04/01/2022 - 12:59
Três fundações estaduais de amparo à pesquisa anunciaram aumento de 20% a 25% nos valores de bolsas pagas a alunos de mestrado e doutorado. O reajuste ocorre em meio a um cenário em que as bolsas das fundações federais chegam ao oitavo ano sem sofrer alteração no valor, que tem sido corroído pela inflação e tem afastado pesquisadores do ambiente acadêmico.
Fundações de Minas (Fapemig), do Rio (Faperj) e de Santa Catarina (Fapesc) vão reajustar o valor pago para bolsas. A Fapergs, do Rio Grande do Sul, também pretende aumentar o valor. O movimento rompe com uma tradição de conceder os mesmos valores oferecidos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Desde 2013, as bolsas de pesquisa das fundações federais, que são a maioria pagas a estudantes de pós-graduação no País, não sofrem alteração. Mestrandos recebem R$ 1.500 e doutorandos, R$ 2.200. Tanto a Capes quanto o CNPq dizem estudar reajuste, porém, não deram prazo para finalização dos estudos orçamentários nem data para que o aumento se efetive.
As bolsas são centrais no desenvolvimento científico brasileiro, já que fomentam pesquisas de pós-graduação em todas as áreas do conhecimento, como estudos sobre a covid-19, por exemplo, na área da saúde pública. A maior parte das bolsas de pós do ano de 2020 foram cobertas pela Capes (73%). O CNPq é responsável por 13%, já as fundações estaduais pagam outros 13%.
A Fapesc anunciou um investimento de R$ 56 milhões em bolsas de mestrado e doutorado. Os valores serão disponibilizados ao longo dos próximos 48 meses. Parte do investimento também será usada para conceder um reajuste na casa dos 20% no valor das bolsas. As bolsas de mestrado sobem de R$ 1.500 para R$ 1.800. Já as de doutorado passam de R$ 2.200 para R$ 2.640.
Com o valor antigo, diz o presidente da Fapesc, Fabio Zabot Holthausen, os pesquisadores sofriam para “se manter”, o que vinha desestimulando os estudantes a buscar a carreira científica. “Estávamos vendo a dificuldade que era preencher essa vaga de bolsa em função do valor que estava sendo pago”, disse.
Esse desestímulo, principalmente por parte dos mais jovens, também foi uma das motivações para o aumento de 25% proposto pela Fapemig. O reajuste do valor beneficiará um total de 4.368 bolsistas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Doutorandos passam a receber R$2.750, e mestrandos, R$1.875.
“Estávamos percebendo que não conseguíamos mais atrair os talentos que a gente precisa”, conta o presidente da fundação, Paulo Beirão. “O País precisa desses talentos.”
No Rio, a Faperj também anunciou reajuste de 25%. Em nota, a instituição afirma que “um aluno de mestrado que recebe, atualmente, R$ 1.600 passará a receber uma bolsa de R$ 2 mil ao mês. Um doutorando deixa de ter uma bolsa de R$ 2.300 por mês para receber R$ 2.875”.
A Fapesp historicamente apresenta valores de bolsa mais altos. Em 2018, a agência concedeu um reajuste de 11%. Desde então, doutorandos do nível 1 (DR-I) recebem R$ 3.010,80; do nível dois, R$ 3.726,30 (DR-II). Para mestrandos do nível 1 (MS-I), o valor é de R$ 2.043,00; os do nível 2 (MS-II), R$ 2.168,70.
Conselho sugere reajuste de 25%
“Analisando esse cenário e o grau de defasagem das agências federais, Capes e CNPq, nós mais ou menos consensuamos que deveria haver um reajuste e houve a sugestão de que esse reajuste fosse de pelo menos de 25%”, conta o presidente da Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) e da Fapergs, Odir Antônio Dellagostin. A declaração de intenções ocorreu em simpósio que reuniu gestores em dezembro.
Boa parte das bolsas públicas para pesquisa, seja para doutorado ou mestrado, exigia dedicação exclusiva. Em 2010, Capes e CNPq mudaram seu entendimento sobre o assunto e permitiram que os pesquisadores completassem a renda com atividades relacionadas à área de atuação, de preferência a docência, se autorizados pelos orientadores. Mas, por vezes, a bolsa é a única remuneração dos estudantes, que vivem com um orçamento apertado.
Como o valor das bolsas se manteve, mas a inflação não parou de flutuar, os pesquisadores perderam seu poder de compra ao longo desses oito anos. Caso o montante pago pelas bolsas tivesse sido corrigido com base no IPCA, um doutorando deveria receber por volta de R$ 3.554 em 2021; um mestrando, R$ 2.423.
Conforme Dellagostin, as bolsas “nunca tiveram um valor tão baixo como têm hoje”. “A inflação comeu 60% do poder aquisitivo dessas bolsas. Nós precisaríamos de uma recomposição de 60% para as bolsas terem o mesmo valor que tinham em 2013”, calcula. “Esse valor não atende minimamente o que os alunos precisam.”
Ao mesmo tempo, a pesquisa também tem ficado “mais cara”, de acordo com o presidente da Fapesc, Fabio Zabot Holthausen. “Estamos lidando com desafios mais complexos, a própria pandemia está aí para demonstrar isso.”
