A conexão entre as empresas e cada um dos seus consumidores foi a regra no início das relações de consumo. Produzíamos e vendíamos para um público restrito que podia nos alcançar porque vivia nas redondezas. Conhecíamos suas necessidades, sua cultura e valores.

A industrialização afastou os meios de produção dos consumidores e o marketing, percebendo essa distância, vem buscando desde então os reaproximar dos clientes – nasce assim o conceito da centralidade no cliente, tônica de 10 entre 10 profissionais de marketing modernos.

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Porém, como as expectativas sempre crescem, o que se espera hoje é que as empresas não apenas atendam às necessidades dos clientes, mas as antecipem e mesmo possam superá-las. Seria o que alguns chamam de “encantar o cliente”.

Esse encantamento resulta de um desequilíbrio de valor. O cliente tem a percepção de que lhe sobra uma parcela expressiva de valor na relação de troca que se estabeleceu.

Didaticamente uma transação comercial somente se efetiva, em situação normal, quando o comprador vê mais valor no produto ou serviço que está prestes a adquirir do que o valor que entrega para o vendedor. Aqui entende-se valor entregue pelo cliente como o preço propriamente dito, mas também o deslocamento até a loja, eventual espera e todos os outros custos de transação.

Há muitos aspectos transformadores nas estratégias de marketing das empresas inovadoras que visam engajamento cada vez mais próximo e sem atritos com os clientes. A postura “digital-first”, o uso de inteligência artificial para acelerar o aprendizado e criar interações significativas com os clientes e o uso eficaz de tecnologias para capitalizar os dados da operação são apenas alguns exemplos utilizados por empresas como: Ambev, Fleury, Natura, Itaú e Cielo. Essas têm o intuito de alcançar patamares superiores de entrega de valor em relação à média de seus pares.

Dentre essas iniciativas, a hiperpersonalização é uma das formas mais avançadas de alavancar a aspiração do marketing em direção ao relacionamento massivo ao mesmo tempo que individualizado. Uso intensivo (e cada vez mais cuidadoso) de dados, análises automatizadas turbinadas por Inteligência Artificial e automação inteligente de processos são os meios pelos quais, tanto as campanhas, quanto a efetiva entrega de valor, são feitas hoje pelas empresas que estão na fronteira.

Por meio da hiperpersonalização as companhias podem enviar mensagens baseadas no contexto dos clientes (lugar e hora certos) e por meio do canal correto. O marketing hiperpersonalizado junto ao marketing digital busca engajar de modo significativo e, até então incomum, uma grande base de clientes, aprofundando com cada um deles os vínculos dos relacionamentos existentes e construindo novos.

O que se espera com a implementação deste tipo de estratégia não é somente o aumento da satisfação do cliente, mas também um impulso importante na fidelidade à marca, na disposição para gastar e na eficácia geral dos reais investidos em marketing.

Um estudo recente do Gartner sugere que as marcas correm o risco de perder cerca de 40% de sua base de clientes existente devido a esforços insuficientes de personalização de suas ofertas.

Vejamos a seguir alguns exemplos de empresas que vêm adotando estratégias de hiperpersonalização com sucesso, mesmo que alguns cuidados sejam evitados:

Amazon

A Amazon é famosa por seu cuidado com a experiência de compra que visa nada menos que a perfeição. Duas estratégias que tomaram um bom rumo recentemente e que dialogam com o nosso tema: filtragem colaborativa e análise preditiva.

Os sistemas de avaliação e feedback da empresa americana se conectam uns aos outros para enviar itens populares em algumas categorias para compradores que podem não ter conhecimento, mas cujo comportamento, perfil e momento de vida indicam que “poderiam” se interessar.

O comportamento do consumidor – mesmo fora do local de compra – é usado como insumo para a máquina de recomendações em todos os pontos da jornada de compra. Que vão, da página inicial à página do produto, e exibe a tag “frequentemente comprados juntos”. Neste caso é possível fazer promoções individuais, incentivando a venda cruzada.

Resultado: mecanismo de recomendação hiperpersonalizado de produtos entrega cerca de 35% de conversão.

 

Grammarly

O aplicativo Grammarly é um assistente on-line de escrita com funções muito eficientes de apoio ao estilo e tom, verificação de gramática, ortografia, além de uma plataforma de detecção de plágio, que opera desde 2009 e foi desenvolvida por uma startup da Ucrânia chamada Grammarly, Inc.

