13/06/2024 - 9:08
Foi uma longa espera de 17 anos para as famílias de oito assassinados no conflito armado colombiano que denunciaram a empresa multinacional de bananas Chiquita por suas ligações com um grupo paramilitar no país durante a guerra civil na Colômbia que se estendeu por mais de 50 anos.
Finalmente, nesta segunda-feira, 10, o veredicto veio de um tribunal da Flórida: a Chiquita, uma das maiores produtoras de banana do mundo, foi condenada a pagar uma indenização para familiares de oito vítimas que chegam a até 2,7 milhões de dólares por ter financiado, entre 1997 e 2004, o grupo paramilitar Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), responsável por assassinatos na região de Urabá.
Em 2007, a multinacional foi investigada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos e admitiu em um tribunal federal ter pagado 1,7 milhão de dólares às AUC, alegando que era para proteger seus trabalhadores. As autoridades dos EUA multaram a empresa em 25 milhões de dólares, mas esse dinheiro não foi destinado às vítimas.
Essa decisão foi o ponto de partida para o processo atual, apoiado pela organização EarthRights International.
Um passado sombrio
A história da Chiquita na Colômbia tem sido manchada de sangue desde que operava com o nome de United Fruits Company. Em 1928, a empresa esteve no centro de um massacre de trabalhadores grevistas levado a cabo pelo exército colombiano. O episódio ficou conhecido como o “massacre da banana” e o número total de mortos é desconhecido até hoje.
Segundo Daniel Cerqueira, da Fundação para o Devido Processo Legal, a recente decisão contra a Chiquita tem um custo enorme para a reputação da empresa. “Em última análise, as operações da empresa em todo o mundo terão de ser muito mais cautelosas.”
Essa não é a única ação que a empresa enfrenta, que já anunciou que pretende recorrer da decisão. Mais de 7.000 pessoas entraram com ações judiciais contra a Chiquita por suas ligações com o grupo paramilitar.
“Esta é a primeira vez que um júri nos Estados Unidos ordena uma indenização por violações de direitos humanos por uma empresa fora dos Estados Unidos”, diz Cerqueira. Esse caso pode inspirar ações judiciais semelhantes em outros países no futuro.
Essa não é a primeira vez que empresas multinacionais enfrentam acusações de violência na Colômbia. A mineradora Drummond e a Coca-Cola também foram acusadas de financiar grupos paramilitares.
Os casos da Drummond e da Coca-Cola
A mineradora Drummond enfrentou dois processos civis nos EUA por supostamente financiar grupos paramilitares para proteger suas operações. Isso resultou, na prática, na intimidação e no assassinato de líderes sindicais e comunitários. Embora os tribunais dos EUA tenham rejeitado as alegações, em janeiro de 2024 a Procuradoria Geral da Colômbia anunciou que 72 diretores da empresa devem ir a julgamento.
Em um caso semelhante, a Coca-Cola foi acusada de várias violações de direitos humanos, incluindo supostas ligações com grupos paramilitares para reprimir a atividade sindical. Mais de dez sindicalistas foram assassinados. A queixa, apresentada em 2002 a um juiz do Tribunal Distrital de Miami (Flórida), foi rejeitada em 2009, mas continua sendo um caso histórico.
Outros países latino-americanos enfrentaram casos semelhantes. Em 2017, a Earth Rights International processou membros do Grupo Banco Mundial por financiar o agronegócio Dinant em Honduras, que é acusado de ataques e assassinatos contra agricultores. Em novembro de 2023, as partes chegaram a um acordo para encerrar o caso.
Há também o caso da barragem em uma mina de minério de ferro que estourou em Brumadinho, em Minas Gerais, em janeiro de 2019.
O desastre matou 272 pessoas e poluiu o rio Paraopeba com lama tóxica. A subsidiária brasileira da consultoria alemã TÜV Süd havia confirmado a segurança da barragem apenas quatro meses antes, apesar dos riscos conhecidos. Em outubro de 2019, as vítimas do desastre apresentaram uma queixa contra a TÜV Süd ao Ministério Público de Munique.
O processo na Alemanha envolveu inicialmente um pequeno grupo de vítimas. Aos poucos, novos autores foram sendo incorporados. Agora, chega a 1,4 mil o número de pessoas que pleiteiam uma indenização em torno de 600 milhões de euros (cerca de R$ 3,2 bilhões). As prefeituras de Brumadinho e Mário Campos também buscam indenização.
O caso tramita no Tribunal Regional Superior de Munique. Em dezembro passado, o tribunal contratou um especialista em direito brasileiro para ajudar com a questão.
Defesas agressivas da empresa
Esses processos são complexos e muitas vezes se arrastam por anos. Daniel Cerqueira explica que isso também tem a ver com as práticas agressivas de defesa das empresas.
“As grandes empresas gastam mais em defesa legal do que pagariam em indenizações, para evitar abrir um precedente”, explica. Gimena Sanchez, da ONG Escritório de Washington para a América Latina (WOLA), acrescenta que as empresas contratam subsidiárias locais para se distanciarem dos fatos, o que complica a busca de responsabilidade.
Atualmente, não existe um tratado internacional vinculante que regule as obrigações extraterritoriais das empresas, embora “esteja claro que o direito internacional consagra a responsabilidade dos países de origem das empresas”, pontua Cerqueira.
A decisão do tribunal dos EUA poderia levar a Procuradoria Geral da República a reabrir casos semelhantes na Colômbia, acrescenta Sánchez. Entretanto, os pagamentos a grupos armados por empresas internacionais continuam a ocorrer em muitas áreas do país, “onde operar sem pagar extorsão é quase impossível”.
A especialista ressalta que a situação é mais complexa devido à fragmentação dos grupos e ao fato de que o apoio financeiro é menos formalizado do que no caso da Chiquita.