23/09/2022 - 9:30
O mercado de seguros atravessa desafios sem precedentes, bem como todas as indústrias. Por um lado, há o surgimento de novas tecnologias e o consequente desenvolvimento de novos modelos de negócios que impulsionam a inovação e a transformação da indústria.
Por outo lado, a crise sanitária dos dois últimos anos, sem precedentes na economia moderna, associada a um ambiente belicoso na Europa, nos conduz a um novo e ainda desconhecido arranjo social e econômico em todo o globo.
Este choque triplo definitivamente está provocando um repensar completo de uma das indústrias mais tradicionais do mundo – a do Seguro.
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Anos de retornos estáveis, forte regulação dificultando a entrada de novos atores e uma forte característica fiduciária forjaram uma indústria avessa ao risco e ao erro, componentes indispensáveis para se competir em um ambiente de incerteza, gerado por intensa inovação.
Mas o cenário mudou. A indústria sofre hoje uma forte pressão por resultados e retornos. Após um crescimento anual médio de 4,4% do valor total de prêmios emitidos em todo mundo, no período entre 2010 e 2019, puxado principalmente por seguro de vida e P&C, dados da consultoria McKinsey mostram que 54% das seguradoras em todo mundo têm apresentado resultado abaixo de seu custo de capital, destruindo valor econômico. A pandemia do Covid-19 somente agravou este cenário.
No Brasil o quadro é mais acentuado. O crescimento anual médio dos prêmios totais, excluindo-se saúde e previdência, entre 2015 e 2019, foi da ordem de 4,8%, enquanto o resultado líquido cresceu a uma média anual de 4,1% no mesmo período. Durante a pandemia o tombo foi enorme e o resultado líquido de todo mercado despencou 49%, embora na comparação de 2021 com 2019 o crescimento de prêmios tenha sido de 19%.
Aparentemente o mercado está se recuperando em 2022, porém possivelmente os resultados somente voltarão aos níveis de 2019 em 2023.
Enfim, nos próximos anos a indústria terá de se reinventar profundamente para fazer frente a algumas megatendências que já estão visíveis no horizonte. Vamos analisar algumas delas:
Novas Tecnologias / Fintechs e Insurtechs:
As novas tecnologias emergentes, como Inteligência Artificial, Internet das Coisas, Processamento em Nuvem, Analytics, Blockchain, Tokenização de ativos, Big Data, entre tantas outras, permitem o surgimento de novos tipos de empresas, ágeis e com modelos de negócios absolutamente revolucionários, desafiando os Incumbentes, principalmente no que diz respeito à sua capacidade de colocar as necessidades do cliente final no centro de todas as decisões. Outro ponto de destaque é que nestes novos modelos de negócio os componentes velocidade e agilidade de indenização passam a ser uma parte fundamental do produto de seguros, uma prática ainda pouco usual nas seguradoras não digitais.
De fato, para empresas consolidadas utilizando tecnologias ultrapassadas e funcionalmente organizadas em silos, a competição pelo domínio da jornada do cliente, com estes novos atores, parece uma batalha perdida. Segundo a Reuters, 43% das aplicações dos bancos americanos ainda são baseadas em Cobol da década de 70. Este cenário é pior ainda no mundo de seguros.
Segundo a CB Insights, somente em 2021 o investimento global em insurtechs foi da ordem de US$ 16,8 bilhões e, apesar da forte redução em 2022, principalmente sentida no Brasil onde houve uma importante redução no apetite dos investidores, a expectativa para 2022 é algo em torno de US$ 9,7 bilhões em escala global. Um enorme combustível para as inciativas digitais.
Não podemos imaginar que as insurtechs ou fintechs irão substituir os Incumbentes, mas com certeza deverão gerar uma pressão enorme para o realinhamento de seu modelo de negócios.
Ecossistemas / Marketplaces:
Um ecossistema é um conjunto interconectado de serviços (ou produtos) que permite aos usuários atender uma variedade de necessidades em uma experiência perfeita. A consultoria McKinsey acredita que 12 ecossistemas representarão US$ 60 trilhões em receitas até 2025, ou aproximadamente 30% de todas as receitas globais. Estão agrupadas nestes ecossistemas cadeias como Educação, Máquinas e Equipamentos e Transportes, entre outras.
Neste novo cenário, os seguradores se afastam cada vez mais do protagonismo da relação direta com o cliente e passam a ser componentes de um sistema maior. Toda a relação de preço, a diferenciação de produtos e a competência tecnológica para se conectar aos ecossistemas passam a ser fatores fundamentais.
Muito mais perto de nós estão os marketplaces, que são plataformas que conectam vendedores com compradores. Da mesma forma que nos ecossistemas, os seguradores se afastam do protagonismo da relação direta com o cliente. Plataformas gigantes surgem a todo momento, criadas não somente pelos agentes tradicionais do mercado e bancos, mas principalmente pelos gigantes tecnológicos como Apple, Amazon e Google. Aqui o conceito de seguro embarcado (embedded insurance) e o Seguro como Serviço (IaaS – Insurance as a Service), em que o seguro é vendido como parte componente de outros produtos, como a venda de um carro, um empréstimo ou outro bem qualquer, ganha muito terreno, exigindo um modelo de negócios e uma abordagem tecnológica absolutamente diferente das praticadas atualmente.
Inovação Regulatória:
Nos últimos anos, a Susep e o Banco Central do Brasil têm sido extremamente ativos no desenvolvimento de regras que impulsionam a inovação no país. Desenvolvimentos como o PIX e o Open Finance, que engloba também o Open Insurance, são implementações que têm um potencial transformacional enorme, uma vez que ampliam em muito o acesso ao seguro, inclusive ao micro seguro, agora tendo como forma de pagamento o PIX. A democratização e a reorganização da cadeia de produção e distribuição promovida neste cenário é simplesmente revolucionária e inexoravelmente deverá ter desdobramentos na indústria nos próximos anos.
Além disso, o regulador de seguros no Brasil colocou no ar nos últimos anos uma quantidade enorme de novas normas, ampliando a flexibilidade e transparência dos produtos de seguros. Haja folego para os Incumbentes acompanharem.
Mudança do padrão de consumo:
A evolução do e-commerce, consequência do isolamento social, ampliou em muito a adoção e aceitação das fintechs e insurtechs. Pesquisa realizada no Estados Unidos pela McKinsey, durante o período da Covid 19, mostra que o nível de confiança em fintechs aumentou muito e hoje se equipara ao nível de confiança nos bancos tradicionais. Fintechs e insurtechs são escolhas predominantes nas gerações Z e Millennials. No entanto, gerações mais velhas também passaram a operar com plataformas digitais de maneira muito mais natural.
Além dos pontos acima, podemos perceber pontos de pressão sobre o modelo tradicional de seguros oriundos das diversas transformações correntes na sociedade tais como Economia Inteligente, economia compartilhada, novos riscos emergentes, plataformas sociais etc.
Enfim, mais do que a pressão sobre resultados e retornos, a análise dos especialistas é a de que, em 2025, a expectativa de prêmios, em todo o mundo, deve alcançar algo em torno de U$7,5 trilhões. Deste valor, aproximadamente 7% deverão ser seriamente impactados pela inovação em diversos pontos da cadeia. Dada a baixa penetração de seguros no Brasil, em torno de 4% do PIB, o impacto por aqui deverá ser ainda maior.
Bem ao estilo elegante do economista Joseph Schumpeter, que venha a Destruição Criativa, gerada pela inovação!