O assistente de redação vai além da revisão e usa sua credibilidade e base de milhares de clientes para fornecer algo mais útil aos seus clientes. A empresa coleta dados durante o uso do aplicativo e, ao comparar sua performance de escrita com uma grande base, elabora gráficos e estatísticas de uso e as sintetiza em um e-mail semanal para aqueles que escolhem recebê-lo.

 

Resultado: nessa mensagem hiperpersonalizada são dadas sugestões sobre o estilo de escrita, erros mais comuns cometidos no período e formas de aprimorar o vocabulário. Com relação às revisões, pode enviar mensagens como: ‘Você foi mais produtivo do que 80% dos usuários do Grammarly’, por exemplo.

 

Netflix

Manter as pessoas engajadas com a plataforma é a prioridade número um da Netflix. Sua capacidade de comunicar aos clientes os conteúdos que lhes pareça interessante é a chave para seu sucesso extraordinário.

O incrível e complexo sistema de recomendações personalizadas da empresa se baseia em diversos pontos de dados, dentre os quais as avaliações dos clientes de cada conteúdo exibido, o histórico de visualizações, as pesquisas, escolhas de outros membros da família (especialmente aqueles com gostos e preferências semelhantes), informações sobre cada título avaliado (gênero, categoria, ano de lançamento, atores, dentre outras tantas), o dispositivo usado para assistir os filmes, se o usuário retrocedeu ou parou a exibição e o tempo de conexão.

Todos esses dados alimentam o algoritmo para determinar qual conteúdo é exibido para cada um dos milhões de perfis na plataforma.

Resultado: cerca de 80% do conteúdo consumido na plataforma é resultado de uma indicação personalizada e apenas 20% do conteúdo é decorrente de uma pesquisa iniciada pelo usuário.

 

Starbucks

A Starbucks é reconhecida pela sua capacidade quase única de misturar café e ambientes incríveis – a busca é por dar a cada cliente um atendimento personalizado, em particular na experiência no aplicativo. As ofertas individualizadas são feitas em tempo real, com base nas preferências, atividades e compras anteriores.

A Starbucks usa um algoritmo baseado em inteligência artificial para enviar uma mensagem hiper personalizada (dentre mais de 400 mil variantes de mensagens possíveis) aos seus clientes e promover ofertas únicas e atraentes para cada um.

Resultado: a receita incremental decorrente de resgates das ofertas personalizadas triplicou em 2021 e responde por 25% do total transações efetuadas por meio do aplicativo móvel.

Atenção: a execução demanda cuidado!

As estratégias de hiperpersonalização podem se tornar um risco se feitas de forma errada. Há, por exemplo, uma linha tênue entre engajar os clientes e incomodá-los ou até mesmo assustá-los com o quanto se sabe sobre eles.

A preocupação com a privacidade é crescente e muito justificada. Portanto, um trabalho de bastidor de grande importância pode ser, tendo em vista o contexto, tanto desenvolver táticas para que os clientes voluntariamente abram seus dados quanto encontrar clientes que desejam seu serviço e para isso não se incomodem em receber mensagens personalizadas.

Nunca é demais comentar que estratégias de hiperpersonalização que pareçam espionagem podem levar a resultados desastrosos…

A busca por estratégias de sucesso nessa frente passa por alguns passos, dentre os quais:

  • Garante que a estratégia de hiperpersonalização esteja estritamente dentro da Lei e de acordo com os valores da sua organização;
  • Reúne e analisa dados de clientes de várias fontes e os atualiza constantemente;
  • Usa testes A/B para campanhas de personalização para saber o que funciona e o que não funciona;
  • Coleta consistentemente e usa o feedback de cada cliente para ajustar o tom e a frequência da comunicação e das ofertas;
  • A hiperpersonalização é uma técnica profundamente apoiada por tecnologia – cerque-se de um time que seja tecnicamente excelente.

Algumas conclusões

Os profissionais de marketing, nesta nova era digital, são orientados por criatividade, conexão individualizada com os clientes e, sobretudo, turbinados por dados de diversas fontes. Sem abandonar os elementos humanos e emocionais do marketing, as novas plataformas de criação e oferta usam informações em tempo real em um formato acessível, ágil e flexível. O profissional de marketing tem a missão de encantar o cliente, garantir que sua experiência seja relevante, oportuna e memorável.

À medida que mais empresas adotem a hiperpersonalização, desde o design do produto, passando pela precificação dinâmica, até a experiência de compra, há um certo crescimento na expectativa dos consumidores.

A tecnologia já está proporcionando a possibilidades de interações únicas e os consumidores esperam que essa conexão valha a pena. Agora que você chegou a cada um dos seus clientes o que você acredita ser interessante fazer?