Na madrugada da quarta-feira 1º, o agitado Antônio Cássio dos Santos, presidente da Zurich Seguros, não desgrudava do celular. Do outro lado da linha, o interlocutor insone era Líbano Barroso, presidente da Via Varejo, a empresa que administra as marcas Casas Bahia e Ponto Frio. O assunto tratado, até as 4h30, era o que viria a ser um dos maiores negócios do mercado brasileiro de seguros. Depois de um ano de negociação, eles acertaram uma parceria para a venda exclusiva de seguro garantia estendida da Zurich nas mil lojas das duas redes varejistas.

Pelo acordo, a seguradora vai pagar R$ 850 milhões e espera obter, em troca, um volume de prêmios estimado em mais de R$ 1,3 bilhão, somente no primeiro ano. “Houve uma sinergia nas nossas estratégias”, afirma Santos, que está de olho na abertura de mais 70 lojas da Via Varejo até o final do ano. “Eles vão nos acompanhar na nossa expansão territorial”, afirma Jorge Herzog, vice-presidente de operações da varejista. Segundo os executivos envolvidos, a operação só se concretizou porque os presidentes das duas empresas acreditaram na parceria desde o início da negociação, no ano passado.

Santos e Barroso insistiram para que Mike Kerner, presidente mundial de seguros gerais do grupo Zurich, e Antoine Giscard d’Estaing, diretor financeiro global do Casino, grupo francês controlador da Via Varejo, conhecessem as vantagens da parceria. A estratégia deu certo e os executivos internacionais mobilizaram mais de 30 pessoas – entre advogados e executivos – nas negociações, entre suíços, alemães, franceses, americanos e, claro, brasileiros. Essa operação foi a terceira grande cartada de Antônio Cássio dos Santos no mercado de seguros.

Em 1998, ele foi responsável pela criação da Garantec, empresa de seguros garantia do grupo Itaú. Em maio de 2010, ele voltou a surpreender. O executivo, que até então era presidente da espanhola Mapfre, protagonizou uma negociação com o Banco do Brasil para criar, na época, o segundo maior grupo segurador da América Latina, com prêmios anuais de R$ 7,8 bilhões. Atualmente, os prêmios somam R$ 10 bilhões. Os próximos passos dele serão pela América Latina, área sob seu comando na Zurich. A seguradora acabou de receber autorização para atuar na Colômbia e a ideia é que o crescimento no país se dê de forma orgânica.

O México é outro algo de aquisições de Santos. Ele está empolgado com os novos negócios. “Enquanto eu tiver desafios na Zurich, vou ficar. Afinal, sou bom para construir prédios e não apenas para administrá-los”, diz Santos. A conquista da Zurich no Brasil é ainda mais significativa porque a seguradora ultrapassou uma gigante do sistema financeiro. Até aquela madrugada, a Garantec, do Itaú, era responsável pelos pontos de venda da Via Varejo e detinha a maior carteira desse segmento, com 48% de participação até julho, segundo estimativas baseadas em dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). Com a nova parceria, a seguradora suíça passará a ser a líder de mercado, com 45% de market share e uma carteira estimada de quase R$ 1,5 bilhão em um ano.

A Garantec perde seu filé mignon e segue na quarta posição, com apólices vendidas por meio de acordos com Lojas Americanas, Pernam­bucanas, Havan e Baú. A operação acertada nas primeiras horas de 1º de outubro também eleva a posição da Zurich no ranking de seguros gerais de não vida, que engloba coberturas como de engenharia e automóveis, por exemplo. Antes da parceria, ela aparecia na décima posição do mercado, com R$ 2,25 bilhões em prêmios emitidos por ano. Agora, ela tende a passar a seguradora do Itaú, assumindo a quarta colocação. A dúvida dos analistas é o que levou o maior grupo financeiro privado do País a abrir mão de cliente tão importante como a Via Varejo.

“Isso mostra que o Itaú não quis entrar na disputa, porque, quando o banco quer, não tem para ninguém”, analisa um alto executivo do setor de seguros. Uma hipótese é o grupo ter traçado outra estratégia para o seguro garantia. Em entrevista à DINHEIRO em março deste ano, Fernando Teles, diretor da área de seguros do Itaú, afirmou que, com a venda da carteira de grandes riscos para a ACE, o foco do banco passaria a ser o varejo. Procurado, o Itaú não quis dar entrevista. Informou apenas que, em virtude da rescisão antecipada do contrato com a Via Varejo, vai receber R$ 584 milhões à vista.

“Ninguém perde uma conta como essa, da noite para o dia”, afirma um executivo do setor financeiro. “A Garantec deve ter um plano B e acredito que uma saída seria buscar as pequenas varejistas.” O fato é que a concorrência deve aumentar com o fortalecimento da Zurich. No Brasil, o mercado de seguros massificados – que inclui o de garantia – emitiu prêmios de cerca de R$ 2,6 bilhões em 2012. Nos Estados Unidos, esse volume chegou a US$ 10 bilhões (cerca de R$ 25 bilhões). “Esse produto gera uma margem de 15%, que é considerada muito boa se comparada a outros tipos de seguros”, diz Hélio Biagi, presidente do Conselho de Administração da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.