09/12/2022 - 11:03
Por Bernardo Caram e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – Anunciado nesta sexta-feira pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva para comandar o Ministério da Fazenda, Fernando Haddad assumirá o posto em janeiro sob pressão para viabilizar um governo que prometeu ampliar gastos com programas sociais e obras públicas e reduzir impostos da população de menor renda, ao mesmo tempo em que é cobrado a aprovar uma âncora fiscal que dê credibilidade ao país e gere estabilidade econômica.
Um dos nomes do PT mais próximos de Lula, Haddad pertence a uma ala mais moderada do partido, mas ainda assim a sinalização de que ele seria o escolhido para o cargo foi recebida com má vontade pelo mercado, que torcia por um perfil mais ortodoxo e propenso a defender a contenção de gastos e promover reformas impopulares vistas como necessárias.
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Formado em Direito pela USP, com mestrado em Economia e Doutorado em Filosofia, o ex-prefeito de São Paulo foi o responsável, em 2018, por coordenar o programa econômico para o que deveria ser a campanha presidencial de Lula, antes de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitar sua candidatura.
Haddad acabou saindo como o candidato do PT à Presidência naquele ano, apresentado aos eleitores como um preposto de Lula, mas foi derrotado por Jair Bolsonaro, então no PSL. Com a promessa de Lula de não disputar reeleição em 2026, a expectativa é que agora possa pavimentar um caminho para consolidar seu nome nacionalmente e se colocar como candidato mais competitivo para suceder o petista no Planalto.
Essa aposta, no entanto, não é livre de riscos. O chefe da pasta pode colher frutos se a economia responder bem aos programas do novo governo, com ampliação de investimentos públicos, fortalecimento de programas sociais e a prometida correção da tabela do Imposto de Renda –sem perder o controle da inflação e do endividamento público.
Por outro lado, o posto tem potencial para trazer percalços a essa estratégia, já que a Fazenda é usualmente o centro nevrálgico de debates impopulares, incluindo potenciais aumentos de impostos, alternativa vista por alguns economistas como quase inescapável diante da grave situação fiscal.
O cenário econômico à frente também é desafiador, com a alta de juros feita pelo Banco Central para segurar a inflação enquanto o mundo encara o risco de uma recessão.
DESCONFIANÇA FISCAL
O foco de desconfiança do mercado para a gestão econômica petista está na área fiscal. Apesar de Lula ter feito um governo considerado responsável fiscalmente em sua primeira passagem na Presidência, sobretudo no primeiro mandato, suas declarações sobre o assunto têm sido vistas como ambíguas e a PEC da Transição, que amplia o espaço para as despesas públicas no ano que vem, também gerou preocupação.
Falando em nome de Lula em evento em novembro, Haddad disse que uma reforma tributária seria prioridade, mas não fez referência a uma âncora para controlar o gasto público, defendendo depois em resposta a jornalistas que o tema deveria ficar para depois da transição. A falta de destaque à questão fiscal foi interpretada negativamente por agentes do mercado.
Depois de assumir a interlocução do grupo de Economia da transição, porém, ele também passou a mencionar a reforma fiscal como prioridade do governo eleito, mas sem dar detalhes sobre os planos do partido.
Após a gestão Bolsonaro promover uma série de exceções ao teto de gastos nos últimos anos e o presidente eleito articular mais um furo à regra fiscal antes mesmo de assumir o poder, Haddad terá que conduzir o plano de revogar a atual norma constitucional de controle das despesas públicas, mas com o compromisso de propor, em seu lugar, um arcabouço que permita a estabilização do endividamento público. A PEC da Transição estabeleceu que isso terá que ser feito até agosto de 2023.
Uma das ideias analisadas pela equipe de campanha para a nova âncora, no lugar do teto de gastos, foi elaborada por Haddad, com proposta que prevê reajuste do limite das despesas pelo IPCA e por um outro indicador, ainda não definido, mas que abriria espaço para um crescimento real dos desembolsos.
No cargo, Haddad também deve colocar em prática outras diretrizes do plano do PT para a economia. O novo governo pretende frear planos de privatizações de estatais que vinham sendo conduzidos pela gestão Bolsonaro, como os Correios. A agenda verde também é tratada como prioritária, com a criação de programas e instrumentos financeiros que estimulem investimentos ambientalmente responsáveis.
Na reestruturação de tributos, o petista já disse ser favorável à proposta que unifica e simplifica impostos que incidem sobre o consumo. O plano do PT também prevê que a reforma do Imposto de Renda inclua a taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos –medida proposta pelo governo Bolsonaro, mas que não foi implementada pelo Congresso.
“EXCESSIVAMENTE CONVICTO”
Haddad, 59, filiou-se ao PT, seu único partido, em 1983. Atuou na Prefeitura de São Paulo na gestão da então petista Marta Suplicy, assumindo um posto na Secretaria de Finanças municipal em 2001. Dois anos depois foi para Brasília atuar no Ministério do Planejamento, sob comando à época de Guido Mantega. Pouco depois, trocou de pasta, indo para o Ministério da Educação ser o secretário-executivo de Tarso Genro.
Quando Genro deixou o governo para presidir o PT em meio ao escândalo do mensalão em 2005, Haddad assumiu o comando da pasta, onde ficou até 2012.
Nesse período, atuou sob o comando de Lula e, depois, da ex-presidente Dilma Rousseff. Esteve à frente de programas como o de criação de universidades federais e de acesso ao ensino superior e técnico –ProUni e Pronatec.
Sua gestão na pasta agradou a Lula, e o petista o escolheu para disputar a Prefeitura de São Paulo em 2012. Haddad saiu vitorioso, e na administração bancou propostas impopulares entre setores da população, como a instalação de ciclofaixas por toda a cidade e a redução da velocidade máxima especialmente em vias expressas. Já no primeiro ano de sua gestão, teve de lidar com a onda de protestos contra reajustes na tarifa de transportes público que varreu o país.
Desde então, Haddad acumulou derrotas nas urnas. Em 2016, ano em que o PT foi duramente abatido pelos escândalos da operação Lava Jato, tentou a reeleição e acabou perdendo para João Doria (PSDB) ainda em primeiro turno. Em 2018, foi derrotado por Bolsonaro, frustrando planos do PT de voltar a governar o país após o impeachment de Dilma Rousseff.
Neste ano, com Lula novamente apto a disputar a presidência, Haddad foi escalado para concorrer ao governo do Estado de São Paulo. Chegou ao segundo turno, mas acabou perdendo para o ex-ministro de Bolsonaro Tarcísio de Freitas. A derrota abriu caminho para a interlocução com o grupo de Economia da transição do governo federal, o que culminou na nomeação para a Fazenda.
Dos críticos de Haddad, que existem inclusive dentro do PT, onde há os que o consideram “o mais tucano dos petistas”, vem a desconfiança da habilidade de negociar politicamente –um requisito que Lula repetiu necessitar para o posto.
Considerado “excessivamente convicto” das suas ideias, o ex-prefeito é apontado por seus detratores como alguém difícil de ceder em negociações.
Não é, no entanto, o que o presidente eleito vê, que aceitaria “nãos” e análises que venham do pupilo. Para Lula, que restringiu ainda mais seu círculo de confiança na campanha deste ano, Haddad foi quem conseguiu negociar uma aliança com Geraldo Alckmin e trouxe para sua candidatura o apoio de nomes que estavam afastados, como Marina Silva.
(Edição de Isabel Versiani)