“O porcentual que estamos aplicando em bolsas é muito superior ao que a gente aplicava anteriormente, porque tínhamos mais bolsas vindas das agências federais”, conta Holthausen. Dessa forma, para conceder o reajuste dos valores, as fundações estaduais têm de buscar equilíbrio a fim de que não falte dinheiro para os “insumos” das pesquisas em si.
“O ideal é que tenha equilíbrio, uma agência de pesquisa financia tanto os recursos humanos, parte de pessoal, como também o objeto da pesquisa, os equipamentos, o custeio dos projetos. Então na medida que tem uma retração das agências federais, isso faz com que as agências estaduais sejam pressionadas”, fala o presidente da Faperj, Jerson Lima.
Se a tendência de redução de repasses das agências federais for mantida, Holthausen entende que as federações estaduais devem “passar por dificuldades se não tivermos outras fontes de recursos ou outras estratégias para alavancar esse recurso”.
A explicação para o congelamento do preço das bolsas, segundo Dellagostin, reflete um “fechar de torneiras” orçamentárias da Capes e CNPq por parte do governo federal a partir de 2015.
Ao Estadão, a Capes informa que o reajuste é assunto “prioritário” e que a equipe técnica avalia a possibilidade de dar aumento. “Nosso estudo é complexo. Levamos em consideração a responsabilidade fiscal e o melhor uso dos recursos públicos. Em uma conta rasa, precisaríamos de R$1,3 bilhão para fazer o reajuste das bolsas.”
Assim como a Capes, CNPq entende “que os valores das bolsas são muito importantes para a atração de talentos, para manter a Ciência brasileira e o seu papel para o desenvolvimento e prosperidade do país”, por isso, também estuda o reajuste. Porém, destaca, a correção “depende de um incremento do orçamento proposto pelo governo e discutido e aprovado pelo Congresso Nacional”.
Ajuda dos pais socorre bolsistas
A dedicação exclusiva, na opinião dos bolsistas, mesmo sendo essencial para a pesquisa e exigência para a manutenção da remuneração de alguns programas, é possível para poucos. “Com dedicação exclusiva podemos aprimorar nossos afazeres acadêmicos, participando de eventos, tendo mais tempo para escrever uma publicação, o que facilita bastante a carreira acadêmica”, conta o mestrando Vitor Hochsprung, de 23 anos, natural de Brusque (SC). Ele estuda na área de Linguística na Federal de Santa Catarina (UFSC) desde 2020, e recebe bolsa da Fapesc – valor anterior ao reajuste.
Com o valor de R$ 1.500, Hochsprung disse até conseguir viver em Florianópolis, o problema é a alimentação. Antes da pandemia, ele poderia contar com o Restaurante Universitário da UFSC que cobra R$ 1,50 por refeição. Com o fechamento do espaço, as contas passaram a não fechar no fim do mês.
Para manter a dedicação exclusiva, teve de pedir ajuda financeira aos pais. Agora que está prestes a finalizar o mestrado e aprovado para o doutorado, diz que, na hora de buscar uma bolsa, vai dar prioridade a da Fapesc: “Com o reajuste, eu penso bastante na Fapesc, é um fator que pesa bastante.”
A ajuda da família também foi importante para que Lucas Gualberto, de 27 anos, que vive em Nova Iguaçu (RJ), se tornasse mestre em Ciências Sociais em fevereiro de 2021. Mesmo assim, só terminou de pagar as dívidas que contraiu ao longo do período de pesquisa na Unesp de Marília, no último trimestre deste ano.
Ele só conseguiu bolsa da Capes um ano após o início do mestrado. “Isso é bem comum, posso dizer que, na minha vivência de pós-graduação, a maioria dos integrantes (dos programas) têm bastante dificuldade de conseguir uma bolsa e fica bastante tempo sem, porque o número de bolsas está muito reduzido.”
Quando conseguiu uma bolsa, em agosto de 2020, usou o valor para pagar as dívidas que contraiu desde o começo da pós-graduação, em 2019. Dividindo a moradia com dois amigos, o excedente, no geral, veio da alimentação e dos livros que precisou adquirir – parcelados em “várias vezes” no cartão.
Também aprovado para o doutorado, Gualberto fez uma escolha que vai pesar menos no orçamento. Com a possibilidade de cursar em São Paulo, na Unesp, e no Rio, na UFRJ, escolheu pela segunda pois pode seguir vivendo na casa da família.
Quando cursou mestrado na Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) – com bolsa que abatia os valores da mensalidade -, em Santa Catarina, a historiadora Daiane Pavão, de 27 anos, nem pensou em buscar o incentivo da Capes ou do CNPq. “Não conseguiria viver só com a bolsa”, conta.
Para se sustentar, precisou dividir a pesquisa com as horas como professora temporária da rede municipal de ensino do município onde nasceu, Caxambu do Sul (SC) – ao lado de Chapecó. Entre 2019 e 2021, período que cursou o mestrado, teve de dedicar de 20h a 40h a aulas para crianças de 6 a 9 anos, para pagar as contas, mesmo que de forma apertada.
Filha de agricultores familiares, o trabalho foi uma constante durante a vida acadêmica. “Eles nunca tiveram condições para me ajudar a estudar, nunca teve esse excedente da produção deles. Sempre precisei conciliar os estudos com bolsas e trabalhos. Foi dessa forma que eu consegui permanecer na universidade.”