A Fiat é useira e vezeira em aproveitar oportunidades de mercado. Sabe como nenhuma outra marca captar os anseios dos consumidores e rapidamente produz carros que os deixam mais felizes. Quando a Fiat se instalou no Brasil, em 1976, toda a indústria automobilística já produzia sob o conceito do fordismo (linha de produção), mas muitas indústrias ainda viviam atrasadas no ambiente capitalista, sob o taylorismo (um operário para funções específicas, sem conhecer o todo da produção).

Com o crescimento da economia brasileira, a produção se sofisticou e a Fiat foi uma das pioneiras na adoção do toyotismo (adequação de estoques e distribuição just-in-time, de acordo com a demanda). De uma forma ou de outra, o Brasil estava sempre uns 20 ou 30 anos atrasado em relação aos costumes e à economia dos Estados Unidos, do Japão e dos principais países da Europa, como Inglaterra e Alemanha.

De certa forma, a Fiat teve “sorte”, pois enquanto “entendia” o Brasil, enquanto decifrava o gosto dos brasileiros, o País se debatia com questões superadas décadas antes no século XX pelas nações mais desenvolvidas, como a luta pela democracia, o controle da inflação e a governança responsável. Para a economia brasileira, portanto, os anos 80 foram perdidos.

Com o raiar dos anos 90, o Brasil passou a ter uma economia mais sofisticada. Todas as montadoras e as principais fábricas de outros setores já produziam sob o toyotismo, as demais indústrias tinham adotado linhas de produção fordistas e o mercado havia sido escancarado para os produtos importados. Com o fim da inflação exagerada, os consumidores puderam se programar e sonhar. Enquanto isso, no Primeiro Mundo, já fazia muitos anos que algum gênio do marketing capitalista havia descoberto que a ausência de necessidade dos consumidores por novos produtos não era exatamente um problema. Toda a indústria passou a “criar necessidades” e motor do capitalismo voltou a funcionar em altas rotações. Então surgiram produtos “premium”, marcas de “grife” etc.

No Brasil, claro, essa diversidade de opções dentro de um mesmo produto demorou para chegar. A indústria automobilística, às voltas com a entrada de novos fabricantes, estava mais preocupada em defender seus territórios. Finalmente, em 2001, a Fiat lançou seu primeiro “carro Denorex”, aquele que “parece, mas não é”: o carro aventureiro.

Na onda de modelos como o Audi Allroad e Volvo Cross Country, que contavam com tração 4×4, suspensão elevada e capacidade off-road, para fazer frente à demanda cada vez mais frequente dos SUVs (Sport-Utility Vehicles), a Fiat teve a sacada de lançar o Palio Adventure. O carro tinha elementos visuais da moda aventureira, como plásticos sobre as caixas de rodas, pneus de perfil misto e para-choques de plástico preto. Chamo os modelos aventureiros de “carros Denorex” porque, nos anos 80, fez muito sucesso uma propaganda na televisão sobre um shampoo anticaspa: “Denorex é tão bom que parece remédio, mas não é”. Então, Denorex virou sinônimo de “parece mas não é” e a frase se tornou um “meme” daquela década.

O Palio Adventure foi um sucesso estrondoso. Depois vieram o VW CrossFox, o Citroën Aircross, o Toyota Etios Cross e muitos outros. A onda passou, pois chegaram novos crossovers ao mercado, mas muitos aventureiros Denorex continuam aí no mercado.

Mais tarde tivemos a segunda fase da “Operação Carros Denorex”. Claro que eles já existiam antes, mas nunca com tanta eficiência: os esportivos que não eram esportivos. De tão enganadores, ganharam da imprensa especializada em automóveis a alcunha de “carros esportivados”. De novo, a Fiat lidera o segmento, com o Palio Sporting. Novamente, várias outras marcas buscam o sucesso da Fiat no nicho, com o VW Fox Pepper, o Renault Fluence GT Line e o Hyundai HB20 R Spec.

