19/01/2020 - 8:27
Há cerca de um ano, o motorista de ônibus Bernardo Barbosa, de 61 anos, espera para ter seu pedido de aposentadoria analisado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Enquanto aguarda na fila virtual, que só tem crescido nos últimos meses, ele continua trabalhando. “A paciência acabou. Se minha aposentadoria não sair logo, vou ser obrigado a entrar na Justiça.”
“Desde que começou essa conversa de reforma da Previdência, há mais de dois anos, todo mundo que estava perto de se aposentar correu para garantir o benefício. É claro que a fila iria aumentar. Só o governo não percebeu. Estou tentando desde fevereiro do ano passado, já tem quase um ano. Dependo desse dinheiro. Enquanto a minha aposentadoria não sair, não posso parar de trabalhar”, diz.
Afastado do emprego desde outubro, André de Oliveira, de 40 anos, aguarda ser chamado para a perícia médica. Já Aline Azevedo, de 29, deu viagem perdida: o sistema marcou a perícia em duplicidade e ela vai precisar voltar no fim do mês para ser atendida. Em busca de informações para a mãe, de 70 anos, a empregada doméstica Elaine Duarte espera na fila. “Eles falam que nem precisa ir na agência e que basta tirarmos as dúvidas pelo aplicativo, mas a gente não tem acesso à internet.”
Casos como os deles têm sido cada vez mais frequentes. Há uma fila estimada de 1,3 milhão de pedidos de benefícios, esperando para serem processados.
De acordo com a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, os sistemas da Previdência receberam um volume muito superior à média nos últimos meses e ainda não foram atualizados para receber os pedidos de aposentadoria feitos após a reforma. A fila de processos que se formou até agora é apenas dos contribuintes que já tinham direito à aposentadoria ainda pelas regras antigas.
“Os sistemas estão inoperáveis: tudo o que foi pedido até 13 novembro, antes da reforma, está sendo analisado com lentidão, pelo volume alto de pedidos e pela falta de pessoal. O que veio após a reforma nem pode ser analisado, porque não se pensou em um período de adaptação dos sistemas após a mudança”, diz Bramante.
A avaliação entre especialistas de direito previdenciário é que o INSS não estava preparado para o aumento de demanda que ocorreria naturalmente quando a reforma da Previdência começou a ser discutida, ainda no governo Temer, em 2017, e mesmo durante a aprovação do texto, no fim do ano passado, já no governo Bolsonaro.
Força-tarefa
Para tentar zerar a pilha de processos, o governo anunciou na última semana a contratação temporária de até 7 mil militares que estão na reserva. Eles devem receber um adicional de 30% sobre a remuneração, a ser paga pelo INSS. A meta é zerar a fila até setembro.
Com a força-tarefa composta pelos militares, a Secretaria de Previdência estima um custo extra de R$ 14,5 milhões por mês, durante nove meses – o que daria um total de R$ 130,5 milhões. Segundo o governo, eles devem exercer atividades como organização, triagem, emissão de senhas e extratos, recepção e digitalização de documentos.
Bramante, do IBDP, lembra que a análise de processos de aposentadoria e de concessão de benefícios é complexa e não se pode esperar que os militares temporários assumam essa responsabilidade. “Mesmo para atividades mais simples, de atendimento no balcão, é complicado ter pessoas sem treinamento. Com a reforma da Previdência, muitos contribuintes têm ido às agências para entender as novas regras e precisam de orientação especializada.”
Até a primeira metade do ano passado, pouco mais de 10% dos servidores analisavam os pedidos. O governo quer liberar 2,1 mil para reforçar as análises.
Funcionário do INSS há 26 anos, Moacir Lopes, que também é diretor da Fenasps (federação que representa os servidores), lembra que o déficit estimado no passado era de 16 mil servidores e que o último concurso foi feito há quatro anos.
“O INSS entrou numa espiral de inoperância e agora o governo quer colocar militares para executarem um trabalho para o qual não foram treinados para fazer. Por que não contratar servidores aposentados do próprio INSS, de forma emergencial?”, questiona Lopes.
Na última sexta-feira, 17, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) ingressou com pedido de medida para suspender o recrutamento dos militares, argumentando que a medida viola a Constituição, ao prever contratação de uma carreira específica e sem realização de concurso público.
Segundo a Secretaria de Previdência, a seleção dos militares demanda um decreto presidencial e uma portaria ministerial e não há previsão legal para convocar servidores aposentados do próprio INSS. A autarquia também afirma que os seus sistemas começaram a ser atualizados em agosto do ano passado e que mais da metade deles já está atualizada.
195 dias de espera
Na fila do INSS à espera de benefício, os brasileiros chegam a aguardar seis meses e meio até uma resposta do órgão. Enquanto isso, o dinheiro não pinga na conta – é só depois do sinal verde do governo que os valores atrasados são pagos, com correção monetária. A maior espera é de quem solicita o benefício assistencial voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (o chamado BPC): são 195 dias, em média.
A fila de pedidos no INSS transbordou após a transformação digital do órgão, em 2018, que eliminou uma porteira anterior que represava os requerimentos: a necessidade de agendamento para ingressar com a solicitação do benefício.
Ao retirar essa trava, o governo recebeu uma enxurrada de solicitações e não teve braço suficiente para atender à demanda: até o primeiro semestre do ano passado, só 2,7 mil dos 23 mil servidores atuavam na análise dos pedidos, que no período oscilaram entre 700 mil a um milhão por mês. No segundo semestre, a atual gestão triplicou a mão de obra que faz a análise, mas a herança acumulada ficou.
A situação mais dramática foi observada em julho do ano passado, quando os pedidos acumulados beiravam os 2,4 milhões. No início deste ano, caíram a 1,9 milhão – mais de dois terços deles, porém, sem uma resposta há mais de 45 dias, prazo legal para o INSS dizer se concede ou não o benefício.
Por trás da fila, no entanto, a radiografia da espera é diversa. Enquanto quem pede, por exemplo, o auxílio-doença, espera em média 23 dias por uma resposta, há quem fique mais de seis meses sem uma posição do órgão oficial.
No caso das aposentadorias, o tempo médio de concessão é de 125 dias. No caso das pensões, a espera fica em torno de 86 dias. No salário-maternidade, a média é de 63 dias.
O governo promete resolver o problema em seis meses, considerando o período de abril a setembro de 2020, quando espera colocar em operação os 7 mil militares que pretende contratar para funções administrativas no INSS. O objetivo é liberar 2,1 mil servidores do próprio órgão para reforçar as análises. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.