiente que havia naquela época, porque todo mundo já se habituou com o novo cenário. Mas, em 1989, falar em privatização ou em abertura comercial era o mesmo que dizer um palavrão. O PT, que disputou o segundo turno das eleições com o presidente Fernando Collor, não faria. O partido, na época, ainda não havia acordado para essas mudanças que você cita e a facção mais retrógrada do petismo, que ainda existe, tinha muito mais força do que tem hoje.

DINHEIRO ? E os outros?
ZÉLIA ? O PSDB e o PMDB não fariam porque seria impossível esperar mudanças de tal ordem com políticos que preferem conciliar. Não havia possibilidade de transformar e conciliar ? era um ou outro. Só uma pessoa com as características do Collor, combinada com uma equipe de técnicos como a que montamos, seria capaz de ir tão longe em tão pouco tempo. O que tínhamos em comum pode ser resumido em uma palavra: independência.

DINHEIRO ? E por que o Plano Collor fracassou no objetivo de erradicar a inflação?
ZÉLIA ? Felizmente, o tempo que transcorreu desde o plano já permite uma análise menos apaixonada dessa questão. Acho que vencemos ao livrar o país da hiperinflação e de tudo de ruim que aconteceria se ela viesse. Mas não há como negar que fracassamos no controle da inflação. A razão principal ? e hoje é possível enxergar com clareza ? foi o fracasso na equação da dívida externa. Também é possível enxergar com clareza que, sob condições muito difíceis, promovemos o equacionamento da dívida interna ? e isso, juntamente com a abertura comercial, criou as bases para a implantação do Plano Real.

DINHEIRO ? Se não tivesse havido o impeachment, Collor teria feito o Real ou algo parecido?
ZÉLIA ? Já não estava no governo quando se deu o impeachment. Saí em maio de 1991 e a equipe que substituiu a nossa tinha outra filosofia.

DINHEIRO ? Como a sra. analisa o Brasil, após 12 anos de estabilização? Por que o País não decolou?
ZÉLIA ? O Brasil não cresce porque o governo tem optado por uma política econômica ultra-ortodoxa. É uma política conservadora, baseada em taxas de juros que deixam perplexo até quem ganha dinheiro com ela. Alguns hedge funds americanos não acreditam no que estão vendo por aqui.

 

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Zélia e os filhos Rodrigo e Vitória: “Comecei a chorar quando fui absolvida no STF. Foi como se tirassem um peso “.

 

DINHEIRO ? Que agenda econômica deve ser a do próximo presidente?
ZÉLIA ? Com os candidatos que estão aí e com esta política econômica, acho que o País não decola. Vamos ficar neste vai-não-vai, esperando o futuro que nunca vem.

DINHEIRO ? Em quem votará no segundo turno da eleição presidencial?
ZÉLIA ? Eu não votei no primeiro nem vou votar no segundo turno porque perdi o prazo para o cadastramento, que se encerrou em maio. Se votasse, acho que, pela primeira vez em minha vida, anularia o voto. Não vejo em nenhum dos candidatos uma proposta, ou pelo menos um sinal claro de que exista um projeto de transformação. Isso é que é necessário para o Brasil.

DINHEIRO ? Há planos de voltar à vida pública?
ZÉLIA ? Diria que, por enquanto, não. Por enquanto…