Agora temos a chegada do Fiat Mobi. Apresentado como um conceito revolucionário de carro urbano, o Mobi parece inaugurar a terceira fase da “Operação Carros Denorex”. Afinal, segundo o fabricante, o veículo é pequeno para um público “para quem menos significa mais”, seu porta-malas é minúsculo porque vem com uma caixa removível. A propaganda da marca fala em “um novo jeito de circular pela cidade”. O marketing de Fiat identificou um consumidor “mais consciente”. E dessa forma, o pequenino Mobi (menor do que o pioneiro Fiat 147) é apresentado à sociedade de consumo como o carro ideal para o consumidor desses novos tempos.

Dessa vez, entretanto, a estratégia da Fiat corre perigo. Ao contrário dos outros “carros Denorex”, que atuavam num nicho específico e de pouco volume, o Mobi chega para ser um carro de grande volume. Com a queda de vendas do Palio, o Mobi chega com a missão de emplacar 7.500-8.000 carros/mês e estancar a perda de market share da montadora. Há um ano, a Fiat detinha 16,3% do mercado de automóveis de passeio; hoje é dona de apenas 12,0% e foi ultrapassada pela Volkswagen. A GM era e continua líder.

Há um ano, o Palio era o carro mais vendido do Brasil, com 32,8 mil emplacamentos acumulados no primeiro trimestre. Hoje perdeu essa posição para o Chevrolet Onix (35,4 mil), foi ultrapassado também pelo Hyundai HB20 (27,3 mil) e está apenas em terceiro lugar, com 18,2 mil. O Fiat Mobi chega num momento ruim para os carros 1.0. Há um ano, os modelos com essa motorização eram donos de 37,5%, mas caíram para 32,9% de participação.

Não é novidade para ninguém que o consumidor brasileiro é avesso a carros subcompactos. Enquanto foi um carrinho minúsculo, o Ford Ka patinava nas vendas. Depois que ganhou novo porte, um porta-malas maior, quatro portas e boas inovações técnicas, o Ka cresce sem parar. Em março, por exemplo, foi o veículo de entrada mais vendido do País, com 7,2 mil emplacamentos, contra 4,7 mil do Palio, 3,9 mil do Fiat Uno e 3,9 mil de outro subcompacto, o VW Up.

O Up, aliás, inaugurou o nicho de carros subcompactos, há dois anos, com uma receita excelente: motor pequeno de alta eficiência (nota A em consumo e boa potência), atenção total à segurança (cinco estrelas nos crash tests e sistema isofix para cadeirinhas) e porta-malas razoável (285 litros). Mesmo assim, não emplaca, pois seu visual não empolga. E é considerado caro pelo seu porte. Já o Mobi tem um motor antigo (nota B em consumo com menor potência), não submeteu o carro a crash tests (sua plataforma construtiva é a mesma do Uno, que foi mal nos testes de impacto) e seu porta-malas tem apenas 215 litros na versão com a caixa removível.

Se é verdade que existe um consumidor mais consciente nas grandes cidades, também é verdade que esse mesmo consumidor talvez não se convença apenas por um visual ousado como o do Mobi. Esse consumidor também quer um carro que seja a última palavra em segurança – e o Mobi não é. Esse consumidor também quer um carro ecologicamente correto, que consuma pouco – e o Mobi não é.

Em todos os sentidos, o Fiat Mobi é um legítimo representante da terceira fase da “Operação Carros Denorex”. Tanto assim que, por uma incrível coincidência, a montadora está divulgando em seu vidro um selo verde de consumo nota A na categoria Micro Compacto. Se entrasse na categoria Subcompacto, a mesma do Up, o Mobi teria apenas nota C de consumo e emissão de CO2. Nessa novíssima categoria Micro Compacto, que ainda não foi divulgada oficialmente pelo Programa de Etiquetagem Veicular do Inmetro, o Mobi conseguiu nota A.

Pode colar para o grande público consumidor, que busca sua felicidade nas aparências, nessa atual fase do capitalismo. Mas, para mim, o Mobi é apenas mais um “carro Denorex”.