23/11/2005 - 8:00
Antônio Maciel, presidente: “Em quatro anos, atingimos as metas previstas para seis anos”
A cada 82 segundos, um carro sai da linha de montagem da Ford, em Camaçari, na Bahia, ?menos tempo do que uma baiana precisa para fazer uma acarajé?, como dizem alguns funcionários da empresa. A fábrica não pára, trabalha 24 horas por dia em três turnos e despeja anualmente 250 mil unidades de três modelos de sucesso: o Novo Fiesta, o Novo Fiesta Sedan e o Ecosport. Aos olhos dos dirigentes mundiais do grupo, trata-se de uma referência, seja pela modernidade de seus equipamentos, seja pelo conceito arrojado de produção. Na visão dos executivos brasileiros é isso tudo e mais um pouco. Para eles, o Complexo Industrial Camaçari, como é pomposamente chamado, transformou-se na fábrica que salvou a empresa no Brasil. Quando o primeiro veículo deixou a linha de produção de Camaçari, a Ford começou a reverter um longo processo de decadência, que a mantinha permanentemente mergulhada em boatos sobre sua saída do País. ?Para superar esse quadro, precisávamos de fábricas altamente produtivas, baixo custo e produtos novos?, afirma Antônio Maciel Neto, presidente da Ford para a América do Sul. ?Camaçari nos trouxe esse tripé de sucesso. Atingimos em quatro anos a meta prevista para seis anos.?
Hoje, mais de 60% das vendas da subsidiária brasileira saem de lá. À medida em que a fábrica ocupava rapidamente sua capacidade, o desempenho da empresa melhorava sem parar. Em 2001, o balanço da companhia na região encontrava-se tingido de vermelho. Naquele ano, para um faturamento de US$ 2,2 bilhões, a Ford perdeu US$ 511 milhões. Nos primeiros nove meses de 2005, a situação é outra. O faturamento bateu em US$ 3 bilhões e o lucro acumulado somou US$ 261 milhões. ?Já contabilizamos 21 meses consecutivos de resultados positivos?, afirma Maciel. São quase dois anos no azul, o que estancou uma sangria iniciada em 1987, quando a Ford uniu-se no Brasil à Volkswagen e criou a Autolatina. Desde então, a participação de mercado da companhia minguou. Era mais de 20% no momento da fusão. Quando saiu dela, a Ford tinha cerca de 12%. O fundo do poço chegou em agosto de 2001, dois meses antes da inauguração da fábrica. A fatia da Ford nas vendas nacionais era de 6,6%. Este ano, entre janeiro e outubro, voltou aos 12,4%.
Veículo na pintura: tempo de produção na fábrica é 20% menor do que em outras unidades
O preço para fugir da decadência foi alto. A montadora investiu US$ 1,2 bilhão para erguer a unidade baiana. Os fornecedores desembolsaram outros US$ 700 milhões. A Ford também contou com a ajuda de robustos incentivos fiscais. Durante 10 anos, está livre de impostos municipais como IPTU e ISS e de estaduais, a exemplo do ICMS. Só em impostos federais, a renúncia foi de R$ 180 milhões anuais. Outra ?vantagem competitiva? (possivelmente temporária) são os salários. Hoje, segundo Valter Sanches, diretor da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, um operário de Camaçari ganha 50% do que recebe um colega seu no ABC paulista. ?Na inauguração, ele ganhava um terço?, diz Sanchez. Em alguns anos, portanto, os custos da Ford na Bahia crescerão, já que os impostos passaram a ser cobrados e as diferenças salariais diminuirão. ?Esses incentivos acabarão para todas as montadoras que instalaram fábricas fora de São Paulo?, afirma Maciel. ?Então, ficarão todas em igualdade de condição.? De qualquer forma, é uma corrida contra o tempo. Até 2011, a Ford precisa acumular ganhos de produtividade que compensem as perdas dos incentivos fiscais. Já há conquistas: o tempo de produção de um veículo em Camaçari é 20% menor do que em fábricas convencionais. O sistema de produção também garantem custos menores. Dentro da fábrica, as partes do veículo (sistemas de iluminação, bancos, entre outros) são produzidas por 25 fornecedores minutos antes da montagem final do automóvel, o que elimina os estoques de peças na empresa. O máximo de estoques ?permitido? pela companhia é de dois dias.
Para isso, foi montada uma azeitada máquina de fornecimento que funciona 24 horas por dia. Para cada uma das 2,6 mil peças compradas pela Ford, há um roteiro a ser seguido com rigor, incluindo prazos de produção, locais e rotas de entrega, entre outros. Há ainda um plano B para cada um desses 2,6 mil itens para o caso de eventualidades, como greves nos fornecedores ou interrupções em estradas. ?Vivemos no fio da navalha?, afirma Edson Molina, gerente de logística da Ford para a América do Sul. Certa vez, um carregamento de coxim de motor ficou parado em um trem devido a uma manifestação pública que tomou os trilhos da ferrovia. A Ford mandou um helicóptero descer no local, apanhar o suprimento e levá-lo para Camaçari. ?Não sofremos atrasos?, diz Molina. A rigidez tem garantido índices melhores do que em outras unidades do grupo. Segundo Molina, no ABC, 20% das peças não estão ao alcance da mão do operário. Na Bahia, esse índice é zero desde janeiro deste ano.
Porta de entrada para o mercado de trabalho: a chegada da empresa na Bahia trouxe perspectivas para jovens como Márcia, a “futura presidenta”, e Moema, a comerciária que virou chefe
A modernidade da unidade rendeu outros dividendos. ?Os modelos produzidos aqui rejuvenesceram a marca Ford?, afirma Maciel. ?O Ecosport foi fundamental nesse processo.? Trata-se do fruto de um pesado investimento em pesquisa e desenvolvimento. ?O cliente não compra uma fábrica. Ele compra produtos inovadores. Por isso, o coração deste complexo é a engenharia.? Essa área foi tratada com carinho. O número de engenheiros saltou de 180 para 750 e, em pouco tempo, chegará a 800. Cada funcionário recebeu 900 horas de treinamento. ?Demos perspectivas de crescimento profissional para os moradores da região?, afirma Barry Engle, presidente da Ford no Brasil.
Antes de entrar na Ford, em 2000, Moema Angélica dos Santos trabalhava no comércio. Enfrentou oito meses de treinamento, passou por diversas funções e hoje é líder em duas linhas de produção, nas quais comanda 76 operários. A ascensão rápida a motivou a investir na carreira. Atualmente cursa Engenharia de Produção Mecânica e, em 2006, vai se dedicar ao estudo de inglês. É um caminho seguido por boa parte de suas colegas. Márcia Cristina Souza Santos também cursa Engenharia, já domina o ?idioma oficial da companhia? e conquistou sucessivos aumentos salariais. ?Ganho 150% a mais do que quando entrei aqui?, diz ela, que chefia cerca de 180 pessoas. ?O mais difícil é manter a cada dia o nível de motivação desse pessoal?, afirma. Sua ambição não é pequena. ?Ainda vou me tornar presidenta desta empresa?, garante. E o Maciel? Não se sentiria ameaçado? ?Não, uma vez ele mesmo falou que a gente deveria crescer sem parar na empresa?, diz ela.